sexta-feira, 5 de junho de 2009

CICLO DAS ÁGUAS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS QUE NÃO CONTEMPLAM O HOMEM.

Suelly Nery de Paiva*

É secular o fenômeno de enchentes e vazantes no estuário da bacia hidrográfica Amazônica. Mesmo quando não atingem os altos índices que provocaram alagar totalmente pelo menos 44 dos 62 municípios do Amazonas já em meados de maio, elas sempre ampliam as dificuldades que o ribeirinho enfrenta. A questão que se investiga é: existem ações de Políticas Públicas antecipadas e preventivas do Governo Estadual e Municipais que possam ser implementadas para minimizar tragédias como a enchente de 2009?

O fenômeno cíclico anual das Cheias e Vazantes, que ocorrem nos rios do Amazonas requer planos de ações e políticas públicas que minimizem ou mitiguem os efeitos trágicos que esse fenômeno causa aos bens materiais e que acompanham a perda de vidas, seja pela morte trágica, resultante direta das cheias ou secas, seja pela morte em vida, resultado do descaso do poder público, que abandona à própria sorte e ao sonho impossível de um dia ser pessoa.

Em toda a história do Amazonas, está presente a floresta e seu manejo (hoje sua exploração) e os rios. Os rios caudalosos e a floresta densa são partes integrantes da região amazônica. Portanto, se um determinado lugar geográfico, é composto por seus habitantes e tem um aparato governamental que lhes garante tutela, é de se esperar que para este lugar exista também políticas públicas que devam convergir para influência (benigna) das populações desses lugares.

A Amazônia é um lugar peculiar: grandes rios, com períodos de cheia e vazantes, onde essa dinâmica permeia o modo de vida dos povos que vivem às suas margens. Para esses mesmos povos, a floresta fornece frutas, madeira, gomas e ervas que lhes complementam a renda além do pescado, seu principal alimento.

O que se pretende investigar é quais são os atores dessa área do território amazonense e quais suas perspectivas? Existem políticas públicas para contornar as características das várzeas? Se existem políticas, elas contam com a participação dos diversos atores e em vários níveis de influência? O Plano Plurianual do governo do Estado contempla essas importantes áreas de ocupação humana?

Homens da Várzea

Não obstante a enchente e vazante ocorrem todo ano, esse fenômeno só é importante porque a subida das águas influencia sobremaneira a vida dos habitantes desses lugares. Em muitos lugares dessa imensidão de floresta, todos os anos as águas sobem e descem sem que o poder público tenha que intervir, desde que não tenha habitantes.

Na região de várzea da Amazônia, residem cerca de 1,2 milhão de pessoas e mesmo que a idéia de várzea seja primária e geograficamente compreendida como característica única, trabalhos desenvolvidos por pesquisadores do Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea – Pró-Várzea/Ibama esclarecem que “não há um único e sim vários modos de vida associados à várzea”.

Nesse estudo, foi detectado que a região de várzeas do Rio Solimões e as do rio Amazonas são distintas, marcadas principalmente pela presença de gado na várzea do rio Amazonas e pouca evidência dessa atividade econômica nas várzeas do Solimões. Outras diferenças ficam por conta da diversidade étnica, experiências de manejo ou economias locais.

Independente das diferenças existentes, em uma perspectiva de diversidade humana, enraizada na diversidade física e permeada pela biodiversidade, a vida dessas pessoas, independente da atividade econômica, da diversidade étnica ou econômica, é sempre de permanente desassossego.

Apesar das dificuldades da vida na várzea, o ambiente é reconhecido também por suas riquezas, como o potencial agrícola do solo, decorrente da fertilização natural pelas águas do rio, a abundância de peixes, a existência dos campos naturais no rio Amazonas, apropriados para a pecuária, e o potencial madeireiro”. (Jirau, Outubro/ Novembro/ Dezembro 2003-Pró-Várzea/IBAMA).

POLÍTICAS PÚBLICAS

O Governo do Amazonas, em 2007 instituiu a Lei Delegada nº. 66 criando a SDS – Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável que figura em seu bojo muitas siglas: Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas – IPAAM; Fundação Estadual dos Povos Indígenas – FEPI; Agência de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas – ADS; Companhia de Gás do Amazonas – GIGÁS; e conselhos como: Conselho Estadual de Meio Ambiente – CEMAAM; Conselho Estadual de Recursos Hídricos – CERH; Conselho Estadual de Geodiversidade – CGEO; Unidade Gestora do Centro Estadual de Mudanças Climáticas. Agregadas ainda ao Sistema SDS, há as Secretarias de Estado: Secretaria Executiva de Geodiversidade – SEGEORH; Secretaria Executiva Adjunta de Gestão Ambiental – SEAGA; Secretaria Executiva e Adjunta de Florestas e Extrativismo – SEAFE; Secretaria Executiva Adjunta de Compensações e Serviços Ambientais - SEACA; Centro Estadual de Unidade de Conservação - CEUC e Centro Estadual de Mudanças Climáticas - CECLIMA todas como instituições afins

No bojo do Plano Plurianual do Amazonas (PPA) concebido no ano de 2007 com vigência até 2011 o Governo prevê três megaobjetivos para proporcionar a ação das políticas públicas no Estado do Amazonas. Não detectamos propostas concretas que concorram para a prevenção das tragédias como as da enchente deste ano, exceção ao Programa de nº 3010 – Proteção Social Especial com a ação Prestação de Serviços Socioemergenciais a Vítimas e sinistros ou Fatos Adversos com destinação orçamentária de R$ 990.000,00 (novecentos e noventa mil reais).

Os megaobjetivos estão representados pelas ações a serem desenvolvidas nos seguintes segmentos:

•Desenvolvimento socioeconômico e sustentável;
•Aprimoramento do desenvolvimento humano, com ênfase na educação;
•Melhoria do serviço público e gestão operacional da Administração governamental.

Nestes segmentos, caberiam em um ou outro, as propostas concretas para prevenção e mitigação de situações de cheias, mas não há planejamento para as cheias.

Na página de internet do site ambiente brasil, em 11 de agosto de 2007 a ONU através de sua Secretaria Estratégica Internacional para a Redução de Desastres (ISDR em inglês), anunciou previsão de maior evidências de enchentes em decorrência do efeito estufa e das mudanças climáticas que estão ocorrendo.

O documento cita as recomendações da própria ONU e do Acordo de Kobe. O Acordo de Kobe, foi elaborado por ocasião da II Conferência Mundial sobre Desastres – “Declaração de Hyogo – 2005-2015” Hyogo, Kobe, Japão e apontam para a necessidade dos governos gastarem mais na redução dos riscos representados pelos desastres naturais, tais como: construção de casas mais resistentes, muros de arrimos, construção de prédios públicos em locais mais altos da cidade, manutenção de hospitais e escolas em balsas ou flutuantes durante todo o ano, e ainda operação de sistemas de alerta e educação das pessoas que moram em lugares vulneráveis.

O estudo teve por finalidade elaborar um diagnóstico socioambiental participativo para subsidiar políticas públicas que têm enfoque na eliminação da pobreza e promovam a equidade social, a conservação e o manejo sustentado dos recursos naturais da várzea da região central da bacia amazônica. Ele se mostra importante por caracterizar o homem que habita essas regiões, sobretudo pela sua condição vulnerabilidade pela sujeição ao ritmo das águas e a perdas materiais. O estudo cita que “esta vulnerabilidade foi descrita por todos os pesquisadores, mas surpreende o fato de não ter sido encontrado em nenhum município um plano de emergência para enfrentar as calamidades, principalmente no Solimões, onde o efeito das enchentes é mais grave”.

Embalados na preocupação nacional com as situações de enchente, foi organizado em Manaus, dia 18 de maio de 2009, um encontro com um grupo de parlamentares da
Comissão de Mudanças Climáticas do Congresso Nacional e diversas autoridades políticas e técnico-científicas federais e do Amazonas estiveram observando de perto a situação do estado.

O resumo na ocasião era de que 44 dos 62 municípios já tinha declaração de calamidade. A discussão que girou em torno da grande enchente, evidenciou alguns pontos embora outros importantes não tenham sido esclarecidos:

a) ficou evidente que não somente a enchente deste ano, mas que todos os anos as enchentes do Amazonas causam transtornos às pessoas que habitam o interior e, sobretudo os habitantes das várzeas;

b) a estrutura física e de pessoal da defesa civil e outros órgãos do aparelho do Estado e dos municípios não é suficiente para o atendimento às vitimas nos padrões preconizados pela ONU na sua estratégia internacional de redução de desastres;

c) existem vários órgãos que pela sua atuação na área de meio-ambiente, mudanças climáticas ou de sustentabilidade poderiam prevenir ou ajudar nesses casos, o que falta porém é ação articulada entre eles;

d) o governo Estadual e os Municipais ignoraram os alertas de diversos estudos empreendidos por especialistas da área em que dão conta da previsão de uma enchente de grandes proporções para este ano;

e) o Governo Federal, do Estado e os municípios não possuem planejamento de políticas públicas para minimizar os riscos das enchentes o que torna uma repetida “crônica de uma morte anunciada” (Coronel José Luis D’Ávila Fernandes, Diretor do Departamento de Reabilitação e Reconstrução da Secretaria Nacional de Defesa Civil em Notícias do Portal Amazônia em 14.05.2009).

