Luciney Araújo (*)
Uma viagem fascinante ao universo das religiões de matriz africana, assim se pode classificar o livro da antropóloga francesa Stefania Capone: La Quête de l`Afrique dans le Candomblé: Pouvoir et Tradition au Brésil.(A Busca da África no Candomblé: Tradição e Poder no Brasil). Paris: Karthala, 1999. Publicado no Brasil pela Editora Pallas no ano de 2004.
Uma obra essencial para o entendimento do Candomblé brasileiro, a autora faz uma viajem cronológica e mítica através da figura do orixá Exu-Legba, em terras da costa ocidental africana (Benin e Nigéria) passando pelas raízes do candomblé na cidade de Salvador, até chegar ao cotidiano das famílias de santo Cariocas. Usando de uma etnografia fina e detalhada dos cultos, observando cuidadosamente suas diferenças, o leitor é transportado para uma viagem literária, e ao mesmo tempo, real dessas casas de culto. Mostrando através das iconografias e relatos o cotidiano desses cultos.
O texto segue em seu primeiro capitulo uma leitura histórica a construção das tradições dos Orixás no Brasil, apontando pesquisadores e antropólogos as mais diversas leituras do culto, até um processo de reafricanização buscada por religiosos e pesquisadores do culto.
Capone usa como válvula de escape para a interpretação das religiões de matriz africana no Brasil, as transformações dadas a Exu ao longo dos séculos XIX e XX no Brasil, apontando desde a literatura produzida e fazendo uso de observações diretas sobre os cultos afro-brasileiros, traçando um paralelo do Exu cultuado em África, aos pontos riscados e cantados dos Exus cultuados na Umbanda, ou até mesmo as formas de culto reverenciadas a estes "servos dos Orixás". Ao mesmo tempo a autora faz uma reflexão de uma forma bastante lúcida de sua experiência dentro das casas de culto, fazendo um contraponto com a produção acadêmica sobre o tema.
A análise feita pela autora parte de estudos realizados por outros pesquisadores como Yvonne Maggie, Patrícia Birman, Reginaldo Prandi, Vagner Gonçalves e Beatriz Góes Dantas, fazendo uma reflexão empírica do tema, ao mesmo tempo, propõe um continuum entre puro/impuro, tradicional/misturado, re-ligião/magia. Fazendo afirmações que a reafrincanização é apenas parte na construção desse continuum.
Em vários pontos do livro, a autora aborda a importância dos Exus, e sua colocação dentro de uma estrutura de culto, que em muitas vezes se repete, mesmo que de forma diferenciada a cada contingência. Um ponto importante abordado na obra é o fato de os exus e pombagiras reafricanizados, não serem submetidos aos orixás sacerdotes na construção da hierarquia do candomblé, mas, fundamentalmente como instrumentos de trabalho do cotidiano das classes populares da sociedade.
O ponto chave do livro são os depoimentos coletados durante a pesquisa de campo, sobretudo de mulheres, contribuem para o ponto central do texto. Questões de gênero, dominações místicas são aprofundados minuciosamente.
Capone constrói seu livro partindo de análises e dados coletados na cidade do Rio de Janeiro, cuja história das casas de candomblé, da relação inseparável destas com a umbanda e outros cultos de possessão.
A análise histórica do livro é apresentada tantos por sacerdotes e iniciados na religião como estudos antropológicos realizados sobre o tema, sendo a principal indagação de Capone a classificação de Salvador como a "Meca" nagô, fazendo paralelo com o cotidiano de outros centros, como diversificação religiosa criada em outras partes do país, deixando a incógnita de como se reconstrói essas religiões nos subúrbios cariocas buscando acima de tudo sua "tradicionalidade".
Uma das perguntas constantes vem do que dignifica o fiel a cada momento do curso deste século? Segundo a hierarquização produzida pela literatura antropológica, a "nação" angola seria menos "pura", tendo incorporado de maneira sistemática o culto dos caboclos às suas práticas rituais. E através desse ponto da passagem que se articularia as diversas modalidades de culto de possessão entre si. De modo, como afirma a autora: hoje, por iniciações sucessivas, se pode começar pela freqüência a terreiros de "umbanda branca" para, após uma primeira iniciação no candomblé em um terreiro angola, tornar-se ketu, logo, "nagô puro", parte de um "axé" de renome. Nesse aspecto, Capone apresenta os inúmeros pontos e estratégias que nos permite entender e ao mesmo tempo interpretar as negociações para aquisição de maior legitimidade, ou seja, levar aquilo que o povo do santo chama de "mudança das águas", pelas quais o iniciado de uma "nação" passa para outra.
Capone ao mesmo tempo em que faz a analise de legitimação e de continuum religioso, destaca a produção literária sobre os cultos afro-brasileiros, dando enfoque central aos pesquisadores franceses Roger Bastide e Pierre Verger e da antropóloga norte-americana Ruth Landes, que produziu no inicio do século XX a obra A Cidade das Mulheres, considerados por muitos pesquisadores como obra fundamental para a compreensão dos cultos afros na cidade de Salvador.
Stefania Capone apresenta-nos uma essência das correntes culturais que há muito tempo cruzaram o atlântico e aportaram aqui por essas terras. A valorização em que a autora apresenta a figura de Exu apresenta como de forma clara que a imagem criada ao longo dos séculos a esse orixá serviu apenas para o crescimento místico não apenas do orixá, mas em torno de uma religião fascinante, pois como afirma a autora, o processo reafricanizaçao da religião nos leva a uma viagem única ao verdadeiro mundo do candomblé em África.
Bibliografia referente:
CAPONE, Stefania: A Busca da África no Candomblé - Tradição e Poder no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Pallas e Contra-Capa, 2004
(*) É cientista social, pesquisador e colaborador do NCPAM/UFAM.
Uma viagem fascinante ao universo das religiões de matriz africana, assim se pode classificar o livro da antropóloga francesa Stefania Capone: La Quête de l`Afrique dans le Candomblé: Pouvoir et Tradition au Brésil.(A Busca da África no Candomblé: Tradição e Poder no Brasil). Paris: Karthala, 1999. Publicado no Brasil pela Editora Pallas no ano de 2004.
Uma obra essencial para o entendimento do Candomblé brasileiro, a autora faz uma viajem cronológica e mítica através da figura do orixá Exu-Legba, em terras da costa ocidental africana (Benin e Nigéria) passando pelas raízes do candomblé na cidade de Salvador, até chegar ao cotidiano das famílias de santo Cariocas. Usando de uma etnografia fina e detalhada dos cultos, observando cuidadosamente suas diferenças, o leitor é transportado para uma viagem literária, e ao mesmo tempo, real dessas casas de culto. Mostrando através das iconografias e relatos o cotidiano desses cultos.
O texto segue em seu primeiro capitulo uma leitura histórica a construção das tradições dos Orixás no Brasil, apontando pesquisadores e antropólogos as mais diversas leituras do culto, até um processo de reafricanização buscada por religiosos e pesquisadores do culto.
Capone usa como válvula de escape para a interpretação das religiões de matriz africana no Brasil, as transformações dadas a Exu ao longo dos séculos XIX e XX no Brasil, apontando desde a literatura produzida e fazendo uso de observações diretas sobre os cultos afro-brasileiros, traçando um paralelo do Exu cultuado em África, aos pontos riscados e cantados dos Exus cultuados na Umbanda, ou até mesmo as formas de culto reverenciadas a estes "servos dos Orixás". Ao mesmo tempo a autora faz uma reflexão de uma forma bastante lúcida de sua experiência dentro das casas de culto, fazendo um contraponto com a produção acadêmica sobre o tema.
A análise feita pela autora parte de estudos realizados por outros pesquisadores como Yvonne Maggie, Patrícia Birman, Reginaldo Prandi, Vagner Gonçalves e Beatriz Góes Dantas, fazendo uma reflexão empírica do tema, ao mesmo tempo, propõe um continuum entre puro/impuro, tradicional/misturado, re-ligião/magia. Fazendo afirmações que a reafrincanização é apenas parte na construção desse continuum.
Em vários pontos do livro, a autora aborda a importância dos Exus, e sua colocação dentro de uma estrutura de culto, que em muitas vezes se repete, mesmo que de forma diferenciada a cada contingência. Um ponto importante abordado na obra é o fato de os exus e pombagiras reafricanizados, não serem submetidos aos orixás sacerdotes na construção da hierarquia do candomblé, mas, fundamentalmente como instrumentos de trabalho do cotidiano das classes populares da sociedade.
O ponto chave do livro são os depoimentos coletados durante a pesquisa de campo, sobretudo de mulheres, contribuem para o ponto central do texto. Questões de gênero, dominações místicas são aprofundados minuciosamente.
Capone constrói seu livro partindo de análises e dados coletados na cidade do Rio de Janeiro, cuja história das casas de candomblé, da relação inseparável destas com a umbanda e outros cultos de possessão.
A análise histórica do livro é apresentada tantos por sacerdotes e iniciados na religião como estudos antropológicos realizados sobre o tema, sendo a principal indagação de Capone a classificação de Salvador como a "Meca" nagô, fazendo paralelo com o cotidiano de outros centros, como diversificação religiosa criada em outras partes do país, deixando a incógnita de como se reconstrói essas religiões nos subúrbios cariocas buscando acima de tudo sua "tradicionalidade".
Uma das perguntas constantes vem do que dignifica o fiel a cada momento do curso deste século? Segundo a hierarquização produzida pela literatura antropológica, a "nação" angola seria menos "pura", tendo incorporado de maneira sistemática o culto dos caboclos às suas práticas rituais. E através desse ponto da passagem que se articularia as diversas modalidades de culto de possessão entre si. De modo, como afirma a autora: hoje, por iniciações sucessivas, se pode começar pela freqüência a terreiros de "umbanda branca" para, após uma primeira iniciação no candomblé em um terreiro angola, tornar-se ketu, logo, "nagô puro", parte de um "axé" de renome. Nesse aspecto, Capone apresenta os inúmeros pontos e estratégias que nos permite entender e ao mesmo tempo interpretar as negociações para aquisição de maior legitimidade, ou seja, levar aquilo que o povo do santo chama de "mudança das águas", pelas quais o iniciado de uma "nação" passa para outra.
Capone ao mesmo tempo em que faz a analise de legitimação e de continuum religioso, destaca a produção literária sobre os cultos afro-brasileiros, dando enfoque central aos pesquisadores franceses Roger Bastide e Pierre Verger e da antropóloga norte-americana Ruth Landes, que produziu no inicio do século XX a obra A Cidade das Mulheres, considerados por muitos pesquisadores como obra fundamental para a compreensão dos cultos afros na cidade de Salvador.
Stefania Capone apresenta-nos uma essência das correntes culturais que há muito tempo cruzaram o atlântico e aportaram aqui por essas terras. A valorização em que a autora apresenta a figura de Exu apresenta como de forma clara que a imagem criada ao longo dos séculos a esse orixá serviu apenas para o crescimento místico não apenas do orixá, mas em torno de uma religião fascinante, pois como afirma a autora, o processo reafricanizaçao da religião nos leva a uma viagem única ao verdadeiro mundo do candomblé em África.
Bibliografia referente:
CAPONE, Stefania: A Busca da África no Candomblé - Tradição e Poder no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Pallas e Contra-Capa, 2004
(*) É cientista social, pesquisador e colaborador do NCPAM/UFAM.
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