Breno Rodrigo de Messias Leite (*)
A reforma política é o assunto do momento entre políticos, jornalistas e intelectuais de todas as colorações políticas e ideológicas. De tão importante – e na tentativa de dar um toque de sublimidade – a assim chamada reforma política ganhou até um codinome de inspiração marista: trata-se agora da “mãe de todas as reformas”. Nada mais acertado para se conquistar corações e mentes incrédulas.
A presidente Dilma Rousseff, em seu discurso na abertura do ano legislativo no Congresso Nacional, fez duas referências à necessidade de se colocar a reforma política como prioridade nas agendas do governo e do legislativo. Nas duas referências à reforma, a presidente foi aplaudida entusiasticamente pelos parlamentares. Já o presidente do Senado, Sen. José Sarney, na mesma audiência com a presidente, os deputados federais e os outros senadores recém-empossados, foi além dos limites: propôs a substituição da representação proporcional pela majoritária.
Por estratégia de alguns ou por ingenuidade de outros a agenda da reforma política entrou definitivamente no debate político nacional.
Em primeiro lugar, é falsa a ideia de que a reforma política é a mãe de todas as reformas. O regime político brasileiro é, para espanto de muitos, eficiente, auto-reformável e representativo. O compósito institucional brasileiro que combina presidencialismo de coalizão, federalismo, bicameralismo, representação proporcional com lista aberta... , desde seu invento com a implementação da regras constitucionais em 1988, ainda não criou nenhum impasse político seguido de paralisia decisória. O que temos visto desde a transição é um contínuo incremento institucional que procura internalizar as regras, dar mais eficiência decisória e assegurar a representatividade política dos jogadores. Todos os presidentes da República, sem exceção, fizeram reformas de todos os tipos. Algumas exitosas, outras nem tanto.
Em segundo lugar, é equivocada a percepção de que o sistema majoritário seja uma opção correta para o caso brasileiro. Um sistema pluralista, pela sua natureza, reduz fortemente o número efetivo de partidos do jogo parlamentar, incentivando a crescente oligarquização da competição política em todos os níveis. Para o modelo majoritário, em nome da eficiência decisória se pode sacrificar a representatividade.
A possível implantação do sistema distrital no Brasil transformaria a Câmara dos Deputados numa assembleia de dez a cinco partidos, a curto prazo; e, de cinco a dois partidos e meio, a longo prazo. Num caso extremo, chegaríamos a dois partidos, a exemplos dos EUA dos democratas e republicanos.
Outra consideração que se deve levar em conta é que a possibilidade de se adotar a representação majoritária para as eleições parlamentares vai em direção contrária as reformas dos sistemas eleitorais em muitas democracias novas e antigas.
O caso inglês é o mais recente e deve ser visto como um bom exemplo de mudança paradigmática. Em virtude do acirramento político no país, muito em função da introdução de novas agendas políticas na sociedade inglesa (e.g., a questão das minorias), e o declínio histórico dos trabalhistas e conservadores, o arranjo político passou do bipartidarismo puro para o sistema de dois partidos e meio, tão comum na Alemanha (conservadores, social-democratas e verdes).
E aí vem o melhor da história: na composição da coalizão com os conservadores, os liberal-democratas exigiram a modificação do secular sistema majoritário para o proporcional. O acordo foi feito e formou-se então um governo de coalizão entre os conservadores e os liberal-democratas, jogando uma pá de cal nas chances dos trabalhistas de Gordon Brown permanecerem no poder.
Do ponto de vista estratégico, o governo Dilma utilizará o debate da reforma política como um espantalho. Além de ser inviável a formação de uma maioria parlamentar capaz de modificar o status quo, uma vez que o baixo clero exercerá um forte poder de veto, haja vista que se beneficiou enormemente das brechas do próprio sistema, o governo não quer correr o risco de patrocinar uma possível mudança institucional, cujas consequências podem ser incertas. Como sabemos, uma modificação das regras eleitorais neste contexto pode atingir resultados subótimos para quem a patrocinou. Por isso é que o adágio popular ainda tem sua validade: em time que está ganhando não se mexe...