f) os Estados e os Municípios não dispõem de planos de contingência para minimizar os riscos, a insegurança e a vulnerabilidade das comunidades ribeirinhas e urbanas no Amazonas;

g) não há falta de orçamento ou verbas, o que falta no Brasil (e no Amazonas) é vontade política em preparar o país (e o Estado) para lidar com os desastres naturais.

Considerações

A ações de políticas públicas podem vir a ser um investimento de custo razoável, se planejado para tomada de medidas estruturantes, de longo prazo e que possam mitigar ocorrências futuras de enchentes semelhantes, os gastos porém tomam a forma de socorro e emergência, o que gera a falta também de inteligência matemática. O Coronel Fernandes, diretor da Secretaria de Defesa Civil afirma que para cada R$ 1 aplicado em prevenção contra desastres naturais evita-se o gasto de R$ 20 em ações de socorro e assistência às vítimas desses eventos.

Face os acontecimentos, que vitima atualmente um contingente de mais de 25 mil pessoas somente no Amazonas, fomos buscar algum indício de aplicação de políticas públicas no principal programa do atual governo do Estado, a Zona Franca Verde, com o fito de identificar em seus objetivos estratégicos a previsão de ação para a ocorrência natural desse nosso ecossistema que são as cheias e as vazantes.

Não obstante o objetivo principal do Programa Zona Franca Verde é revelar “propostas para a melhoria da qualidade de vida do povo do interior, por meio do uso sustentável de nossas florestas, rios, lagos, igarapés, várzeas e campos naturais e do permanente cuidado com a conservação de nosso patrimônio natural” parece claro, tanto na teoria como na prática, que o único elemento para o qual não existe programa, conselho ou secretaria é o de proteção à vida do principal ator, que é o homem em situação na Amazônia.

*Estudante de Ciências Socias pela Universidade Federal do Amazonas


REFERÊNCIAS

AMAZONAS. Programa Plurianual do Amazonas I e II. 2007-2011. Disponível em www.seplan-am.gov.br. Acessado em 16.05.09.

AMBIENTE BRASIL. Especialista em desastres naturais da ONU critica o Brasil. (Notícia). Portal de meio ambiente da América Latina. Disponível em www.ambientebrasil.com.br/ Acessado em 18.05.2009.

BITTAR, Rodrigo. (Repórter Agência Câmara). Governo não Possui plano de prevenção contra enchente na Amazônia. Agência Câmara. Em 14.04.2009. Disponível em www.camara.gov.br/internet/agencia/ Acessado em 15.05.2009.

INPA. Pesquisadores prevêem cheia para 2008 no Amazonas. Noticias. (03.11.2008) Disponível em www.inpa.gov.br/noticia_signo_versao_impressao.php Acessado em 17.05.2009.

INPA. Cientistas do Inpa apresentam impactos do aquecimento global a deputados na ALEAM. (23.03.2007) Noticias. Disponível em www.inpa.gov.br/noticia_signo_versao_impressao.php Acessado em 17.05.2009.

ONU. Conferência Mundial sobre a prevenção de Catástrofes. Documento de 22.01.2005. Disponível em www.un-documents.net/hyogo. Acessado em 20.05.2009.

PROVARZEA/IBAMA. Revista JIRAU. Núemro 04. 2004.

PROVARZEA/IBAMA. Revista JIRAU. Núemro 06. 2004.

WANDSCHEER, Lisiane. (Repórter Agencia Brasil) Enchentes deixam milhares de desabrigados e desalojados na Região Norte.. Disponível em www.agenciabrasil.gov.br/ noticias/14/04/2009. Acessado em 16.05.2009.

Um comentário:

CHACARAMAZON disse...

Seu artigo com bastante propriedade, nos faz refletir, num contexto menor como está influindo o aquecimento global sobre a terra. Poderemos aproveitar o lado sociológico dele para enriquecer artigo sobre ecologia. Já que são com dados e fatos que traçamos caminhos a seguir. Muito bom.
Ilson