segunda-feira, 28 de junho de 2010

A SEDUÇÃO DA LOUCURA DE ERASMO DE ROTTERDAM

Em elogiar a loucura, Erasmo de Rotterdam relata de forma irônica a condição humana através dos tempos (*). Ironiza os homens e suas formas de poder traduzindo a loucura não como patologia, mas como atitude filosófica questionadora, que catalisa sinceridade e introspecção tão necessária para levar a vida adiante em confronto com nossos mais absurdos desatinos, rindo de si e dos outros, vítimas da vaidade tão presente nos acontecimentos humanos.

Neste ensaio, o autor, em sua clássica obra Elogia da Loucura mostra-se fazendo uma análise sobre as pessoas, à maneira como cada um se ver e se apresenta diante dos outros, considerando as escalas, concepções, hierarquias sociais, colocando-se em níveis superiores uns dos outros, não reconhecendo as limitações e fragilidades que permeiam a existência. Essa loucura de forma contraditória perpassa pelos comportamentos sociais e se propõe a trazer a sua maneira modos de pensar e de agir para alegrar o cotidiano de todos, quando livres de convenções, status sociais ou algumas vezes através dela vê-se acentuado a sensação de extrema importância e nenhuma humildade.

A Loucura, por sua vez, expulsa a tristeza de nossa alma que segundo ela todos os dias tendem a serem tristes, desagradáveis e aborrecidos quando não animados por ela.

Observando os jovens após tornarem-se adultos, verifica-se que aos poucos eles perdem sua beleza, diminui-se sua vivacidade, desaparece aquela simplicidade, tudo isso em virtude das oriundas lições para vivenciar a maturidade bem como as experiências do mundo na perspectiva da ”sabedoria” adquirida pela idade, fazendo extinguir do homem o vigor natural que muitas vezes só recebe de volta na velhice, com a irreverência, quando o inevitável esquecimento dissipa as mágoas e parece assim recuperar a juventude de outrora, sendo felizes como crianças, libertando-os de todas as aflições vindas da dita sabedoria, a qual faz sentir aversão, que dificilmente a idade adulta suporta, justamente por seguir regras que tanto os escravizam e os fazem seguir como uma cartilha no convívio social.

Segundo Erasmo, o humanista, sem alegria, a vida humana não merecia se quer este nome, mas não se pode esquecer que a felicidade consiste acima de tudo em se querer ser o que é e saiba mais, que a verdadeira prudência não está acima da condição humana. Observando atentamente o homem e sua condição limitada diante das calamidades que está sujeita a vida desde o nascimento até a morte, vêem-se quantos males estão postos a infância, a juventude e a velhice. Sem dúvida nenhuma, a educação poderia nos ajudar a entender com profunda reflexão a infinita série de males que o homem causa a si próprio, quando os poderosos fabricam a pobreza, gerando através dela uma infinidade de outros males como a prisão, a infâmia, a desonra, os tormentos, a inveja, as traições, as injúrias entre outros.

Atitude Filosófica

A Loucura enquanto atitude filosófica questiona o quanto vivemos na verdadeira ignorância, na irreflexão, no esquecimento dos males passados e na esperança de um futuro melhor, para que se diminua o rigor do destino final. A Loucura muitas vezes também se intitula bom senso e faz críticas através dos ensinamentos de Pitágoras, quando afirma que o ser humano não satisfeito de ficar nos limites prefixados pela natureza se esforça para ultrapassá-los, passando a existir em busca da sabedoria para alcançar uma perfeição inatingível, principalmente através das ciências.

Diante disto, aí se vão anos de vigília, aflições, fadiga e mesmo assim não percebem que se tornaram escravos dessa busca e não encontram a felicidade que se esconde em atos e ações tão simples e assim sendo não são vistos pelos olhares que buscam a resposta através da complexidade, esquecendo de praticar ações concretas para com outrem e em prol do coletivo social.

Na obscuridade do Céu

Muitas pessoas após uma vida de pecados recorrem às confissões e ofertas doadas as igrejas e com isto pensam estar perdoados pelo mal cometido ou pelo bem não praticado, crendo neste tipo de ação ou decorando orações a serem recitados todos os dias, esquecendo-se que é preciso odiar o mal mudando de vida e vivenciando o evangelho na prática das orações diárias e da caridade, mas o que se faz muitas vezes é deixar o verdadeiro para correr em busca do falso.

Quando rogamos aos santos queremos a resposta da oração para a necessidade exposta, porém, quantos seguem o exemplo dos santos? Da modéstia, da castidade, na imitação de suas virtudes? A qual seja talvez o único meio de assegurar o céu tão almejado após a morte desses devotos.

Vivemos em sociedade onde convivem governantes e governados, os primeiro tem obrigações com os segundos e espera-se dedicação ao bem público e no que seja melhor para todos através de uma conduta íntegra, pois, sabem que os olhares estão fixos em sua maneira de agir e estes podem causar um grande bem ou males desastrosos, por estar diariamente expostos ao perigo dos prazeres, a impureza, a luxuria, enfim tudo o que o poder material pode proporcionar em forma de corrupção objetiva e subjetiva.

Muitos se deixam seduzir e esquecem suas promessas de realizar um bom governo e tornam-se inimigos do povo que os elegeu, inebriados pelo título juntamente com seus bajuladores, os quais também querem as benesses que o poder proporciona entregando-se aos vícios privatistas contrariando os direitos de todos. Tal governante, por sua vez, esquece do juramento republicano e embriaga no vício da corrupção e da impunidade.

E a Loucura de Cristo

Entretanto, o profeta Jeremias anuncia que: “Todos os homens tornam-se loucos a força da sabedoria a qual só pode ser verdadeiramente atribuída a Deus, deixando aos homens a loucura como predicado”. São Paulo, com a mesma determinação, declara: “Deus escolheu tudo que há de tolo no mundo [...] Deus julgou conveniente salvar o mundo da loucura e assim o fez de certo porque não teria podido fazê-lo com a sabedoria.

Ademais, a humanidade de Cristo ocultou o mistério da salvação aos sábios e revelou-os aos pequenos, assim julgados ignorantes, os quais foram os responsáveis de propagá-lo pelo mundo como redenção dos homens. Portanto, mesmo que a razão institucional nos mostre a vida de maneira pessimista deixemos embriagar pela loucura que explode dos corações dos homens em forma de alegria e felicidade centrada na razão prática do vivido, contanto que a harmonia reine entre todos, mesmo que sejamos diferentes, culturalmente, no curso da nossa história.

(*) Produção de texto de Adalto Menezes, Eleni Soares, Erlando Damião de Oliveira, Fidelis Aguiar, Francineilo Batista, Maria José Rebouças, Priscilla de Paula Lima e Wanda Guimarães de Souza, todos discente do curso de ética e política do SARES/Manaus.

domingo, 27 de junho de 2010

FLIFLORESTA EM MAUÉS


Maués é refinada, orgulhosa e ciente de seu papel histórico. Infelizmente o nosso interior sofre com problemas graves, especialmente pelo modelo de gestão que prioriza a capital.

Márcio Souza
(*)

Mais uma edição do Flifloresta, Festival Literário que está chegando aos municípios amazônicos levando escritores e livros. Desta vez a festa foi em Maués, a capital do guaraná. Passei por Maués muitas vezes a caminho de Alenquer e Belém, com minha família para as festas de final de ano. Mas foi efetivamente em 1975 que visitei a cidade, com o Teatro Experimental do Sesc do Amazonas, quando apresentamos duas peças: "A Maravilhosa História do Sapo Tarô-Bequê", para as crianças, e o "Terrível Ciumento", de Martins Pena, para o público adulto. Pelo menos foi esta a nossa intenção.

O teatro era de um colégio de Freiras (hoje totalmente reformado), tinha um palco italiano, mas não poltronas. O público tinha de trazer, se quisesse assistir sentado o espetáculo. Era semana santa, e assistimos uma "Paixão de Cristo"inusitada. Chegando o nosso dia, as crianças entraram carregando as cadeiras e ocuparam a platéia, acompanhando ruidosamente as aventuras do sapo que quis virar gente. No final, não arredaram o pé e nenhum argumento foi capaz de demovê-las a sair para dar vez ao espetáculo adulto. E a comédia de Martins Pena foi encenada para uma platéia apinhada de crianças e adultos, que riam das peripécias do ciumento caçador de escravas.

A convivência com o pessoal da cidade me deixou uma profunda impressão, especialmente a elegância do pequeno burgo. Esta impressão se confirmou: Maués é a cidade mais elegante do nosso estado. Não tem a pavulagem de Parintins, a frieza de Itacoatiara, a indolência de Tefé e a maluquice de Tabatinga. Ao contrário, Maués é refinada, orgulhosa e ciente de seu papel histórico. Infelizmente o nosso interior sofre com problemas graves, especialmente pelo modelo de gestão que prioriza a capital.

Um dos mais graves é a oferta de energia elétrica. O trabalho porco que a Amazonas Energia oferece na capital, se repete exponencialmente no interior. Nos três dias que passei em Maués a eletricidade fazia rodízio pelo bairros. Apagava aqui, acendia ali, e os contribuintes que tomassem calmante. Sem energia de qualidade não pode haver desenvolvimento econômico e social, vivemos a civilização da energia, mas isto não se pode esperar de uma empresa que tem sua diretoria sediada no Rio de Janeiro, nomeada pelo fisiologismo do PMDB maranhense, e que está pouco ligando para o estado do Amazonas. Quando a diretoria da Amazonas Energia vem ao Amazonas, além do salário ainda fatura as diárias. Ora, a viúva é rica!

Um outro problema grave é a comunicação efetiva, física, que deve ser de responsabilidade dos sistemas de transporte fluvial e aéreo. Mais uma vez se nota a ausência do poder público.

Atualmente não há mais linha regular de avião para Maués, insto tecnicamente, já que a Trip, empresa mineira, se retirou do percurso. No fundo, é uma jogada com as companhias de Táxi Aéreo, que fazem os voos regulares, cobram absurdos só a Anac não enxerga. O Ministério dos Transportes lava as mãos, como faz também com o transporte fluvial, dando as mãos à dissídia da Secretaria Estadual de Transporte. No caso dos barcos, ninguém se responsabiliza e cda um empurra para o colo do outro.

O município de Maués tem uma administração criativa, que pode ser constatada nas ruas bem tratadas, pavimentadas, pelos inúmeros prédios públicos novos, pela Biblioteca Pública em prédio novo e com acervo razoável, muito bem frequentada. Pelo serviço de biblioteca para os bairros da cidade.

Minha missão era fazer uma palestra na abertura do Flifloresta, acabei fazendo um comício em praça pública, para quatro mil pessoas. Embora o tema da leitura e educação seja árido, a praça não se esvaziou como eu temia. Isso quer dizer que o povo quer mais, mais cultura, mais políticas republicanas. A prova foram as perguntas inteligentes que me fizeram.

(*) Escritor renomado, dramaturgo e articulista de A Crítica de Manaus.
Saiba mais consultando as anotaçoes do escritor Zemaria Pinto http://palavradofingidor.blogspot.com/

sábado, 26 de junho de 2010

RECORTE DO FLIFLORESTA EM MAUÉS

A Caravana do Festival de Literatura Internacional da Floresta (Flifloresta) foi presenteada com um belo por do Sol de Maués, que motivou ainda mais seus autores a participarem do Festival. Abertura do Evento se deu às margens do rio Maués-açu, que nesse momento encontra-se em cheia com um belo espelho a refletir a quarela dos reflexos solares. Com essa beleza poética constitutiva deste cenário singular amazônico inicia-se o Flifloresta na capital do gauraná, na terra dos Sateré-Mawé, que o poeta Homero de Miranda Leão cantou em versos sob o título de Mundurucâniae. Outro autor de renomado valor é Nunes Pereira, com sua etnografia Os Índios Maués, obra referenciada nos estudos antropológico da Amazônia indígena. A cidade, segundo Márcio Souza, que desde 1975 não pisava em Maués, tem seus encantos e se destaca pela sua elegância, que é o seu modo de ser.

O Flifloresta relacionou-se com diversos públicos. No Museu do Homem de Maués, a presença notada foi de professores, alunos, religiosos e líderes dos movimentos populares. O Festival começou no dia 22 e encerrou no dia 24, em praça pública, com a festa de aniversário do Município, completando os 177 anos de criação. A logomarca do Flifloresta em Maués agregou a simbologia do guaraná dando uma versão local do Festival, ao mesmo tempo instituiu um troféu de reconhecimento aos promotores da cultura local, sendo contemplados o professor Ademir Ramos e o escritor Zemaria Pinto.

A caravano do Flifloresta chegou a Maués no dia 21 (segunda-feira) e desde já começou o processo de mobilização, participando de entrevistas e debates em rádio. Na Independência participaram do programa de jornalismo do comunicador Frank Costa, quando Márcio Souza, Abrahim Base, Ademir Ramos e Xico Gruber discutirem sobre os temas do Flifloresta convocando seus leitores a participaram dos eventos programados para os dia 22 a 24 inseridos nas comemoração dos 177 anos do município de Maués. Na Rádio A Crítica os escritores também se fizeram presentes fazendo o chamamento aos seus leitores. No interior do Amazonas o rádio continua sendo ainda o grande instrumento de comunicação de massa.

Além das praças e das conferências fechados com alunos, professores e agentes de formação, o Flifloresta juntamente com a Secretária de Cultura do Município deslocaram-se para a periferia da cidade, valendo das bibliocletas para distribuir livros e conversar com os leitores, incentivando cada vez mais a leitura como forma de cidadania. Nesta missão participaram autores, estudantes e os agentes da Secratária que integram o programa de formação de Leitores do município de Maues.

Outro momento de bela manifestação do Flifloresta foi quando o renomado escritor Márcio Souza acabou de proferir sua conferência em praça pública para mais de mil pessoas sob o tema da Leitura e a Arte de Saber e passou a autografar as suas obras para os ávidos leitores de Maués. As obras eram vendidas pelos agentes da Editora Valer a preços promocionais. A grande roda de autógrafo fez desparecer o autor que por mais de duas horas ficou a cumprimentar os leitores, autografando suas obras que já mereceram traduções em mais de dez países do mundo.

O poeta do povo Thiago de Mello, que se encontrava em Barreirinha, deslocou-se para Maués de lancha para participar do Flifloresta, em comemoração aos 177 anos da criação do município, identificado com a cultura do guaraná, a luta dos cabanos e com o povo Sateré-Mawé. Maués é sem dúvida o principal município do Amazonas, a promover um programa de Economia Cultural, que articula cultura, economia e educação numa perspectiva do desenvolvimento humano. O flagrante retrata o momento em que o poeta, de surpresa faz sua visita a biblioteca do Município e se encontra com o secretário de cultura e turismo Xico Gruber, quando juntos passam a conferir o acervo bibliográfico do municpio. Na oportunidade, Thiago de Mello fez uma bela mensagem aos leitores de Maués em louvor a leitura e a cidadania, que ficou lavrado no livro de visita da biblioteca do município. O poeta, no dia 24, quinta-feira, participou em praça púlbica do encerramento do Flifloresta e ao mesmo tempo do aniversário do muncipío, contando com mais de duas mil pessoas sob o ritmo de Celdo Braga. Thiago de Mello escreveu um poema chamado Uma Estrela de Esperança orvalhada de Lembranças para o Natal de Maués. No momento, o poeta doou os direitos autorais do poema para ser investido na formação das crianças especiais, que se encontram na escola sob a responsabilidade da Prefeitura de Maués.

AVALIAÇÃO DO FLIFORESTA DE MAUÉS

O Flifloresta em Maués foi um sucesso!

A qualidade dos debates em alto nível e também o alto nível dos debatedores como o professor Ademir Ramos, Abrahim Baze, Zemaria, Thiago de Mello, Ana Peixoto, Carlos Lodi e Márcio Souza, que abriu o evento em Praça pública e que o silêncio tomou conta da praça centenária João Verçosa, todos os olhos e ouvidos voltados para Márcio Souza.

A população de Maués, teve a oportunidade de viajar pela eloquencia de Márcio Souza, mergulhar na poesia de Thiago e saborear dos conhecimentos de Ademir Ramos, Zemaria, Carlos Lodi e Ana Peixoto que durante o evento, ensinaram e aprenderam com o povo de Maués.

Nós filhos de Maués agradecemos a todos esses "amazônidas sem fronteiras" que deixam a capital e vão ao encontro do povo do interior que clamam por cultura, uma nova forma de inclusão social do homem.

Há agora na história de Maués, dois divisores, antes e depois do Flifloresta. Parabéns ao Xico Gruber, secretário de Cultura que é ousado e acredita na evolução do homem através do conhecimento. É um visionário e nós de Maués nos orgulhamos de termos esse alemão brasileiro que veio de longe e aqui na floresta está construíndo sua história.

Aldemir Bentes, escritor de Maués.

Confira: http://blogdoaldemirdemaus.blogspot.com/

quinta-feira, 24 de junho de 2010

A COPA FAZ BEM?


Gilson Gil (*)

A copa tem suas estranhezas. É preciso ficar alerta, pois toda a propaganda chapa branca fala dos benefícios que virão para nós, amazonenses e brasileiros. A FIFA exige que todos os seus patrocinadores e fornecedores tenham isenção fiscal completa. Além disso, ela fica com cerca de 5% do total dos ingressos, para ela comercializar, especialmente aqueles mais caros. Que lucro nossos governos terão, desse jeito? E os preços dos produtos? Só para fazer um gramado, na África do Sul, de um estádio que nem foi usado para treinos, em Johanesburgo, gastou-se cerca de R$ 250 mil.

O Soccer City, estádio da abertura e final, foi orçado em R$ 200 M, contudo, foi finalizado em mais de R$ 750 M. Será que nossos estádios custarão tanto assim? São Paulo não consegue se arrumar. Tendo o segundo maior estádio do país, o Morumbi, sem falar no Pacaembu, que é público, já dizem que será construída uma nova arena, com verbas de investidores. Por que não investir na arena do Palmeiras, que será uma das mais modernas do Brasil?!

Vários estados estão lançando agora os editais, mesmo o Brasil tendo sido escolhido há 7 anos para ser sede da copa. Por que o Maracanã e o Engenhão serão reformados, já que foram completamente refeitos para o Pan-americano, em 2007? Naquela época, diziam que o Engenhão era o estádio mais moderno do Brasil, feito totalmente segundo os padrões da FIFA. Novas reformas?!

Ainda bem que já parou o discurso dos “patrocinadores privados”. Está certo que a maior parte do dinheiro, se não a totalidade, virá dos cofres públicos. Os investidores virão só na boa, após os governantes roerem o osso. Eles não são bobos. Essa copa será dura, com várias sedes, muitos climas e viagens longas. Os turistas sofrerão, sem falar nas dificuldades do translado para o Brasil e dentro dele. A parte “suja”do serviço – criar infraestrutura, reformar aeroportos e comunicações, por exemplo – será realizada mesmo pelos governantes.

Isto tudo sem falar nas dificuldades de logística. A FIFA, segundo seus estudos, disse que o Brasil deveria ter 8 sedes. A CBF falou em 10. A FIA, após muita discussão, aceitou, embora contrariada. Mais tarde, após mais injunções políticas (que nossos líderes chamam de conquistas) a CBF, por pressão dos governadores e prefeitos, disse que queria 12 sedes.

A FIFA, depois de muito “convencimento” (entenda-se como quiser esta palavra) aceitou, mas alertando que a copa será deficitária. Afinal, qual turista poderá, na quarta, estar em Porto Alegre, no domingo em Manaus e na quinta em Fortaleza? Depois, caso seu time passe para as outras fases, ele terá de ir a Curitiba (que esta’sendo “fritada” por outras capitais), Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro. Pensem nos custos dessas viagens e imaginem qual o perfil do turista que poderá fazer tal itinerário em um mês.

Tudo isto sem falar nas seleções, que sofrerão para fazer esse percurso. Reflitam: peguem a Suécia e vejam: quarta em Porto Alegre, domingo em Manaus e quinta em Salvador. E depois, Fortaleza, Curitiba, Brasília e Rio de Janeiro, por exemplo. Não se esqueçam que estaremos no inverno, com temperaturas, no sul e sudeste, entre 15 e 5 graus Celsius. Enquanto isso, em Manaus, Cuiabá e nordeste, as temperaturas estarão por volta de 35 graus. Turistas e jogadores precisam ficar muito atentos, pois darão uma volta ao mundo em 30 dias, se nossos cartolas e políticos fizerem as tabelas segundo seus interesses.

Enfim, quem vai lucrar com essa copa? Eis a pergunta, eis o que interessa de verdade.

(*) É professor, doutor em sociologia e pesquisador do NCPAM/UFAM.

terça-feira, 22 de junho de 2010

AMAZÔNIA RECLAMA POR SEGURANÇA AMBIENTAL

Ademir Ramos (*)

A nossa Amazônia ocupa mais da metade do território brasileiro, sua configuração define-se pela diversidade dos seus ecossistemas, berçários de valiosa biodiversidade, bem como caracterizada também pelas culturas humanas expressas nas práticas das nações indígenas que secularmente habitam este território circundado por florestas e rios.

Sabe-se, portanto, que a Amazônia não é homogenia e, da mesma forma que as populações indígenas, demais comunidades tradicionais e as sociedades urbanas presentes nesse território definem-se por sua diversidade cultural, esse espaço em construção também se manifesta como expressão dessas culturas titulares de saber e da ciência que imprime nesse lugar marcas por ser estudadas e muito mais ainda compreendidas nesse universo mítico.

O que não quer dizer exótica e muito menos folclórica. Não, a nossa Amazônia é mítica porque segreda em seu interior desconhecidos tesouros que a ciência ocidental desconhece e pouco ou quase nada faz para pesquisar na perspectiva de interpretar e compreender estes fenômenos em respostas as demandas reclamadas pela humanidade.

Ao contrário, mata-se primeiro e depois reclama. É o caso das invasões, queimadas e degradações de rios e florestas promovidos pelos grandes projetos governamentais ou de corporações privadas, que de modo cruel sacrificam vidas em favor de interesses imediatos.

Sob esta lógica, a defesa da Amazônia e a garantia dos Direitos Constitucionais dos povos indígenas representam ameaça a estratégia de dominação expansionista do capital produtivista na Amazônia. Para isso, tanto o poder privado como políticos e governantes oportunistas se organizam para avançar as fronteiras exploratórias destruindo as florestas e poluindo os rios em nome de um processo civilizatório cumulativo que ostenta a riqueza como expressão da rapina dos povos e do meio ambiente.

A estratégia da rapinagem vem ocorrendo na Amazônia tanto no interior das florestas tropicais como nos espaços urbanos das cidades localizadas neste território. Aqui, qualquer projeto aventado é razão de suspeita de corrupção. A impunidade é tamanha que gera nos homens e mulheres nacionais insegurança atroz, o que resulta no imobilismo social e na prática de uma ética utilitarista fundada no individualismo e na cooptação.

O caso exemplar é a pretensa construção do Porto das Lajes, projeto encabeçado pela Log-In Logística Intermodal, empresa controlada pela Vale Mineradora, que de tudo tem feito para empreender tal projeto nas imediações do Encontro das Águas - dos rios Negro com o Solimões.

Aliado com políticos e empresários “laranjas” – testa de ferro - do Amazonas, a Vale tem se valido do político ao jurídico para assegurar seu interesse imediatista de construir o tal mostrengo chamado de Porto das Lajes que fere de morte não só o paisagismo do Encontro das Águas, mas todo o ecossistema que constitui este complexo fenômeno original que a natureza presenteou aos amazonenses para salvaguardar para humanidade inteira. Por isso, não desistimos de gritar pelo reconhecimento desse bem público como nosso Patrimônio Cultural, devendo o Estado brasileiro assegurar esse Direito para a presente e futuras gerações.

O silêncio nesta hora é criminoso, mas, ainda há tempo. Participe, manifeste sua indignação contra o governo do estado do Amazonas, enviando também protestos para o Ministro da Cultura e parlamentares do Amazonas, em favor do Tombamento do Encontro das Águas, como patrimônio do povo brasileiro sob a guarda dos Amazonenses que respeitam à vida em sua totalidade.

(*) É Professor, Antropólogo e coordenador do NCPAM/UFAM.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

MAUÉS FESTEJA O ANIVERSÁRIO COM LITERATURA E ARTE

O Festival Literário Internacional da Floresta (Flifloresta) será realizado nesta semana de 22 a 24 de junho em Maués, a 276 Km de Manaus, capital do Amazonas. A iniciativa é da Prefeitura do Município através de sua Secretaria de Cultura e Turismo que resolveu implementar uma prática da economia criativa, agregando neste território programas de políticas públicas capazes de instituir uma rede criativa, tecendo os meios necessários para se promover a cultura e aeducação como motor de desenvolvimento numa perspectiva sustentável .

Um dos desafios para interiorizar o Flifloresta no Amazonas tem sido a logística de Manaus para os demais municípios do Estado. Nessa situação recorre-se quase sempre ao transporte aéreo que nem todo município tem de forma regular, é o caso de Maués. No entanto, o escritor Márcio Souza, Abrahim Baze, entre outros, resolveram enfrentar o desafio nessa manhã deslocando-se de Manaus para Maués com o propósito de participar efetivamente da realização desta iniciativa da cultura no Amazonas, viajando em aviões de pequeno porte apropriado muito mais para carga do que a passageiros.

O NCPAM, por meio do professor Ademir Ramos, já se encontra em Maués, integrando a equipe de conferencistas do Flifloresta, onde será conferido palestras e debates com escritores como Thiago de Mello, Márcio Souza, Wilson Nogueira e outros renomados autores de nossa literatura, em parceria com os escritores indígenas Sateré-Mawé, que foram um dos primeiros a integrarem a educação escolar indígena brasileira enquanto agentes de políticas públicas. Maués, de forma original celebra os 177 anos do Município promovendo arte e Literatura como prática de políticas públicas, podendo muito bem ser seguida por outros municípios se seus gestores compreenderem a cultura e educação como mola de desenvolvimento humano. A programação do evento pode ser conferida abaixo:

FLIFLORESTA – Festival Literário Internacional da Floresta
Simpósio de Leitura e Formação de Leitores
Maués – Amazonas

Dias: 22, 23 e 24 de Junho de 2010

Realização:

Prefeitura Municipal de Maués
Instituto Nacional Valer de Cultura – INVC
Parceria:

Livraria e Editora Valer
Câmara Amazonense do Livro e Leitura - CALL

FLIFLORESTA – Abertura
Programação

Dia 22 de Junho de 2010 (Terça-feira)
Noite – Praça Cel. João Verçosa

19h30/19h45

Recepção
Cerimônia de abertura
· Composição da mesa:

Representantes: AMALER, Flifloresta, Universidade Estadual do Amazonas, Secretário da Cultura e Prefeito de Maués
· Hino Nacional e de Maués – Coral da Igreja Adventista

20h
· Palavra da Presidente da AMALER – Socorro Ferreira
· Palavra do Coordenador Executivo do FliFloresta – Carlos Lodi
· Palavra do Secretário Municipal de Cultura – Xico Gruber
· Palavra do Prefeito – Miguel Paiva – Belexo

20h30
Palestra de Abertura – A educação escolar na Amazônia e a formação de leitores – Márcio Souza

22/22h30
Apresentação artística – Wladimir/Natan
Apresentação artística - Grupo Tocandira

Simpósio de Leitura e Formação de Leitores
Programação

Dia 23 de Junho de 2010 (Quarta-feira)
Manhã – Museu do Homem de Maués

8/8h15
Recepção – Comissão Organizadora
Apresentação dos Poetas Mirins da APEM

8h30 Palestra 1
Tema: Os índios na Amazônia – dominação e reconhecimento
Mediador: Representante local
Palestrante: Ademir Ramos
Debatedor : Abrahim Baze
Debate com o público

10h0 Intervalo

10h15
Mesa Temática 1
Tema: A internet e a leitura: conexão e virtualidade
Mediador: Representante local
Debatedor 1: Carlos Lodi
Debatedor 2: Zemaria Pinto
Debate com o público

11h45
Encerramento

Programação

Dia 23 de Junho de 2010 (Quarta-feira)
Tarde- Museu do Homem de Maués

13h45
Apresentação artística – Som de viola com Roberto Paiva

14h00
Mesa Temática 2
Tema: A experiência da leitura na construção do ser humano
Mediador: Representante local
Debatedor 1: Wilson Nogueira
Debatedor 2: Ademir Ramos
Debate com o público

15h30
Intervalo

15h45
Recital poético

16h00 Palestra 2
Tema: A leitura na sala de aula – O livro e o prazer de aprender
Mediador: Representante local
Palestrante: Zemaria Pinto
Debatedora: Ana Peixoto
Debate com o público

17h30
Encerramento

Dia 23 de Junho de 2010 (Quarta-feira)
Noite – Museu do Homem de Maués
19h30/19h45
Apresentação artística – Wladimir/Roberto/Natan
Apresentações dos Poetas Vencedores do Concurso

20h0
Lançamento de livros e sessão de autógrafos

Lançamento do livro “A Sementinha Voadora” – Wilson Nogueira
Lançamento dos livros “O Garoto que não quis envelhecer” e “Heróis Esquecidos” – Xico Gruber
Lançamento do livro “Arquitetura do Poder : A vida Gilberto Mestrinho” – Iraildes Caldas
Lançamento do livro “Varal – Sonhos ao sol”- Celdo Braga
Lançamento dos livros “Sapos do meu quintal”, “As frutas do meu quintal” e “Os animais do meu quintal” – Ana Peixoto
Autógrafos com os escritores Ana Peixoto, Wilson Nogueira, Iraildes Caldas, Xico Gruber, Thiago de Mello, Zemaria Pinto, Abrahim Baze, Ademir Ramos, Carlos Lodi, Nelson Castro, Celdo Braga

21h0
Recital poético com Celdo Braga
Dia 24 de Junho de 2010 (Quinta-feira)
Manhã
09h30

14h00
Distribuição gratuita de livros na periferia da cidade
Projeto Bibliocleta – participação de escritores e voluntários – Equipe nas ruas cadastradas.
Encontro de Professores com Thiago de Melo e Zemaria Pinto
No Museu do Homem de Maués
Café Literário

Dia 24 de Junho de 2010 (Quinta-feira)
Noite Praça Cel. João Verçosa
20h30
Performance poético-musical com os poetas Thiago de Mello e Celdo Braga.
Participação do Grupo Imbaúba

21h45
Encerramento
Anúncio dos Homenageados do ano
Palavra do Coordenador Executivo do FliFloresta – Carlos Lodi
Prefeito Miguel Paiva

22h/ 23:00
24h/01h0
Apresentação musical do Grupo Imbaúba
Apresentação de Fofão & Cia
Queima de fogos em comemoração ao aniversário de Maués
Apresentação de Salomão Rossy & Banda

sábado, 19 de junho de 2010

FALSA DICOTOMIA "CONSERVAÇÃO x DESENVOLVIMENTO" EMBASA DISCUSSÃO DO CÓDIGO FLORESTAL

Valéria Nader e Gabriel Brito (*)

A julgar pela opinião dominante dos maiores veículos de comunicação, que por sua vez tendem a reverberar somente as vozes que não são dissonantes de sua visão massacrante, nós, brasileiros, estamos diante de novo impasse: ‘Conservação versus Desenvolvimento’. Não se trata esta da única ‘sinuca de bico’ imposta aos leitores por uma mídia maniqueísta, que prefere as velhas dicotomias, a exemplo da macetada ‘Estado versus Mercado’, a seguir por um caminho de maior reflexão sobre temas polêmicos.

O assunto agora em pauta são as mudanças em discussão no Código Florestal, especialmente no que diz respeito à redefinição das áreas de Reserva Legal e das Áreas de Proteção Permanente (as APPs) e à transferência para os estados do poder de legislar sobre elas, em detrimento da Federação. Uma das opiniões mais divulgadas sobre o assunto vem sendo a do deputado pelo PCdoB Aldo Rebelo. Coincidentemente, uma opinião em absoluta e inegável rota de convergência com os interesses dos ruralistas, poderoso grupo econômico em nossa nação, cujo poder de decisão frente às temáticas agrícolas e ambientais de nosso combalido Congresso tem sido uma evidência há vários anos.

Rebelo vem entoando acalorada argumentação em favor das mudanças no código como única forma de conduzir ao desenvolvimento, ao mesmo tempo em que invoca a existência de uma conspiração internacional contra as mudanças de modo a manter a Amazônia inexplorada e o Brasil atrasado. Uma visão que, na opinião do geógrafo da USP Ariovaldo Umbelino, peca por sua absoluta improcedência, ao tratar a questão ambiental a partir somente da ótica social - como se a natureza não possuísse uma dinâmica própria, que pode conduzir a inomináveis e incontáveis desastres ambientais a partir de um uso inadequado.

Destes desastres, toda a humanidade dá a sua prova. Confira a entrevista a seguir.

Correio da Cidadania: Qual a sua avaliação sobre o atual momento de discussão do Código Florestal Brasileiro, com a participação acalorada do deputado Aldo Rebelo, do PCdoB, entoando forte argumentação em favor das mudanças do código como única forma de conduzir ao desenvolvimento, ao mesmo tempo em que invoca a existência de uma conspiração internacional contra as mudanças de modo a manter a Amazônia inexplorada e o Brasil atrasado?

Ariovaldo Umbelino: Em primeiro lugar, é preciso afirmar que a proposta de mudança do Código Florestal arrasta-se na Câmara dos Depurados há mais de 10 anos, tendo sido objeto de MP, ainda durante o governo FHC, a ampliação da Área de Preservação Permanente e da Área de Reserva Legal. Essas mudanças derivaram de compromissos que o governo brasileiro assumiu internacionalmente com o objetivo de ampliar os instrumentos de controle do processo de destruição dos ecossistemas do país, derivado, sobretudo, da forma agressiva e destruidora a partir da qual os diferentes agentes econômicos, especialmente os do agronegócio, vêem a natureza como fonte única e exclusiva de acúmulo de suas riquezas.

Em segundo lugar, é preciso dizer que havia sido instalado no Congresso, por ação dos representantes da bancada ruralista, uma espécie de terrorismo ecológico em oposição ao desenvolvimentismo econômico. Como se preservar a natureza, adotando técnicas conservacionistas e preservacionistas, atuasse no sentido contrário ao processo de desenvolvimento econômico e social. Isso quando a adoção de tais técnicas visa garantir para as futuras gerações que comporão a sociedade brasileira e mundial o usufruto pleno das condições ambientais que o planeta oferece hoje, diferentemente da continuidade dos processos de destruição implantados na atualidade no Brasil e que levarão à destruição.

Assim, nossa geração legará um meio ambiente sem possibilidade alguma de desenvolvimento de atividades econômicas, como são exemplos as áreas de arenização trazidas pela expansão da produção da soja no RS, aquilo que vem se chamando de áreas de desertificação no sertão da Bahia, as áreas chamadas pela própria bancada ruralista de pastagens degradadas no Centro-Oeste... São todas derivações desses processos insanos de uso da natureza em sua plenitude, que levarão nosso país a uma situação de caos ambiental no futuro.

É necessário ainda dizer que o deputado Aldo Rebelo anda equivocado no ponto de vista de reforçar a oposição que mencionei, de preservação/conservação contra desenvolvimento econômico. Aliás, não é apenas agora que o ilustre parlamentar se equivoca. No episódio que envolveu a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, também julgou que a demarcação iria contra o desenvolvimento econômico, representado pela presença arbitrária de produtores de arroz dentro da área de povos indígenas de Roraima.

Na realidade, a tese que o deputado desenvolve e defende não tem o mínimo de procedência, pois tende a tratar a questão ambiental com uma ótica exclusivamente social, sendo que a natureza possui processos intrínsecos e dinâmicas próprios, que, a partir do uso inadequado por parte da sociedade humana, desencadeiam um conjunto de desastres ambientais. É o que temos visto ocorrer em diferentes porções do território brasileiro, como SC e RJ, entre outras regiões que têm apresentado as conseqüências dessa ocupação sem o mínimo critério preservacionista e conservacionista.

Correio da Cidadania: Em entrevista concedida a este Correio no final de 2009, o senhor avaliava que a possibilidade de transferir aos estados o poder de legislar sobre o tamanho das reservas legais e áreas de preservação – uma das mudanças mais importantes propostas para o Código Florestal – seria absurda, vez que biomas e ecossistemas não reconhecem limites político-administrativos. Ao mesmo tempo, estaria em curso uma investida dos ruralistas, que contam com forte poder político nas unidades da federação. Pensa que tal medida será validada, pelo Congresso ou pelo presidente?

Ariovaldo Umbelino: Este é outro ato de insanidade e desconhecimento da causa sobre a qual se está legislando. Os fenômenos que envolvem a preservação, a conservação e os diferentes biomas do país não obedecem ao critério administrativo.
É a mesma coisa que legislarmos sobre a propriedade privada da terra colocando-a sob a administração de municípios e estados. Seria um caos completo no país. A propriedade privada da terra, os biomas e os ecossistemas nacionais têm de ser administrados a partir de uma ótica nacional, pois são constituintes de processos e dinâmicas que não respondem a limites territoriais entre os diferentes entes que formam a federação brasileira.

Portanto, trata-se de um desconhecimento. Inclusive, penso que o deputado Aldo Rebelo está deixando de lado tudo aquilo que estudou nos bancos escolares, tudo aquilo que leu enquanto militante do PCdoB, estando agora, a seu livre arbítrio, fazendo análises e julgamentos descabidos, sem nenhum procedimento de caráter científico, que normalmente constitui a forma de abordagem política dos comunistas do mundo inteiro.

Correio da Cidadania: Quanto à diminuição das áreas de reserva legal na Amazônia de 80% para 50% e a intenção de incluir as APPs, as Áreas de Proteção Permanente, na reserva legal, o senhor também salientava que são medidas associadas aos interesses dos grandes proprietários. 380 milhões de hectares de terras no país sem documentação implicam em impossibilidade dos proprietários de cumprimento da legislação da terra, quanto mais da legislação ambiental. Como está essa discussão, acredita que será aprovada essa redução?

Ariovaldo Umbelino: Com relação à necessidade de se estabelecer um controle nas APPs e na demarcação de registro cartorial das Reservas Legais, é preciso dizer o seguinte: toda lei, pelo principio jurídico universal, entra em vigor na data da sua publicação. Isso quer dizer que, ao tratar do passado, ela pode ter posturas que reconhecem o que aconteceu até o ato da lei, ou pode impor, por conta dos passivos gerados por uso descabido do meio ambiente, medidas que vão recompor os biomas afetados.
No caso particular, o que temos é uma situação que eu definiria como estapafúrdia, pois, na realidade, o Estado incumbido, do ponto de vista legal, da fiscalização do Código Florestal ora objeto de discussão e alteração não fez, através de seus órgãos competentes, a devida fiscalização. Isso significa que se instaurou no país o desrespeito à legislação existente. E agora é preciso verificar cautelosamente as diferentes situações durante o processo de reformulação.

Falando de modo estritamente jurídico, todos aqueles que não respeitaram a legislação do código desde sua assinatura na década de 60 não apenas cometeram crimes ambientais, como deveriam ir à justiça responder por eles. O que se está fazendo é uma coisa que do ponto de vista do direito, em minha modesta opinião, é um absurdo total.

Está se repetindo a mesma coisa vista na introdução dos transgênicos. Aqueles que introduziram os transgênicos cometeram vários crimes. No entanto, a legislação veio em seu beneficio e eles foram perdoados pelos crimes cometidos, já que antes os transgênicos eram proibidos por lei e foram introduzidos clandestinamente.

Agora é o mesmo com o Código Florestal. De tanto haver transgressão às leis, a transgressão pode vir a ser ‘perdoada’, num claro mau exemplo a toda a sociedade, que vai entender o recado: a lei foi feita, mas não para ser cumprida, pois, em outras palavras, o crime compensa.

Correio da Cidadania: Mas acredita que todas estas medidas serão aprovadas ao final?

Ariovaldo Umbelino: Quando analisamos a composição atual do Congresso, acredito que lá se votará e aprovará qualquer tipo de proposta que passe pelo beneplácito do governo atual. Foi o que aconteceu no ano passado com a MP 458 e no ano anterior com a MP 422. Acredito que estamos prestes a ver mais um ato de insanidade, a ser tomado pelo nosso Congresso Nacional. E a postura deveria ser de mais juízo, fazendo-se o debate da questão, mas sem colocá-la em votação, levando a temática para a campanha eleitoral e, para o novo Congresso, a mudança da legislação. Neste caso, sim, com o beneplácito, ou não, da população brasileira que elegerá seus novos representantes.

Correio da Cidadania: Pelas propostas de mudança, haveria alguma possibilidade de benefício ao pequeno agricultor, segundo defendem os ideólogos da mudança?

Ariovaldo Umbelino: No Brasil sempre foi muito comum os pequenos produtores serem usados como bucha de canhão para que os médios e grandes proprietários atingissem seus objetivos. Sempre foi assim. Foi o que ocorreu na MP 458, quando a regularização dos posseiros da Amazônia era a justificativa para a regularização da área dos grileiros.
É bom esclarecer que os pequenos agricultores, a respeito da regularização de suas posses, já tinham uma legislação que lhes garantia a posse do terreno. Agora, com relação ao cumprimento do Código Florestal, é evidente que seria necessário verificar se o processo de destruição das APPs e o não registro da Reserva Legal, por exemplo, foram um ato deliberado desses agricultores durante o período de vigência da lei. Se foi este o caso, esses agricultores não deveriam ficar impunes, podendo-se pensar em atenuantes, períodos maiores que eles teriam para recompor a vegetação nativa das APPs e fazer a demarcação de recomposição da vegetação nativa, inclusive abrindo a possibilidade de obterem acesso ao apoio científico e tecnológico das universidades federais no processo de recomposição. Podemos discutir atenuantes, mas mesmo o setor que de maneira geral vem sendo penalizado na agricultura brasileira não deveria ser livrado da pena por infração ao Código Florestal.

