sábado, 14 de janeiro de 2012

CONSPIRAÇÃO CONTRA A LEITURA

Márcio Souza (*)

Já vimos que não é simples formar cidadãos leitores. Países como a Inglaterra, França, Alemanha e os Estados Unidos, entre outros, conseguiram elevar o número de jovens que saem da escola leitores, através de um processo complexo, que exigiu rigor na aplicação dos recursos, continuidade e muita disciplina, embora não tenham escapado do baixo índice de leitores efetivamente formados.

Este índice aparentemente baixo, de outro lado, também indica que o ato de ler não é um hábito que se pegue por osmose ou por saturação. E neste ponto concordo que se trata uma opção, uma escolha, que a escola aponta o caminho, mas outras instâncias conspiram a favor e contra: ambiente familiar, classe social, etnia e religião.
Uma família de não leitores, uma classe social que não sente necessidade de ler, uma etnia que não conhece a leitura e uma religião que segrega seus fiéis, dificilmente produzirá leitores, por melhor que seja a escola. Esta escola produzirá alfabetizados, leitores funcionais, com habilidade de ler suplementos esportivos, tablóides de escândalos ou publicações confessionais.

Na Amazônia, por exemplo, até quase meado do século XIX a língua portuguesa não era hegemônica (e continua não sendo: é dominante, mas não é hegemônica). Quase todo mundo falava um idioma indígena materno e o nheengatu, a boa língua.

Em muitas Câmaras de vereadores o trabalho de secretariar as sessões e redigir as atas era confiado a índios alfabetizados nas missões católicas, já que os senhores vereadores não sabiam ler ou escrever. Em 1827, há apenas três escolas na Província do Amazonas, sendo uma na Barra – Manaus, em Barcelos e outra em Moura.

Em 1800, uma escola de primeiras letras havia sido criada em Barcelos – então capital da Província. Mesmo levando em consideração as diversas mudanças, o currículo escolar era limitado, segregador – apenas os filhos de gente abastada -, determinado pelo poder público, que também nomeava o professor e proibia a iniciativa dos particulares.

O currículo abrangia as primeiras letras, a educação física e moral, caligrafia, doutrina cristã, numeração e primeiras regras aritméticas, estudo de gramática, noções de geometria aplicada às artes, história natural, história sagrada, história do Brasil e geografia. Para as escolas femininas, estava acrescido o currículo com matéria de prendas domésticas. Uma escola melancólica para formar dóceis súditos, nunca uma elite pensante e criativa.

Em 1848 é fundado na Barra, em Manaus, o que poderia ser chamado de estabelecimento de ensino secundário, o Seminário de São José, lecionando gramática, francês, música e canto. Mais tarde, aritmética, álgebra, geometria, abrigando uma média de cinqüenta alunos. Uma transmissão desfibrada do saber, que virou tradição no primeiro reinado, onde prevaleceram as soluções burocráticas.

O jovem era obrigado a receber uma educação que se compromete a refletir um sistema tradicional de idéias consideradas universais e desligadas das necessidades do cotidiano, beirando a intolerância e o proselitismo. A educação será outro dever enfadonho da oligarquia iletrada.

Com isso, tivemos no Amazonas uma forma de educação incapaz de formar um pensamento original, tão necessário aos processos de transformação. A educação era sempre um momento de infância e de adolescência, necessário e irritante, que provê o jovem de um título para concorrer a certos cargos públicos, bem como de certas habilidades práticas como redigir cartas, assinar o próprio nome e contar o dinheiro.

Firma-se naquela época a mitologia bacharelesca de que a Educação é um título em letras góticas sobre um pergaminho, que alguns poucos um dia poderão receber em tocante solenidade e em trajes domingueiros.

(*) É reconhecido internacionalmente pela tradução de suas obras, escritor do Amazonas, membro da Academia Amazonense de Letras e articulista de A Crítica.

Nenhum comentário: