segunda-feira, 7 de junho de 2010

O CENÁRIO DA POLÍTICA INDIGENISTA BRASILEIRA

Marcos Terena é filho do povo indígena Terena da região do Pantanal no Mato Grosso do Sul. Estudou administração de empresas, tornou-se piloto comercial de avião, é servidor da FUNAI, escritor, comunicador indígena, membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, bem como da Cátedra Indígena Internacional. Em entrevista a nosso editoria antropológica nos fala sobre a luta pela autonomia dos povos indígenas no Brasil, assim como a possibilidade de se oferecer um cursos sobre a "interculturalidade indígena" aos magistrados federais para qualificar esses profissionais da Justiça que julgam e determinam o presente e o futuro dos povos indígenas. Enfim, para Marcos Terena, "uma politica indigenista não deve ser feita na base da compensação" e a FUNAI não pode ser como um carro velho que só pega no empurrão. "É preciso que o Governo assuma sua responsabilidade de proteger os direitos humanos dos povos indigenas através de um plano de ação, orçamento e gerenciamento capaz de acompanhar os grandes desafios como os programas de desenvolvimento e os aspectos socioambientais, culturais e de superação inclusive dos preconceitos", confira a entrevista:

NCPAM: Qual o balanço a ser feito da Política indigenista nacional?
Terena: O Brasil ainda não acordou para a realidade indígena que hoje possui 230 povos e 180 línguas vivas, e principalmente não consegue ver os indígenas que vivem no entorno dos centros urbanos e que começam tambem a requererem seus direitos. Por outro lado, apesar de termos inúmeras entidades indígenas, acadêmicos e doutores indígenas, nós não conseguimos assumir cargos estratégicos dentro do Governo Federal, onde geralmente estão pessoas que afirmam conhecer nossas situação e falam por nós. Por isso a política indigenista não existe. Não tem sentido a FUNAI viver aos empurrões como um carro velho, é preciso que o Governo assuma sua responsabilidade de proteger os direitos humanos dos povos indígenas através de um plano de ação, orçamento e gerenciamento capaz de acompanhar os grandes desafios como os programas de desenvolvimento e os aspectos socioambientais, culturais e de superação inclusive dos preconceitos. Falar que isso depende do Estatuto do Índio não é bem a verdade e querer aprovar agora, quando Governo e Congresso estão em fim de mandato é outra heresia.

Quais são os principais obstáculos?
Terena: A questão indígena é tratada pelo sistema de governo como uma questão de segurança nacional, apesar de vivermos num suposto governo de esquerda, progressista, mas, isso nos faz ver que o governo pode mudar, mas o estado não. Assim, as terras indígenas e os recursos naturais e minerais nunca vão pertencer aos indígenas, somente como forma compensatória para evitar a crítica e o desgaste internacional. Neste ano, pensando nisso, vários indígenas vão se lançar como candidatos a Deputado Federal, que é uma forma de se fazer representar no Congresso Nacional e a maior dificuldade é que um indígena vai concorrer com um político tradicional, rico e cheio de compromissos com setores conservadores ou do próprio governo. Talvez fosse hora de os indígenas pensarem numa proposta para os futuros presidenciáveis.

E quanto à autonomia desses povos trata-se de uma realidade ou uma farsa?
Terena:Não se pode pensar em autonomia se não houver uma identidade cultural forte e uma economia forte para qualquer tipo de sociedade. No caso indígena o valor agregado seria a demarcação das terras e um mecanismo de cooperação com o governo federal, tal como ocorre num pais federado. Mas o governo tem medo desse tipo de relação e oferece mecanismos paliativos. Vou dar um exemplo: porque o MEC (Ministério da Educação) ao invés de dar bolsas ou acesso diferenciado em Universidades, não oferece a criação de uma Universidade Autônoma Intercultural. Porque um índio nunca assumiu a presidencia da FUNAI? O que a gente tem visto é a distorção descarada do valor da autonomia e suas perspectivas, mas penso que a consciência indígena do novo século está crescendo e isso vai acontecer e para se dar um exemplo afirmativo, recorro ao Exercito brasileiro na Amazônia onde mais de 50% dos soldados de fronteira são indígenas defendendo o Brasil e seu patrimônio.

O que fazer para garantir os Direitos dos Povos Indígenas no Brasil?
Terena:Uma politica indigenista não deve ser feita na base da compensação, mas sim do respeito a dignidade indígena que no passado morreram para construir o Brasil e abrigar gente de varias origens de todo o planeta. Tratar os indígenas como um obstáculo ao desenvolvimento é outra forma de racismo e ignorância de um sistema educativo cultural dos demais setores do País, por isso acredito que os direitos indígenas já estão garantidos em termos de Lei. Temos uma grande Constituição. Temos duas regras internacionais assinadas pelo Brasil, portanto, valendo. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e a recente Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indigenas. Mas a grande missão dos indígenas no Brasil é educar o sistema judiciário deste o Supremo Tribunal Federal até aquele Juiz do interior. Todos eles deveriam passar por um curso de interculturalidade indígena, sem qualquer desmerecimento pois muitos deles jamais aprenderam a historia do índio no Brasil, mas são eles que definem e decidem a proteção e a aplicação da justiça indígena, bem diferente do tratamento simplista e altamente perigoso que tenta transformar a luta indígena, num caso de violência, abuso de poder e polícia.

Nenhum comentário: