Washington Novaes (*)
Não há discussão hoje mais frequente que a da “crise da água”. Há mais de duas décadas vêm a ONU e seus organismos advertindo que será essa a mais grave crise dos nossos tempos. Temos hoje no mundo mais de um bilhão de pessoas sem acesso a água potável de boa qualidade. Mais de 40% da humanidade (mais de 2,5 bilhões de pessoas) não dispõem de saneamento básico; mais de um bilhão de pessoas defecam todos os dias ao ar livre. Até meados deste século, a crise envolverá dois terços da humanidade – diz a ONU – nos conflitos em disputa de água, até guerras.Também no Brasil o quadro é grave.
Quase 10% da população, quase vinte milhões de pessoas, não recebem água encanada em suas residências. Cerca de 50% da população (quase cem milhões de habitantes) não têm suas casas ligadas a redes de esgotos (parte deles conta com fossas sépticas). Dos esgotos coletados, menos de 30% recebem alguma forma de tratamento – o restante é despejado in natura nos rios e no mar e é a causa principal das doenças veiculadas pela água, que respondem por 60% das internações pediátricas na rede pública de saúde e por 80% das consultas na mesma faixa.
Essa poluição por falta de saneamento é também a causa principal da “situação crítica” diagnosticada pela Agência Nacional de Águas em todas as bacias brasileiras, da Bahia ao Rio Grande do Sul. É também responsável pelo quadro preocupante encontrado pela ANA em pesquisa recente em mais de dois mil municípios brasileiros, na qual constatou que dois terços deles enfrentarão graves problemas de abastecimento em prazo muito curto. Ainda assim, outros estudos mostram que o desperdício de água nas redes públicas das principais cidades brasileiras chega a 45% do que sai das estações de tratamento. Mas até há pouco não havia um único sistema de financiamento para reparação e conservação de redes – só para novas barragens, novas adutoras e novas estações de tratamento (o BMDS parece haver quebrado a regra, começando a financiar recentemente a reparação e conservação).
Ainda é possível acrescentar que o Brasil é parte do problema diagnosticado pelo PNUMA, de cem milhões de toneladas anuais de nitrogênio usado como fertilizantes nas lavouras e que chegam às águas dos oceanos, onde estimulam a proliferação de algas – e é essa a causa principal da perda da biodiversidade marinha em muitas regiões.Tudo isso evidencia a necessidade de o País repensar sua estratégia nessa área e incluí-la na macroestratégia dos novos tempos.
Se temos o privilégio de quase 13% das águas superficiais do planeta (sem contar os aquíferos subterrâneos), temos de lembrar que essa água é distribuída desigualmente entre as regiões, com quase 80% na região amazônica – onde estão menos de 20% da população. Com um estado, Pernambuco, já em situação crítica (consome mais de 20% da água superficial) e outros próximos disso. E com praticamente todas as grandes cidades já com o problema de precisar buscar água a grandes distâncias e elevados custos, muitos deles enfrentando conflitos com os municípios das bacias de onde retiram ou pretendem retirar água.
Com uma problemática dessa envergadura, o planejamento oficial prevê a “universalização” do saneamento para um prazo de vinte anos, aplicando no setor cerca de r$ 10 bilhões anuais – só que o desembolso efetivo tem ficado muito abaixo disso. Em algum momento irá à mesa de negociações internacionais também a chamada “exportação virtual de água”, questão já levantada nos relatórios das conferências sobre água promovidas pela ONU. Ali se lembra que produzir um quilo de carne bovina exige o uso de quinze mil litros de água em todas as fases do processo, desde a formação do pasto, a alimentação e dessedentação de animais, a limpeza de instalações, etc. Um quilo de carne suína exige oito mil litros; carne de aves, oito mil litros; um quilo de cereais, de mil a mil e trezentos litros.
A argumentação que se começa ouvir é a de que principalmente países industrializados, que não dispõem de território nem recursos hídricos para produzir carnes e grãos que consomem, recorrem à importação – mais uma vez, entretanto, sem considerar nem remunerar os custos ambientais e sociais embutidos.
Leia o texto na integra:
http://interessenacional.uol.com.br/artigos-integra.asp?cd_artigo=83
(*) É articulista do jornal O Estado de S. Paulo, comentarista e consultor da tv Cultura de São Paulo. Foi secretário de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia do Distrito Federal (1991/1992), consultor da Agenda 21 brasileira e dos relatórios sobre desenvolvimento humano no Brasil (pnud), além de sistematizador do I Relatório Brasileiro para a Convenção da Biodiversidade e um dos primeiros intelectuais a levantar a voz em defesa do Tombamento do nosso Encontro das Águas.
Não há discussão hoje mais frequente que a da “crise da água”. Há mais de duas décadas vêm a ONU e seus organismos advertindo que será essa a mais grave crise dos nossos tempos. Temos hoje no mundo mais de um bilhão de pessoas sem acesso a água potável de boa qualidade. Mais de 40% da humanidade (mais de 2,5 bilhões de pessoas) não dispõem de saneamento básico; mais de um bilhão de pessoas defecam todos os dias ao ar livre. Até meados deste século, a crise envolverá dois terços da humanidade – diz a ONU – nos conflitos em disputa de água, até guerras.Também no Brasil o quadro é grave.
Quase 10% da população, quase vinte milhões de pessoas, não recebem água encanada em suas residências. Cerca de 50% da população (quase cem milhões de habitantes) não têm suas casas ligadas a redes de esgotos (parte deles conta com fossas sépticas). Dos esgotos coletados, menos de 30% recebem alguma forma de tratamento – o restante é despejado in natura nos rios e no mar e é a causa principal das doenças veiculadas pela água, que respondem por 60% das internações pediátricas na rede pública de saúde e por 80% das consultas na mesma faixa.
Essa poluição por falta de saneamento é também a causa principal da “situação crítica” diagnosticada pela Agência Nacional de Águas em todas as bacias brasileiras, da Bahia ao Rio Grande do Sul. É também responsável pelo quadro preocupante encontrado pela ANA em pesquisa recente em mais de dois mil municípios brasileiros, na qual constatou que dois terços deles enfrentarão graves problemas de abastecimento em prazo muito curto. Ainda assim, outros estudos mostram que o desperdício de água nas redes públicas das principais cidades brasileiras chega a 45% do que sai das estações de tratamento. Mas até há pouco não havia um único sistema de financiamento para reparação e conservação de redes – só para novas barragens, novas adutoras e novas estações de tratamento (o BMDS parece haver quebrado a regra, começando a financiar recentemente a reparação e conservação).
Ainda é possível acrescentar que o Brasil é parte do problema diagnosticado pelo PNUMA, de cem milhões de toneladas anuais de nitrogênio usado como fertilizantes nas lavouras e que chegam às águas dos oceanos, onde estimulam a proliferação de algas – e é essa a causa principal da perda da biodiversidade marinha em muitas regiões.Tudo isso evidencia a necessidade de o País repensar sua estratégia nessa área e incluí-la na macroestratégia dos novos tempos.
Se temos o privilégio de quase 13% das águas superficiais do planeta (sem contar os aquíferos subterrâneos), temos de lembrar que essa água é distribuída desigualmente entre as regiões, com quase 80% na região amazônica – onde estão menos de 20% da população. Com um estado, Pernambuco, já em situação crítica (consome mais de 20% da água superficial) e outros próximos disso. E com praticamente todas as grandes cidades já com o problema de precisar buscar água a grandes distâncias e elevados custos, muitos deles enfrentando conflitos com os municípios das bacias de onde retiram ou pretendem retirar água.
Com uma problemática dessa envergadura, o planejamento oficial prevê a “universalização” do saneamento para um prazo de vinte anos, aplicando no setor cerca de r$ 10 bilhões anuais – só que o desembolso efetivo tem ficado muito abaixo disso. Em algum momento irá à mesa de negociações internacionais também a chamada “exportação virtual de água”, questão já levantada nos relatórios das conferências sobre água promovidas pela ONU. Ali se lembra que produzir um quilo de carne bovina exige o uso de quinze mil litros de água em todas as fases do processo, desde a formação do pasto, a alimentação e dessedentação de animais, a limpeza de instalações, etc. Um quilo de carne suína exige oito mil litros; carne de aves, oito mil litros; um quilo de cereais, de mil a mil e trezentos litros.
A argumentação que se começa ouvir é a de que principalmente países industrializados, que não dispõem de território nem recursos hídricos para produzir carnes e grãos que consomem, recorrem à importação – mais uma vez, entretanto, sem considerar nem remunerar os custos ambientais e sociais embutidos.
Leia o texto na integra:
http://interessenacional.uol.com.br/artigos-integra.asp?cd_artigo=83
(*) É articulista do jornal O Estado de S. Paulo, comentarista e consultor da tv Cultura de São Paulo. Foi secretário de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia do Distrito Federal (1991/1992), consultor da Agenda 21 brasileira e dos relatórios sobre desenvolvimento humano no Brasil (pnud), além de sistematizador do I Relatório Brasileiro para a Convenção da Biodiversidade e um dos primeiros intelectuais a levantar a voz em defesa do Tombamento do nosso Encontro das Águas.
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