Tenório Telles (*)
O poeta é um navegador solitário do vasto mar do tempo e da memória. Alguém que aceita o desafio da árdua e dolorosa travessa e vai recolhendo os destroços de viagens inconclusas - sonhos que não foram, mensagens e lembranças de náufragos esquecidos. Com as lâminas de seu canto, o poeta vai tecendo seus versos, compondo, com traços de silêncio, suas canções.
O poeta é alguém que conspira contra o esquecimento, a negação da magia, o obscurecimento da consciência. Não é outra a matéria utilizada por Luiz Bacellar, em "Frauta de barro", para elaborar seu discurso poético. A memória é o repositório de onde recolhe as fraturas com que compõe seu canto. Livro de estreia do escritor, públicado em 1963, compõe-se como um passeio pelo tempo, um mergulho no passado, de onde recolhe a matéria com que constrói sua poesia.
Bacellar é o arqueólogo de uma época subtraída, destroçada pelo destilar corrosivo dos dias, tragada pela voracidade do progresso (compulsório nos trópicos). Seu trabalho poético é o de um rapsodo que preserva, por meio de seu canto, a memória de um tempo estiolado, desaparecido sob a esteira da modernidade. O mundo de que tenta remontar a face estilhaçada é a província. Ao voltar-se para o passado, o poeta faz a crítica do caráter desagregador, corrosivo do progresso.
"Frauta de barro" é um livro cheio de ressonâncias - um texto singular, distinguido com um dos prêmios literários mais importantes do país, em 1959: Olavo Bilac, da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. Pelos seus atributos estéticos transformou-se num clássico de poesia nacional.
O texto é um caleidoscópio de formas poéticas e temas. A obra possui uma arquitetura interior, composta de sete partes. Os blocos de poemas são constituídos de "sequências de sonetos", "os romanceiros", "os noturnos", "os escorços" e os "poemas dedicados".
O nome da obra já é um evidência das preocupações temáticas do autor. "Frauta de barro": "Frauta", forma primitiva de flauta. "De barro", a matéria de que é feito o instrumento, afirmação de seu caráter substantivo. Sua poesia é orgânica, plasmada de temas ligado ao cotidiano popular, ao folclore e ao mundo urbano.
Afirmação de seu talento poético, Bacellar trabalho igualmente com formas e temas eruditos, compondo textos perpassados por uma densa carga existencial. Outro traço marcante em sua poesia é o musical. No primeiro soneto do "prólogo", que abre "Frauta de barro", o poeta descreve como encontrou na infância seu "frio tubo de argila", sua frauta de barro, em que vai "toscamente improvisando"as "estórias que" narra.
O livro é como se fosse uma sonata, tocada por uma rústica frauta: "Em menino achei um dia/ bem no fundo de um surrão/ um frio tubo de argila/ e fui feliz desde então;/ rude e doce melodia/ quando me pus a soprá-lo/ jorrou límpida e tranquila/ como água por um gargalo".
O texto foi composto num discurso poético fluido, perpassado pela musicalidade. Vertido numa linguagem vigorosa, límpida e simples, despida de excessos formais.Em Bacellar, a formalidade é antes de tudo sutileza. Como os velhos rapsodos gregos.
Luiz Bacellar tece seu cantar nostálgico solado pelo som agreste de sua frauta de barro. É preciso salvar o passado para não perdermos o futuro. Afinal, é difícil enfrentar o desconhecido, o impalpável sem que se conheça as velhas rotas do tempo. A travessia se cumpre. E a velha frauta, bojuda de tantos cantares, fez-se versos, poesia.
(*) É Professor, escritor, membro da Academia Amazonense de Letras e articulista de a Crítica.
O poeta é um navegador solitário do vasto mar do tempo e da memória. Alguém que aceita o desafio da árdua e dolorosa travessa e vai recolhendo os destroços de viagens inconclusas - sonhos que não foram, mensagens e lembranças de náufragos esquecidos. Com as lâminas de seu canto, o poeta vai tecendo seus versos, compondo, com traços de silêncio, suas canções.
O poeta é alguém que conspira contra o esquecimento, a negação da magia, o obscurecimento da consciência. Não é outra a matéria utilizada por Luiz Bacellar, em "Frauta de barro", para elaborar seu discurso poético. A memória é o repositório de onde recolhe as fraturas com que compõe seu canto. Livro de estreia do escritor, públicado em 1963, compõe-se como um passeio pelo tempo, um mergulho no passado, de onde recolhe a matéria com que constrói sua poesia.
Bacellar é o arqueólogo de uma época subtraída, destroçada pelo destilar corrosivo dos dias, tragada pela voracidade do progresso (compulsório nos trópicos). Seu trabalho poético é o de um rapsodo que preserva, por meio de seu canto, a memória de um tempo estiolado, desaparecido sob a esteira da modernidade. O mundo de que tenta remontar a face estilhaçada é a província. Ao voltar-se para o passado, o poeta faz a crítica do caráter desagregador, corrosivo do progresso.
"Frauta de barro" é um livro cheio de ressonâncias - um texto singular, distinguido com um dos prêmios literários mais importantes do país, em 1959: Olavo Bilac, da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. Pelos seus atributos estéticos transformou-se num clássico de poesia nacional.
O texto é um caleidoscópio de formas poéticas e temas. A obra possui uma arquitetura interior, composta de sete partes. Os blocos de poemas são constituídos de "sequências de sonetos", "os romanceiros", "os noturnos", "os escorços" e os "poemas dedicados".
O nome da obra já é um evidência das preocupações temáticas do autor. "Frauta de barro": "Frauta", forma primitiva de flauta. "De barro", a matéria de que é feito o instrumento, afirmação de seu caráter substantivo. Sua poesia é orgânica, plasmada de temas ligado ao cotidiano popular, ao folclore e ao mundo urbano.
Afirmação de seu talento poético, Bacellar trabalho igualmente com formas e temas eruditos, compondo textos perpassados por uma densa carga existencial. Outro traço marcante em sua poesia é o musical. No primeiro soneto do "prólogo", que abre "Frauta de barro", o poeta descreve como encontrou na infância seu "frio tubo de argila", sua frauta de barro, em que vai "toscamente improvisando"as "estórias que" narra.
O livro é como se fosse uma sonata, tocada por uma rústica frauta: "Em menino achei um dia/ bem no fundo de um surrão/ um frio tubo de argila/ e fui feliz desde então;/ rude e doce melodia/ quando me pus a soprá-lo/ jorrou límpida e tranquila/ como água por um gargalo".
O texto foi composto num discurso poético fluido, perpassado pela musicalidade. Vertido numa linguagem vigorosa, límpida e simples, despida de excessos formais.Em Bacellar, a formalidade é antes de tudo sutileza. Como os velhos rapsodos gregos.
Luiz Bacellar tece seu cantar nostálgico solado pelo som agreste de sua frauta de barro. É preciso salvar o passado para não perdermos o futuro. Afinal, é difícil enfrentar o desconhecido, o impalpável sem que se conheça as velhas rotas do tempo. A travessia se cumpre. E a velha frauta, bojuda de tantos cantares, fez-se versos, poesia.
(*) É Professor, escritor, membro da Academia Amazonense de Letras e articulista de a Crítica.
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