terça-feira, 1 de junho de 2010

CIENTISTA PESQUISAM VIDA SINTETIZADA PARA CONSUMO

Renato Pompeu (*)

Uma bactéria que vale 40 milhões de dólares. Esse foi o custo do trabalho de vinte cientistas americanos, comandados por Craig Venter, durante mais de dez anos, para produzir a partir de substâncias químicas, artificialmente, um cromossomo de 400 genes, semelhantes a uma parte do cromossomo de 500 genes de uma bactéria, e para inserir esse cromossomo no citoplasma de outra bactéria, de espécie ligeiramente diferente e da qual havia sido retirado seu cromossomo original. A bactéria que recebeu o “enxerto” passou a viver e se replicar normalmente, e a produzir proteína.

Isso é um passo significativo rumo à criação de vida artificial, mas ainda não é vida sintética. Para isso seria necessário produzir todo um ser vivo a partir de substâncias químicas, e não apenas um cromossomo.

O próprio Vaticano, o maior inimigo da criação artificial de vida, chegou oficialmente à conclusão de que a sintetização da vida não ocorreu, depois de um momento de dúvida inicial. Não há dúvida, porém, que foi dado um passo significativo e de que se deve concordar não só com o Vaticano como com o presidente Obama: ambos disseram que é preciso regulamentar essas pesquisas, mas a dúvida é se elas não vão ser reguladas pelo mercado, inclusive o mercado clandestino de armas biológicas.

Venter e seus colegas estão trabalhando há décadas num projeto de transformar bactérias em microfábricas capazes de produzir substâncias úteis aos seres humanos. Em 1996, a equipe conseguiu sequenciar o genoma mais simples que existe de um ser vivo autônomo, o cromossomo de “apenas” 600 mil bases da bactéria Mycoplasma genitalium, de 500 genes. No começo de 2003, a equipe anunciou que 100 genes poderiam ser retirados sem prejuízos, com a bactéria mantendo seu fenótipo. Em 2007, novo passo: a equipe demonstrou que era possível transferir o genoma natural de uma bactéria para outra bactéria da qual havia sido retirado o genoma natural original. Em 2008, anunciaram que podiam sintetizar genomas.

Então chegaram a um impasse. A M. genitalium cresce tão lentamente que cada mínimo passo do complexo processo podia durar semanas. Então, repetiram todo o processo, desde o sequenciamento, com a M. mycoides, cujo cromossomo tem um milhão de bases. No ano passado, conseguiram transferir um cromossomo natural de M. mycoides para uma bactéria M. capricolum, bastante semelhante à M. mycoides.

O próximo passo era sintetizar um cromossomo de M. mycoides e inseri-lo numa M. capricolum. Isso foi feito há alguns meses, mas não redundou numa “nova” bactéria. Havia ocorrido algum erro. Os cientistas continuaram fazendo experimentos, até que, pouco mais de um mês atrás, tudo deu certo. Então o mundo recebeu a notícia, a 20 de maio. A técnica é considerada complicada demais para ser usada por bioterroristas – mas cautela e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém, como diziam os antigos.

(*) É jornalista e editor especial da Caros Amigos

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