Já os médios e grandes produtores poderiam ter um prazo muito mais restrito para tal recomposição, já que são capitalistas e se vangloriam de a agricultura brasileira ser a mais rentável do planeta. Portanto, devem agora usar esses recursos financeiros e tecnologia, de que se arrogam para ficar no Brasil, para recompor as vegetações urgentemente. E a eles deveriam ser infligidas não só as penas que a lei determina, como também o rigor e o prazo curto para a recomposição das APPs e Reservas Legais.

É evidente que o país e o INPE (Instituto Nacional de Pesquisa Tecnológica) possuem um vasto arquivo de imagens de satélite, desde a década de 70, que permitiria verificar o momento histórico em que as derrubadas aconteceram. Seria possível saber quem devastou APPs e reservas antes, quando não havia legislação que protegesse essas duas formas de preservação da natureza. É preciso separar o que ocorreu no passado do país, quando não havia lei voltada à conservação da natureza, de tudo o que aconteceu depois da existência da lei.

Nos comentários que leio e entrevistas que vejo de integrantes da bancada ruralista e do próprio Aldo Rebelo, parece que estão confundindo os que praticaram devastação antes da lei com aqueles que o fizeram depois. Estão tentando juntar não criminosos com criminosos, outro absurdo que deveria ser evitado nos debates e ações do Congresso.

Correio da Cidadania: De todo modo, nosso Código Florestal já tem mais de 40 anos. Haveria mudanças ou atualizações pertinentes a serem feitas?

Ariovaldo Umbelino: A alteração da Reserva Legal, por exemplo, foi objeto da MP que deu origem a esse debate no Congresso que até hoje se arrasta. É evidente que nenhuma lei tem efeito retroativo. O que se pode fazer é criar uma série de fatores que permitam recomposição.
Cito como exemplo as APPs. Para aqueles que cometeram a imprudência de devastá-la antes da lei, devem ser dados prazos para a recomposição, compatíveis com suas rendas. Para os pequenos, uma determinada medida; para médios e grandes, outra.

Mas para aqueles que destruíram depois da lei, há dois crimes cometidos. Primeiro, a infração da lei. Depois, o perdão do crime se o Congresso aprovar a mudança.

É preciso uma atitude serena no sentido de que o descumprimento da lei só deseduca a população brasileira, o que tem acontecido no país há muito tempo. Nem sempre as pessoas cumprem as leis e ainda por cima são premiadas. Isso cria na sociedade uma visão profundamente equivocada de que a lei não foi feita para ser cumprida, com todas as conseqüências.

No caso da Amazônia brasileira, antes dessa MP objeto de debate, o Código Florestal previa a demarcação de 50% da área como Reserva Legal. Eram 50%, mas, com a alteração por MP, elevou-se para 80%. Inclusive - eu que estudei os processos de colonização e desenvolvimento da Amazônia brasileira nos governos militares posso lembrar -, havia um prazo para fazer as derrubadas e ocupação econômica da área, senão perdia-se direito aos lotes entregues.

É preciso ter cautela, mas já naquela época nenhum desmatamento era feito acima dos coeficientes do Código Florestal, e tal argumento está sendo utilizado para encobrir o desmatamento acima de 50% da Amazônia brasileira.

Todo cuidado é pouco, pois, propositalmente, a bancada ruralista mistura desmatamentos anteriores e posteriores ao código, no sentido de confundir a população e fazer valer esse argumento esdrúxulo de que conservação da natureza se opõe ao desenvolvimento econômico.

Correio da Cidadania: Ainda que eventualmente viéssemos a ter um Código Florestal elogiável em seu texto, em que medida ele esbarraria na grande lacuna da regularização fundiária do país?

Ariovaldo Umbelino: Eu penso que a legislação ambiental brasileira é bastante positiva e coerente com as legislações do mundo inteiro, com uma diferença: não se podem comparar os biomas e ecossistemas das áreas temperadas com os das áreas tropicais, pois estes são muito mais sensíveis, tendo em vista que as ações da natureza, sobretudo do ponto de vista climatológico, são muito mais destruidoras nas faixas tropicais que nas temperadas.
Inclusive uma parte de toda a umidade que o solo recebe deriva dos degelos de neve etc. Aqui não. Aqui, as chuvas em excesso e em falta destroem. Vivemos em uma área do planeta em que é preciso ter muito cuidado com a natureza, sob o risco de legarmos às gerações futuras processos irreversíveis de destruição ambiental.

É preciso ter em mente esses conceitos básicos que formam o conhecimento da humanidade, trazidos pela ciência e pela tecnologia, permitindo que a análise de congressistas no que se refere à legislação esteja amparada por especialistas.

Voltando de forma direta à pergunta, é preciso dizer que a legislação brasileira é de qualidade, e que nosso problema não é fazer uma legislação melhor ainda, o que seria um ato altamente positivo por parte do Congresso. Mas o problema é que o debate instaura uma oposição entre conservar e preservar a natureza e os processos de destruição que o agronegócio tem trazido ao meio ambiente deste país.

O governo atual, em seu segundo mandato, adotou uma postura completamente absurda e tresloucada por conta do apoio incondicional ao agronegócio do país. E estamos agora assistindo ao mesmo que aconteceu com relação às MPs 422 e 458 e com relação aos 67 milhões hectares de terras do INCRA na Amazônia legal que serão transferidos de forma praticamente gratuita aos grileiros.

Correio da Cidadania: Considera, portanto, sofrível a política ambiental do atual governo? Em que medida a sua condução ajudou a que se confluísse para o atual estado de embate em torno do Código Florestal?

Ariovaldo Umbelino: O governo, em seu segundo mandato, não teve planejamento algum, do ponto de vista nacional, para a área. E é evidente que um governo sem plano faz aquilo que sua base parlamentar solicita, pois ele não tem horizonte, não tem rumo. E essa ausência de rumo se dá simultaneamente ao apoio incondicional ao agronegócio e à bancada ruralista.
Um dos últimos atos do órgão competente do Ministério do Desenvolvimento Agrário foi definir o preço que os grileiros terão de pagar. E vimos o absurdo que se propôs: que eles paguem R$ 2,99 por hectare. Quando li a notícia até pensei que os dirigentes desse setor do MDA tinham se equivocado. Talvez estivessem pensando naquela forma de comércio de produtos importados sem nenhuma utilidade vendidos a R$ 1,99. Achei que era nisso que eles pensavam quando anunciaram os preços das terras do INCRA na Amazônia legal.

Mas depois vi que era outra coisa! Ou seja, mais uma vez o crime compensa. É melhor cometer o crime, pois depois virá o perdão. E junto do perdão, os preços baixos e insignificantes que o governo impõe ao patrimônio público para que seja repassado a esses criminosos grileiros de terra. A mesma atitude está sendo tomada com o Código Florestal.

A saída da ministra Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente já teve esse componente. É bom lembrar que, depois da sua saída, o desmatamento aumentou e o descumprimento da legislação ambiental continuou. E o que o governo fez foi alterar o decreto que previa o cumprimento do Código Florestal. O governo atual baixou um decreto que adiava as multas que o IBAMA já estava aplicando àqueles que cometeram crimes contra a legislação ambiental.

O governo atual já mostra, com exemplos cabais, desrespeito à legislação existente, o que obviamente abre caminho político para que a alteração da legislação se faça dentro daquilo que deseja a bancada ruralista.

Toda essa composição faz com que, no Brasil, o governo não apenas legisle perdoando os crimes contra as leis, como ainda não apóie a defesa de legislação que proteja a natureza e permita legarmos às gerações futuras um meio ambiente do qual possam se orgulhar de herdar.

(*) Gabriel Brito é jornalista; Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania

NO RITMO DA COPA: O BRASIL É CAMPEÃO DO MUNDO DAS TAXAS DE JUROS


Paulo Kliass (*)

Pois é, mesmo que a seleção dirigida por Dunga não consiga trazer a estrelinha do hexa lá da África do Sul, o fato é que o Brasil continua a ostentar a posição de campeão mundial....da taxa de juros!

A reunião do Conselho de Política Monetária (COPOM), no dia 09 de junho passado, elevou ainda mais a taxa SELIC do Banco Central, de 9,5% para 10,25% ao ano. Com tal decisão, o governo se obriga pagar a mais um valor próximo a R$ 12 bilhões em um ano, correspondente a esse acréscimo de 0,75% na taxa básica de juros da nossa economia.

A título de comparação, o total da receita aplicada pelo Programa Bolsa Família, ao longo de 2009, foi de um valor aproximado a esse.A dívida pública federal superou a marca dos R$1,6 trilhão, valor até muito difícil de imaginar. Com a nova remuneração oferecida ao sistema financeiro para a rolagem dessa dívida, as despesas da União, com juros ao longo dos próximos 12 meses, serão da ordem de R$ 160 bilhões.Há muitos anos que o Brasil vem mantendo tal “pole position”. Em alguns meses isolados, ao longo de mais de uma década, ocorreu de ter sido subitamente ultrapassado por outros países, como a Turquia. Mas nada que comprometesse sua liderança definitiva.

Existem vários fatores que podem ser utilizados para explicar mais essa jabuticaba tupiniquim. A questão é bastante complexa para ser esgotada em um espaço reduzido como esse. Mas vamos buscar entender alguns aspectos. O processo crescente de financeirização da economia faz com que as atividades agrícolas, industriais e de serviços se subordinem à lógica e à dinâmica do setor financeiro. A busca da rentabilidade e do retorno dos investimentos passa a ter a referência da remuneração “mínima” (na verdade, muito alta) oferecida pelo governo para rolagem de seus títulos. Não é à toa que os departamentos financeiros nas empresas ganham importância desproporcional. Muitas delas passam a ter melhores resultados no jogo das finanças do que no seu próprio ramo de atividades.

Assim como na época da inflação crônica e elevada, a sociedade brasileira passa a conviver com taxas de juros também muito altas.A adoção de um modelo de política econômica baseada no rígido regime de metas de inflação, combinado com a política de liberdade cambial, só reforça a tendência à taxa de juros elevada. As autoridades monetárias fazem uma previsão da meta de inflação futura (com base em uma nada transparente pesquisa realizada com os próprios operadores do mercado financeiro) e definem o patamar básico da taxa de juros. O objetivo seria evitar que o nível da atividade econômica pudesse provocar um excesso de demanda superior à oferta, com os tais riscos de retorno da tão temida inflação.

Além disso, o regime de câmbio flutuante e a liberdade total de entrada e saída de capital externo acabam por agravar o quadro da tendência à alta na taxa de juros. Como o financiamento da dívida pública depende bastante dos recursos externos, as nossas autoridades econômicas terminam por elevar o nível de juros para manter atrativa a alternativa para os grandes operadores do mercado financeiro internacional de aplicar seus recursos em títulos no mercado brasileiro.

Para completar a tragédia, o ingresso de tais recursos externos especulativos e de curtíssimo prazo provoca uma valorização artificial da nossa taxa de câmbio, prejudicando as exportações brasileiras e causando uma perigosa deterioração nas contas externas, que já apresenta resultados deficitários preocupantes.As taxas de juros nas principais economias do mundo estão em níveis próximos de zero ou mesmo negativas. É o caso dos EUA, dos países europeus e do Japão, cujas autoridades monetárias baixaram ainda mais as taxas de seus Bancos Centrais para estimular a saída da recessão. E mesmo os países que não foram tão afetados pela crise, como China e Índia, apresentam taxas bem abaixo da brasileira.

Uma das alternativas para escapar dessa verdadeira armadilha montada para manter as taxas juros em níveis tão altos seria o estabelecimento de maior controle na chamada conta de capital. Com isso, o governo estabeleceria critérios e condições para entrada de recursos externos. A primeira medida seria dar tratamento diferenciado para o investimento direto e produtivo, face ao recurso puramente especulativo da esfera financeira. Uma outra medida seria estabelecer regras distintas, de acordo com o tempo definido para a permanência do recurso em nosso País. Assim, o dinheiro especulativo de curto prazo seria submetido a impostos, para reduzir o grau de dependência da ciranda financeira que só prejudica nossa economia. Já os investimentos que pretendem ingressar para a atividade real, comprometendo-se com projetos de médio e longo prazos, não seriam onerados por tal tributação.

(*) É doutor em economia pela Universidade de Paris 10 e integrante da carreira Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, do governo federal In: Correio Caros Amigos.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

MORRE JOSÉ SARAMAGO

Morreu, nesta sexta-feira (18), o escritor e Prêmio Nobel de Literatura José Saramago. Aos 87 anos, o escritor apresentava há mais de um ano complicações de saúde, com pneumonias frequentes, mas seu estado era considerado estável. Saramago estava em sua casa em Lanzarote, nas Ilhas Canárias.

Ainda não há informações precisas sobre cerimônias fúnebres e sepultamento.

Nobel da Literatura, um dos maiores nomes da literatura contemporânea mundial, o escritor português escreveu, entre outras obras, o livro "Ensaio sobre a cegueira", que lhe rendeu o Nobel de Literatura. Também ganhou o Prêmio Camões, a mais importante honraria literária da língua portuguesa.

Saramago foi conhecido por utilizar frases e períodos compridos, usando a pontuação de uma maneira não convencional. Os diálogos das personagens são inseridos nos próprios parágrafos que os antecedem, de forma que não existem travessões nos seus livros: este tipo de marcação das falas propicia uma forte sensação de fluxo de consciência, a ponto do leitor chegar a pensar se um certo diálogo foi real ou apenas um pensamento.

Nasceu na aldeia de Azinhaga no dia 16 de Novembro de 1922, embora seu registro oficial mencione o dia 18. Publicou o seu primeiro livro, o romance "Terra do Pecado", em 1947, voltando a publicar apenas em 1966.

Entre os livros de maior destaque estão o "Memorial do Convento" e o "Evangelho Segundo Jesus Cristo".

Trabalhou durante doze anos numa editora, na qual exerceu funções de direção de Redação e de produção. Colaborou como crítico literário na Revista Seara Nova.

Em 1972 e 1973, fez parte da redação do jornal Diário de Lisboa, no qual foi colunista político e coordenou o suplemento cultural. Pertenceu à primeira Direção da Associação Portuguesa de Escritores. Entre Abril e Novembro de 1975, foi diretor-adjunto do Diário de Notícias. Desde 1976, vivia exclusivamente do seu trabalho literário.

Fonte:http://portalimprensa.uol.com.br/portal/ultimas_noticias/2010/06/18/imprensa36383.shtml

SÃO PAULO É A LOCOMOTIVA DO PSDB


Maria Inês Nassif (*)

Ao longo das últimas eleições, o PSDB tem se tornado uma ilha cercada de São Paulo por todos os lados. Desde que perdeu as eleições presidenciais de 2002, o partido de José Serra iniciou uma queda ininterrupta na sua bancada federal, que tem sido atenuada pelo desempenho eleitoral no mais rico – e mais denso eleitoralmente – Estado da Federação. São Paulo é a sua âncora eleitoral possivelmente porque é o único Estado onde se criou uma ligação propriamente orgânica do partido com o eleitorado.

A parcela do eleitorado paulista que vota no PSDB está escolhendo um projeto político e ideológico identificado com o partido. Nos demais Estados, essa identificação é mais fluida. Em 1998, quando era poder, tinha um candidato à reeleição, o presidente Fernando Henrique Cardoso, e uma sólida base de apoio, o PSDB paulista fez 15 deputados federais com os cerca de 20% dos votos obtidos no Estado. Em 2002, sob o baque da derrota de Serra, elegeu apenas 11, com 17,8% dos votos. Em 2006, São Paulo se descolou da tendência nacional pró-PT, na disputa pela Presidência, e fez Serra governador já no primeiro turno, uma bancada de 18 deputados federais eleita com 21,1% dos votos do Estado para a Câmara e ainda deu 54,2% ao então candidato tucano à Presidência, Geraldo Alckmin.

A tendência do PSDB nos demais Estados, no entanto, é a de perder espaço e bancada federal quando disputa na condição de oposição ao governo federal. No Sudeste, elegeu 43 deputados, em 1998; viu esse número cair, em 2002, para 26, ano que o PSDB perdeu o governo federal; em 2002, esse número subiu para 29, mas graças a São Paulo. Em Minas, obteve 17,5% dos votos para a Câmara em 1994, atingiu 24,4% nas eleições seguintes e caiu para 14,8% em 2002, índice rigorosamente mantido em 2006.

O PSDB perdeu bancada federal no Rio desde 1998 – naquele ano, elegeu 11 deputados, em 2002 fez apenas 5 e, em 2006, 3 deputados. Saiu de 13,6% do eleitorado fluminense, em 1998, para 7,2%, em 2006. No Espírito Santo, os 24,7% que obteve para a Câmara, em 1998, foram reduzidos para 12,3% em 2006.

Na Região Sul, houve um discretíssimo aumento de bancada, de 6 para 7 deputados, em função da vitória para o governo do Rio Grande do Sul. A façanha não deve se repetir em 2010, após o desastroso governo de Yeda Crusius. Ainda assim, com governadora eleita e tudo, o PSDB saiu de uma posição de 6,1% dos votos gaúchos para a Câmara, em 2002, para 8,4%, em 2006 – uma participação muito discreta na bancada federal gaúcha. Em Santa Catarina, teve também pequeno aumento de votação para deputado federal: saiu de 8,7% dos votos, em 98, para 9,5%, em 2006. No Paraná, registra quedas pequenas, porém constantes, desde 1998: saiu de 15,6% naquele ano para 14,2% em 2002 e 13,3% em 2006.

Nas demais regiões, a bancada tucana decaiu, de 1998 para cá: na Região Norte, os oito deputados 1998 viraram 6, em 2006; no Nordeste, o PSDB viu sua bancada de 1998, de 34 deputados, despencar para 19, em 2006; e no Centro-Oeste, os oito deputados que tinha em 1998 são agora 6.

A análise da votação do PSDB para a Câmara dos Deputados, nas últimas quatro eleições, mostra que, exceto por São Paulo, ter a Presidência é fundamental para que as sessões estaduais mantenham ou aumentem suas bancadas federais, mesmo nos Estados em que o partido dispõe de importantes quadros ideológicos.

No Amazonas, por exemplo, Estado do líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio, o Estado saiu de uma votação de 12,9% dos votos, em 1998, para 1% em 2002, e 0,7% em 2006.

No Ceará de seu ex-presidente Tasso Jereissati, o PSDB chegou a ter 46,8% dos votos em 1998, baixou para 43,1% em 1998; caiu ainda mais em 2002, para 31,5% dos votos, e em 2006 teve 21,1% dos votos. É certo que, nesse último caso, a votação cearense do PSDB foi esvaziada pela eleição de Ciro Gomes (PSB) para a Câmara, com mais de 16% dos votos. Mas é certo, também, que a perda de influência do PSDB no Nordeste também sofreu o impacto da saída de Ciro do PSDB do Ceará, em 1996, e da consolidação da influência de Eduardo Campos (PSB) em Pernambuco – hoje os dois são do partido socialista. Em 1998, eram cearenses 12 dos 34 deputados que os tucanos tinham no Nordeste; em 2002, partido elegeu apenas oito deputados no Ceará, de um total de uma bancada de 23 eleitos na Região Nordeste. Em 2006, foram eleitos apenas 4 deputados do PSDB cearense. Em compensação, o PSB, partido que abrigou Ciro Gomes nas eleições de 2006, saiu de 2,3% dos votos cearenses, em 2002, para 21,1% nas eleições passadas.

Em Pernambuco, Estado do presidente do PSDB, Sérgio Guerra, o partido não consegue expressão. Em 2002, ano em que conseguiu sua maior bancada no Estado, o partido teve 14,7% dos votos à Câmara. Quatro anos depois, estava reduzido a 6,1% dos votos para a Câmara.

PSDB paulista sustenta votação do partido para a Câmara, os números mostram que, à exceção de São Paulo, o PSDB acompanha a lógica dos partidos tradicionais: o eleitorado não se identifica com a legenda, mas a escolhe porque é governista. Estar associado, ou não, a um orçamento ou a uma máquina administrativa conta muito para fazer uma maior ou menor bancada, à semelhança do que ocorre com o seu parceiro, o DEM, ou com o hoje maior partido do país, o PMDB. Este, aliás, apenas conseguiu reverter uma tendência de queda que se iniciou quando deixou de ser governista – entre o último mandato de FHC (PSDB) e o segundo de Lula (PT) – na hora em que compôs com o governo petista. Ser governo é tão útil ao PMDB quanto o PMDB é útil na base aliada de qualquer governo.

No quadro partidário iniciado em 1979, com o fim do bipartidarismo imposto pela ditadura, dos grandes partidos, apenas o PT mantém um aumento constante de bancada, independente de ser ou não governo. O partido sofreu o impacto do escândalo do Mensalão, em 2006, quando recuou dos 18,4% de votos, obtidos em 2002, para 15%, mas ironicamente essa queda ocorreu na única eleição em que disputou na condição de partido governista. Enquanto foi oposição, teve aumento constante de bancada. O PSB também tem crescido de forma constante, mas regionalmente, carregado por suas votações no Norte e no Nordeste.

(*) É repórter especial de Política do Valor Econômico.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

ATUAÇÃO DA FIFA NA COPA DO MUNDO


Por estarmos em plena Copa do Mundo, nada mais pertinente do que analisar a atuação da FIFA nos países onde realizam esta competição, particularmente, na África do Sul e no Brasil em 2014.

A Federação Internacional de Futebol Associado foi fundada no dia 21 de maio de 190, com sede em Zurique, na Suíça, possui como membros em torno de 208 federações nacionais – o seu lema é “Pelo jogo. Pelo mundo”. Além da Copa do Mundo, ela coordena a Copa do Mundo de Clubes, Copa de Confederações, Copa do Mundo de Futebol Feminino, Mundial Sub-20, Mundial Sub-17, Copa do Mundo de Futsal e Copa do Mundo de Futebol de Areia. Alguns falam que a FIFA é o FMI do futebol – para termos uma ideia, ela está no centro de um mercado que movimenta anualmente a cifra de 250 bilhões de dólares. Somente com a Copa da África do Sul, ganhou 3,8 bilhões de dólares.

Segundo a Revista Piauí 44 - maio 10 “Um país que queira sediar a Copa do Mundo tem que aceitar todas as exigências listadas no chamado “Cadernos de Encargos” da FIFA. Se necessário, a legislação nacional é modificada. Obriga o anfitrião a conceder vistos de trabalho ao pessoal estrangeiro, dar isenções alfandegárias para todo o material relacionado ao evento, garantir livre transferência de divisas e bancar a infraestrutura necessária para transporte e telecomunicações. Exige que o país sede assine um termo reconhecendo o direito exclusivo da entidade para a exploração comercial dos jogos, o que inclui publicidade, marketing, licenciamento, direitos de transmissão e até o controle das vizinhanças dos estádios.

A FIFA tem soberania no raio de um quilometro em volta do local dos jogos. Se um restaurante quiser exibir os jogos da Copa em televisões ou telões, terá que pagar direitos autorais à emissora que os transmite, a qual destina uma parte deles à FIFA, pagará também uma licença para a venda de bebidas alcoólicas – até um camelô que mencione a expressão “Copa do Mundo” na hora de vender os seus cacarecos corre o risco de ser preso pela polícia”.

Segundo a mesma revista, o governo da África do Sul argumentava que os jogos trariam crescimento econômico e orgulho nacional, deixando para trás séculos de conflitos e pobreza - em seis anos, foram construídos cinco estádios, com gastos superiores a seis bilhões de dólares, com o final da Copa em Julho, 150 mil operários estarão desempregados, pois os empregos são temporários, a cerveja à venda nos estádios não é sul-africana e muito menos os produtos licenciados, que são todos importados da China, de empresas que usam o trabalho escravo e de crianças.

A FIFA nunca perde dinheiro, mesmo que o evento seja um fracasso – neste ano, ela distribuirá 420 milhões de dólares em prêmios e ajudará aos 32 times do mundial; a seleção campeã ganhará 30 milhões e a vice, 24 milhões.

No Brasil, os investimentos serão astronômicos, a FIFA está preocupada com os prazos para construção e reformas de estádios e aeroportos. Para refletir: nos Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro, foram gastos 3,7 bilhões, deixando como herança dois elefantes brancos, o Velódromo da Barra e o Parque Aquático Maria Lenk, somente ganharam os espertalhões de sempre: políticos, atravessadores e empreiteiros. E no Amazonas como um dos Estados sede da Copa de 2014 a corrupção promete descambar imediatamente.

Fonte: http://jmartinsrocha.blogspot.com/2010/06/atuacao-da-fica-nas-copas-do-mundo.html

A PAIXÃO DO FUTEBOL E O MERCADO DA BOLA

Não somos daquele que torcemos pelo “quanto pior melhor” – a chamada política da terra caída. Contudo, é necessário muito ânimo para devotar a seleção tamanho brilho quando o resultado é pífio, mostrando que a seleção do Dunga deixa a desejar quando comparada com outras de tradição vitoriosa no cenário das copas, considerando o valor que o povo brasileiro tem pela paixão do futebol.

Em nossa cultura o futebol é uma dessas práticas que se multiplicam à revelia do Estado. Faça sol ou chuva, o jogo se realiza sob o controle dos populares, que muitas vezes nem sabem da grandeza de sua força na conjuntura política local. No entanto, organizam seu time e mobilizam os meios necessários para bancar os campeonatos sem comprometimento político com os movimentos sociais e outras formas de participação nas estruturas da sociedade civil organizada.

Brincar de futebol no Brasil faz parte da inserção dos jovens nos grupos espontâneos, que assimilam regras e formas desconectadas de sua formação intelectual e muito menos da luta pelo Direito cidadão. Dessa forma, a brincadeira continua sendo promovida sem participação da Escola e muito menos como manifestação de políticas públicas.

O resultado pode ser conferido no grau de escolaridade dos jogadores, que quando muito terminaram o primeiro grau. Este desencontro entre habilidade dos jogadores e sua competência intelectual denuncia o descaso do governo em relação aos cuidados que bem merece o futebol no Brasil como instrumento de inclusão social e formador da cidadania.

Pelo descaso verde amarelo, os grandes clubes, por sua vez, de forma privatista tentam organizar escolinhas de base para descobrir talentos e lançar no mercado do futebol jovens jogadores como verdadeira moeda de troca, gerando lucro aos seus “benfeitores”, que são os cartolas que se apropriam desses jovens, negociando no mercado internacional não só seus passes, mas praticamente toda sua vida profissional.

Despolitizados e com pouca escolaridade, jovens brasileiros tornam-se reféns de clubes, cartolas e agentes que mobilizam meios dos mais diversos para dar visibilidades aos seus protegidos. Tal procedimento ocorre também com as marcas que patrocinam os clubes. Estas corporações empresariais impõem toda forma de controle sobre os jogadores, os clubes e até mesmo a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) que circula no âmbito da Federação Internacional (FIFA).

Quanto à legislação pertinente reclama-se da falta de consistência visando à proteção dos direitos fundamentais dos jogadores e definindo com clareza as funções dos clubes e da CBF no campo das relações dos interesses privado e público.

A seleção do Dunga é produto dessa relação mercantil com pouquíssima representação de brasilidade. No entanto, no contexto nacional e da legitimidade, a CBF se apropria da paixão do futebol como se fosse seu investimento e dessa forma toma para si o que é um bem público, ofuscando o valor de futebol e seu processo representativo de identidade nacional.

Assim sendo, a seleção não é do Brasil é da CBF e seus patrocinadores, mobilizando interesses privados no mercado da indústria do entretenimento, identificando suas relações com outras determinações formais com submundo do crime aliado com a política enquanto instrumento de dominação. Pela grandeza do tema e sua importância popular a matéria deveria merecer toda atenção tanto do Legislativo como do Executivo numa perspectiva de políticas públicas e controle social.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

EPISTEMOLOGIA AMBIENTAL


Isabel Cristina Moura Carvalho (*)

Epistemologia Ambiental, Enrique Leff. São Paulo: Cortez Editora, 2001, 240 p."O ambiente não é a ecologia, mas a complexidade do mundo". Com esta afirmação, Enrique Leff introduz o livro e convida a desvendar os caminhos de uma instigante reflexão sobre o fenômeno ambiental, deslocando-o das ciências naturais, um lugar tantas vezes reforçado pelas visões biologizantes que preponderam neste campo. Ao desnaturalizar a compreensão do ambiental, abre-se para o leitor uma aventura epistemológica cujo ponto de partida não é apreender o objeto do conhecimento em sua totalidade, mas aprender a aprender um novo saber sobre o ambiente. Assim, em sintonia com uma hermenêutica ambiental, esta reflexão desinstala o conhecimento do seu porto seguro, tal como prometido por uma razão objetivadora. A Epistemologia Ambiental, aqui apresentada, parte do questionamento da pretensão logocêntrica e demonstra a fragilidade da ciência moderna diante dos desafios postos pela crise ambiental e a complexidade do mundo.

Este percurso reflexivo traz a densidade da experiência de vida e da produção teórica do autor, que vem refletindo sobre a questão ambiental desde os anos 70, com vários títulos publicados em língua espanhola que já se tornaram referência no debate internacional. Felizmente, com a publicação de "Epistemologia Ambiental", assim como de "Ecologia, Capital e Cultura" (EDIFURB: 2000) e "Saber Ambiental" (Vozes: 2001, no prelo) , seu trabalho se tornou mais acessível também em língua portuguesa. Professor da Universidade Autônoma do México e coordenador da Rede de Formação Ambiental do PNUMA, Leff vem atuando e refletindo sobre o campo ambiental desde um lugar privilegiado de um pensador, ele mesmo forjado no entrecruzamento de múltiplos saberes.

Nos cinco capítulos em que se organiza o livro pode-se acompanhar, através de uma cuidadosa articulação filosófica, o debate entre as ciências sociais e naturais estruturado na forma de um amplo diálogo com as principais matrizes do pensamento contemporâneo. Desta forma são interpelados, à luz da questão ambiental, o pensamento francês nas vertentes do racionalismo crítico (Bachelard, Caguilhen), do estruturalismo de Althusser e da filosofia epistêmica de Foucault, e a compreensão sociológica baseada na economia política de Marx e no conceito de racionalidade em Max Weber. Finalmente, o logos científico, com sua ambição totalizadora, é confrontado com a complexidade ambiental desde uma perspectiva que incorpora a noção de inconsciente, advinda da psicanálise.

Destacam-se, ao longo desta leitura, uma diversidade de interpretações sobre a questão ambiental onde tanto o sujeito que quer saber quanto o objeto sobre o qual se quer saber estão lado a lado, num jogo autopoiético de mútua interação e determinação. Em outras palavras, a via hermenêutica aqui escolhida e, consequentemente, a ruptura da dicotomia sujeito-objeto em que essa implica, torna esta reflexão um empreendimento que reposiciona não apenas o ambiente enquanto alteridade, mas sobretudo o sujeito que o conhece e seu modo de conhecer. Assim, ao problematizar a epistemologia do fenômeno ambiental, estão em causa tanto o ambiente quanto o sujeito cognoscente. Desta forma, poderia-se alertar o leitor para que, ao longo desta inquietante leitura, será ele o objeto, desafiado face aos riscos e às incertezas das possíveis reconstruções de um mundo expandido pela complexidade. No entanto, o alerta seria provavelmente inútil, uma vez que, ao saber disto o leitor provavelmente já terá sido lançado ao sabor e aos riscos de uma jornada onde o sujeito e o mundo jamais voltam a ser os mesmos.

Neste itinerário que passa pelas principais rupturas epistemológicas do pensamento contemporâneo, delineia-se uma epistemologia ambiental da qual desdobram-se um saber e uma racionalidade ambiental. Mais do que um corpo acabado de conhecimentos, o saber ambiental é aqui sobretudo uma postura epistemológica que não cede diante da complexidade do mundo, evitando a armadilha reducionista de uma ciência em busca da unidade do saber. Sustenta, assim, a renúncia ao desejo de retotalizar seu objeto. O saber ambiental não é, portanto, um suposto saber tudo sobre o ambiente. Ao contrário, incorpora o desconhecimento como parte constitutiva do projeto de conhecer a vida do mundo desde o mundo de vida dos sujeitos. Neste sentido, a noção de "ambiente" é ela própria emblemática deste reposicionamento da relação sujeito-objeto. Ao mesmo tempo em que o ambiente alude ao horizonte onde se situa o sujeito, ao ser tematizado torna-se objeto do conhecimento deste mesmo sujeito.

Neste círculo compreensivo da hermenêutica ambiental, é precisamente o trânsito - entre sujeito e objeto, universal e particular, subjetividade e objetividade, sociedade e natureza - que instaura a abertura do conhecimento. Neste caminho deliberadamente errante, o pensamento recusa-se às tentativas simplificadoras de resolução das aporias pela sua anulação e, como saída para os dilemas da compreensão do mundo, sugere a viagem sem destino traçado daquele que se dispõe a enfrentar os riscos e as surpresas do encontro com a alteridade e a complexidade.

Retomando os conceitos da fenomenologia e da psicanálise evocados por Leff em sua argumentação, poderíamos dizer que é justamente a abertura em ser bem como o reconhecimento da falta em ser, o que diferencia o projeto desta epistemologia ambiental de uma ecologização das ciências, isto é, da internalização de uma dimensão ambiental nas diversas áreas do conhecimento. Do mesmo modo, a epistemologia ambiental não está subsumida na construção do espaço interdisciplinar através da identificação dos nexos possíveis entre as disciplinas científicas. A proposta aqui construída aponta, sobretudo, para um novo espaço social e epistêmico formado pelo encontro de saberes. Ao redesenhar as margens pré-definidas da ciência enquanto único campo de validação do conhecimento, outros saberes, experiências e atores sociais (populações tradicionais, movimentos e grupos sociais) são reconhecidos como interlocutores na construção de uma racionalidade ambiental.

O acolhimento da alteridade, a valorização da diferença e o respeito à diversidade performam o horizonte ético-político da epistemologia ambiental. Contraponto da razão hegemônica e filha da crise civilizatória, esta nova racionalidade tem conseqüências políticas evidentes. Para dentro do campo ambiental, esta postura não corrobora com uma visão orientada para o consenso e para diluição dos conflitos socio-ambientais, articulada pelo discurso de um futuro comum. Para além do campo ambiental,esta postura está em consonância com um projeto social alternativo que anseia por uma "revolução epistemológica" ou, ainda, poderíamos dizer uma "reconstrução do mundo". Contra um cenário anti-utópico e desagregador dos laços societários, a epistemologia ambiental aposta em uma nova utopia societária e epistêmica, capaz de ressemantizar os sentidos do viver e do agir político.

(*)É Psicóloga, doutora em educação pela UFRGS.

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-753X2001000800009&script=sci_arttext

RACIONALIDADE AMBIENTAL COM ENRIQUE LEFF, EM MANAUS

O 1º Seminário Internacional de Meio Ambiente e Sustentabilidade inicia programação com conferência Rumo a Racionalidade Ambiental de Enrique Leff, que é mexicano, doutor em Economia do Desenvolvimento pela Sorbonne (1975), é professor de Ecologia Política e Políticas Ambientais na Pós-Graduação da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e, desde 1986, coordenador da Rede de Formação Ambiental para a América Latina e Caribe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). No Brasil,Leff é conhecido como professor do Curso de Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná.

A conferência acontece na terça-feira, dia 15, às 18h, no auditório Eulálio Chaves. O evento faz parte da programação da 1ª Mostra e Intercâmbio de Experiências em Educação Ambiental da Amazônia, que ocorre concomitantemente ao seminário realizado pelo Centro de Ciências do Ambiente (CCA/Ufam).

A programação segue no dia 16 com a conferência “A Educação Ambiental Frente aos Desafios Contemporâneos”, ministrada por Marcus Reigota. O autor é o mais citado em educação ambiental no país, pós-doutor pela Universidade de Genebra e membro honorário da Academia Nacional de Educação Ambiental do México.

O seminário e a mostra têm continuidade até o fim da semana. Haverá a apresentação de 150 trabalhos em forma de pôsteres, 21 estandes institucionais e seis balcões com produtos regionais no hall do Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL). Dentre as mesas-redondas programadas estão “Políticas de Educação Ambiental”, “Desafios na Formação de Professores e Educadores Ambientais”, “Fundamentos e Campos de Pesquisa em Educação Ambiental” e “Desafios de Mobilização Coletiva e Práticas Colaborativas na Educação Ambiental”.

Além das conferências e mesas-redondas, o “Diálogo Jovem” trará debates sobre temas ambientais para o público jovem. Por fim, a entrega da premiação das ações inovadoras em educação ambiental está programada no último dia do evento, 18, no auditório Rio Solimões.

O evento conta com apoio da Capes, CNPq, Fapeam e do Governo do Amazonas. Participantes de órgãos dos governos federal, estadual e municipal, organizações não-governamentais, instituições científicas e associações comunitárias já confirmaram a presença no evento. Para mais informações, acesse o site do CCA.

Fonte: Portal da UFAM

domingo, 13 de junho de 2010

PERIGO A VISTA CONTRA O TOMBAMENTO DO ENCONTRO DAS ÁGUAS

Ademir Ramos (*)

No passado, os exploradores ficavam cegos e obtusos na procura do eldorado. Atualmente, a cegueira e a irracionalidade resultam da prática neocolonial das corporações empresariais em conluio com políticos corruptos paroquiais, que praticam o saque e a rapinagem da riqueza pública dos povos. Estas práticas representam perigo à economia das nações e põe em risco a saúde dos homens e do planeta.

O enunciado contextualiza o crime que tramam contra a economia sustentável do Amazonas relativo à biodiversidade que encerra o Encontro das Águas do Rio Negro com Solimões, onde inicia o Rio Amazonas em terras brasileiras.

Nesse cenário de belíssima paisagem e de valor cultural incomensurável, a mineradora Vale, representada pela Log-In Logística Intermodal, insiste na Justiça Federal em construir um Terminal Portuário Internacional, ferindo de morte esse patrimônio do povo do Amazonas.

O Movimento S.O.S Encontro das Águas encabeçado pelas lideranças comunitárias da Colônia Antônio Aleixo, vizinhos do pretenso empreendimento a ser construído na Zona Leste de Manaus, em propriedade da Juma Participações, tem mobilizado força para barrar a construção desse modal.

No entanto, o poderio da grana aliado com interesse governamental local tem contrariado a vontade soberana da sociedade civil organizada do Amazonas tão bem representada na Ação Cautelar movida pelo Ministério Público Federal, que foi deferida pela 3ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Amazonas, deferindo Liminar que determina o Tombamento Provisório do Encontro das Águas a ser feito pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN) e, ao mesmo tempo, condiciona o licenciamento da obra ao reconhecimento do fenômeno como patrimônio cultural conforme regra o art. 216 da Constituição Federal.

Agravo de Instrumento

Contrariado em seus interesses a Log-In Logística Intermodal, que se faz representar no Amazonas pela Lajes Logística S/A, contratou 6 (seis) advogados – Vinícius Ribeiro de Figueiredo Teixeira (DF), Ricardo Wagner Carvalho de Oliveira (RJ), Rodrigo Melo Moreira Lima (DF), Alessandra Castello Branco Pontes (DF), Marcelo Henrique Gonçalves Rivera Moreira Santos (DF) e Rafael Allegretto Brayer (DF) – para sustentar Agravo de Instrumento n° 0024827-61.2110.4.01.000/AM, visando efeito suspensivo da Liminar da Justiça Federa do Amazonas.

O recurso das corporações empresariais apresentado ao Tribunal Regional Federal da Primeira Região, em Brasília, revogou a Liminar que suspendia a Licença Ambiental do Terminal Portuário das Lajes e determinava também o Tombamento Provisório do Encontro das Águas, dando prosseguimento ao licenciamento da obra nas imediações do cartão postal dos amazonenses.

Movimentação do Processo

Consultando a página do Tribunal Regional Federal confere-se toda movimentação do processo quanto à sua relatoria. No dia 03 de maio fez-se a distribuição automática do processo, sendo contemplado para relatoria, o Desembargador Federal Carlos Moreira Alves. Entretanto, quem assina o Agravo em favor da construção do Porto das Lajes é o relator convocado, Juiz Federal Marcos Augusto de Sousa.

Examinando a movimentação do processo comprova-se que o juiz convocado assina o seu Relatório no dia 02 de junho, mas somente no dia 04 (sexta-feira) às 14h09 a decisão foi deferida pelo efeito suspensivo. E antecipando-se a intimação, o advogado da Log-In Logística Intermodal, controlada da Vale, Rodrigo Melo Moreira Lima, comparece ao Tribunal Regional Federal, na sexta-feira (04) às 18h20 para tomar ciência do relato favorável a construção do Porto das Lajes nas imediações do Encontro das Águas.

As Contra Razões

A defesa do Tombamento do Encontro das Águas, que é um dos principais ícones da cultura do Amazonas, está sob a responsabilidade do Procurador Edmilson Da Costa Barreiros Júnior, do Ministério Público Federal do Amazonas (MPF/AM), que deverá formalizar as contra razões contestando as argumentações apresentadas pelo Juiz convidado Marco Augusto de Sousa, por sinal, a tesa de periculum in mora é uma camisa de força, que contraria a verdade efetiva das coisas. O MPF do Amazonas tem 05 dias para prolatar às contra razões a contar da próxima segunda-feira (14) devendo ser apreciada pela sexta turma do Tribunal Regional Federal, em Brasília.

O Movimento S.O.S deverá agendar audiência ao MPF para tomar pé de todo o encaminhamento do processo enquanto também deverá continuar com a mobilização nacional apelando a mídia social, que se manifeste a favor do Tombamento do Encontro das Águas, denunciando a trama jurídica montada pela Log-In Logística Intermodal, que é uma das empresas controladas da Mineradora Vale do Rio Doce. Posicionando-se também contra o Governo do Amazonas que deu abrigo a esse empreendimento tomando para si a competência de licenciar a obra, que representa um flagrante delito contra o meio ambiente, o ecoturismo e a qualidade de vida das comunidades tradicionais que muito dependem dessa economia para sustentabilidade dos homens e mulheres inseridos nessa rede de ralação homem e natureza.

(*) É Antropólogo, Professor, Coordenador do NCPAM/UFAM e membro do Movimento S.O.S Encontro das Águas.