sábado, 19 de junho de 2010

NO RITMO DA COPA: O BRASIL É CAMPEÃO DO MUNDO DAS TAXAS DE JUROS


Paulo Kliass (*)

Pois é, mesmo que a seleção dirigida por Dunga não consiga trazer a estrelinha do hexa lá da África do Sul, o fato é que o Brasil continua a ostentar a posição de campeão mundial....da taxa de juros!

A reunião do Conselho de Política Monetária (COPOM), no dia 09 de junho passado, elevou ainda mais a taxa SELIC do Banco Central, de 9,5% para 10,25% ao ano. Com tal decisão, o governo se obriga pagar a mais um valor próximo a R$ 12 bilhões em um ano, correspondente a esse acréscimo de 0,75% na taxa básica de juros da nossa economia.

A título de comparação, o total da receita aplicada pelo Programa Bolsa Família, ao longo de 2009, foi de um valor aproximado a esse.A dívida pública federal superou a marca dos R$1,6 trilhão, valor até muito difícil de imaginar. Com a nova remuneração oferecida ao sistema financeiro para a rolagem dessa dívida, as despesas da União, com juros ao longo dos próximos 12 meses, serão da ordem de R$ 160 bilhões.Há muitos anos que o Brasil vem mantendo tal “pole position”. Em alguns meses isolados, ao longo de mais de uma década, ocorreu de ter sido subitamente ultrapassado por outros países, como a Turquia. Mas nada que comprometesse sua liderança definitiva.

Existem vários fatores que podem ser utilizados para explicar mais essa jabuticaba tupiniquim. A questão é bastante complexa para ser esgotada em um espaço reduzido como esse. Mas vamos buscar entender alguns aspectos. O processo crescente de financeirização da economia faz com que as atividades agrícolas, industriais e de serviços se subordinem à lógica e à dinâmica do setor financeiro. A busca da rentabilidade e do retorno dos investimentos passa a ter a referência da remuneração “mínima” (na verdade, muito alta) oferecida pelo governo para rolagem de seus títulos. Não é à toa que os departamentos financeiros nas empresas ganham importância desproporcional. Muitas delas passam a ter melhores resultados no jogo das finanças do que no seu próprio ramo de atividades.

Assim como na época da inflação crônica e elevada, a sociedade brasileira passa a conviver com taxas de juros também muito altas.A adoção de um modelo de política econômica baseada no rígido regime de metas de inflação, combinado com a política de liberdade cambial, só reforça a tendência à taxa de juros elevada. As autoridades monetárias fazem uma previsão da meta de inflação futura (com base em uma nada transparente pesquisa realizada com os próprios operadores do mercado financeiro) e definem o patamar básico da taxa de juros. O objetivo seria evitar que o nível da atividade econômica pudesse provocar um excesso de demanda superior à oferta, com os tais riscos de retorno da tão temida inflação.

Além disso, o regime de câmbio flutuante e a liberdade total de entrada e saída de capital externo acabam por agravar o quadro da tendência à alta na taxa de juros. Como o financiamento da dívida pública depende bastante dos recursos externos, as nossas autoridades econômicas terminam por elevar o nível de juros para manter atrativa a alternativa para os grandes operadores do mercado financeiro internacional de aplicar seus recursos em títulos no mercado brasileiro.

Para completar a tragédia, o ingresso de tais recursos externos especulativos e de curtíssimo prazo provoca uma valorização artificial da nossa taxa de câmbio, prejudicando as exportações brasileiras e causando uma perigosa deterioração nas contas externas, que já apresenta resultados deficitários preocupantes.As taxas de juros nas principais economias do mundo estão em níveis próximos de zero ou mesmo negativas. É o caso dos EUA, dos países europeus e do Japão, cujas autoridades monetárias baixaram ainda mais as taxas de seus Bancos Centrais para estimular a saída da recessão. E mesmo os países que não foram tão afetados pela crise, como China e Índia, apresentam taxas bem abaixo da brasileira.

Uma das alternativas para escapar dessa verdadeira armadilha montada para manter as taxas juros em níveis tão altos seria o estabelecimento de maior controle na chamada conta de capital. Com isso, o governo estabeleceria critérios e condições para entrada de recursos externos. A primeira medida seria dar tratamento diferenciado para o investimento direto e produtivo, face ao recurso puramente especulativo da esfera financeira. Uma outra medida seria estabelecer regras distintas, de acordo com o tempo definido para a permanência do recurso em nosso País. Assim, o dinheiro especulativo de curto prazo seria submetido a impostos, para reduzir o grau de dependência da ciranda financeira que só prejudica nossa economia. Já os investimentos que pretendem ingressar para a atividade real, comprometendo-se com projetos de médio e longo prazos, não seriam onerados por tal tributação.

(*) É doutor em economia pela Universidade de Paris 10 e integrante da carreira Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, do governo federal In: Correio Caros Amigos.

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