Tampouco preciso lembrar que reforma política, em geral, é assunto de oposição. Quem está perdendo conjectura tempos tenebrosos pela frente, isto é, um futuro ainda mais difícil, sempre tenta transformar as regras em curso em verdadeiras “vilães”, “autoritárias” e “ilegítimas”. Tudo é conveniente para quem quer voltar ao poder. Se para o governo, a reforma política funciona como um espantalho, para a oposição parece mais com uma Geni.
No entanto, o que o colégio de líderes da coalizão governista coloca como politicamente viável para barganhar – e aqui, obviamente, refiro-me aos definidores da agenda política do país, i.e., os membros da coalizão majoritária da coordenação Executivo-Legislativo – é a introdução da lista fechada na forma de representação proporcional.
Como se pode constatar numa rápida e superficial leitura do sistema partidário brasileiro, exceto PT, PCdoB e outros partidos muito bem organizados internamente, todos os outros partidos precisariam se reinventar: criar primárias; atrair militância, correligionários e financiadores; aperfeiçoar as regras internas que possam sustentar uma maior participação dos rótulos partidários no jogo institucional.
Assim, como resultado de minha análise, considero que não necessitamos de uma reforma política tal como está colocada. Ao contrário do que muitos imaginam, as instituições políticas no Brasil vão muito bem; funcionam com eficiência e asseguram uma ampla representatividade, algo muito difícil de se ver nos experimentos democráticos de hoje. Problemas existem, é claro, mas nada que não esteja presente em outros lugares do mundo, inclusive em poliarquias maduras.
A narrativa da reforma política é equivocada, insensata e exagerada. Por enquanto, basta um remendo no sistema eleitoral com a introdução da lista fechada e, sem possível, a vedação das coligações eleitorais para as eleições proporcionais. Pronto! Isto já representaria um avanço e tanto. Uma vez mais, não precisamos de reforma política, e sim de um simples remendo nas regras eleitorais.
(*) Breno Rodrigo de Messias Leite é cientista político e colaborador do NCPAM/UFAM.
A reforma política é o assunto do momento entre políticos, jornalistas e intelectuais de todas as colorações políticas e ideológicas. De tão importante – e na tentativa de dar um toque de sublimidade – a assim chamada reforma política ganhou até um codinome de inspiração marista: trata-se agora da “mãe de todas as reformas”. Nada mais acertado para se conquistar corações e mentes incrédulas.
A presidente Dilma Rousseff, em seu discurso na abertura do ano legislativo no Congresso Nacional, fez duas referências à necessidade de se colocar a reforma política como prioridade nas agendas do governo e do legislativo. Nas duas referências à reforma, a presidente foi aplaudida entusiasticamente pelos parlamentares. Já o presidente do Senado, Sen. José Sarney, na mesma audiência com a presidente, os deputados federais e os outros senadores recém-empossados, foi além dos limites: propôs a substituição da representação proporcional pela majoritária.
Por estratégia de alguns ou por ingenuidade de outros a agenda da reforma política entrou definitivamente no debate político nacional.
Em primeiro lugar, é falsa a ideia de que a reforma política é a mãe de todas as reformas. O regime político brasileiro é, para espanto de muitos, eficiente, auto-reformável e representativo. O compósito institucional brasileiro que combina presidencialismo de coalizão, federalismo, bicameralismo, representação proporcional com lista aberta... , desde seu invento com a implementação da regras constitucionais em 1988, ainda não criou nenhum impasse político seguido de paralisia decisória. O que temos visto desde a transição é um contínuo incremento institucional que procura internalizar as regras, dar mais eficiência decisória e assegurar a representatividade política dos jogadores. Todos os presidentes da República, sem exceção, fizeram reformas de todos os tipos. Algumas exitosas, outras nem tanto.
Em segundo lugar, é equivocada a percepção de que o sistema majoritário seja uma opção correta para o caso brasileiro. Um sistema pluralista, pela sua natureza, reduz fortemente o número efetivo de partidos do jogo parlamentar, incentivando a crescente oligarquização da competição política em todos os níveis. Para o modelo majoritário, em nome da eficiência decisória se pode sacrificar a representatividade.
A possível implantação do sistema distrital no Brasil transformaria a Câmara dos Deputados numa assembleia de dez a cinco partidos, a curto prazo; e, de cinco a dois partidos e meio, a longo prazo. Num caso extremo, chegaríamos a dois partidos, a exemplos dos EUA dos democratas e republicanos.
Outra consideração que se deve levar em conta é que a possibilidade de se adotar a representação majoritária para as eleições parlamentares vai em direção contrária as reformas dos sistemas eleitorais em muitas democracias novas e antigas.
O caso inglês é o mais recente e deve ser visto como um bom exemplo de mudança paradigmática. Em virtude do acirramento político no país, muito em função da introdução de novas agendas políticas na sociedade inglesa (e.g., a questão das minorias), e o declínio histórico dos trabalhistas e conservadores, o arranjo político passou do bipartidarismo puro para o sistema de dois partidos e meio, tão comum na Alemanha (conservadores, social-democratas e verdes).
E aí vem o melhor da história: na composição da coalizão com os conservadores, os liberal-democratas exigiram a modificação do secular sistema majoritário para o proporcional. O acordo foi feito e formou-se então um governo de coalizão entre os conservadores e os liberal-democratas, jogando uma pá de cal nas chances dos trabalhistas de Gordon Brown permanecerem no poder.
Do ponto de vista estratégico, o governo Dilma utilizará o debate da reforma política como um espantalho. Além de ser inviável a formação de uma maioria parlamentar capaz de modificar o status quo, uma vez que o baixo clero exercerá um forte poder de veto, haja vista que se beneficiou enormemente das brechas do próprio sistema, o governo não quer correr o risco de patrocinar uma possível mudança institucional, cujas consequências podem ser incertas. Como sabemos, uma modificação das regras eleitorais neste contexto pode atingir resultados subótimos para quem a patrocinou. Por isso é que o adágio popular ainda tem sua validade: em time que está ganhando não se mexe...
Tampouco preciso lembrar que reforma política, em geral, é assunto de oposição. Quem está perdendo conjectura tempos tenebrosos pela frente, isto é, um futuro ainda mais difícil, sempre tenta transformar as regras em curso em verdadeiras “vilães”, “autoritárias” e “ilegítimas”. Tudo é conveniente para quem quer voltar ao poder. Se para o governo, a reforma política funciona como um espantalho, para a oposição parece mais com uma Geni.
No entanto, o que o colégio de líderes da coalizão governista coloca como politicamente viável para barganhar – e aqui, obviamente, refiro-me aos definidores da agenda política do país, i.e., os membros da coalizão majoritária da coordenação Executivo-Legislativo – é a introdução da lista fechada na forma de representação proporcional.
Como se pode constatar numa rápida e superficial leitura do sistema partidário brasileiro, exceto PT, PCdoB e outros partidos muito bem organizados internamente, todos os outros partidos precisariam se reinventar: criar primárias; atrair militância, correligionários e financiadores; aperfeiçoar as regras internas que possam sustentar uma maior participação dos rótulos partidários no jogo institucional.
Assim, como resultado de minha análise, considero que não necessitamos de uma reforma política tal como está colocada. Ao contrário do que muitos imaginam, as instituições políticas no Brasil vão muito bem; funcionam com eficiência e asseguram uma ampla representatividade, algo muito difícil de se ver nos experimentos democráticos de hoje. Problemas existem, é claro, mas nada que não esteja presente em outros lugares do mundo, inclusive em poliarquias maduras.
A narrativa da reforma política é equivocada, insensata e exagerada. Por enquanto, basta um remendo no sistema eleitoral com a introdução da lista fechada e, sem possível, a vedação das coligações eleitorais para as eleições proporcionais. Pronto! Isto já representaria um avanço e tanto. Uma vez mais, não precisamos de reforma política, e sim de um simples remendo nas regras eleitorais.
(*) Breno Rodrigo de Messias Leite é cientista político e colaborador do NCPAM/UFAM.
Um comentário:
Sou a favor do remendo.Temos boas ferramentas mas é necessário preparo técnico na utilização eficiente destas, o que não é unanimidade, hoje, no Brasil.
A reforma traz o peso burocrático do Estado, o que pode levar anos.
É necessário reformular a política existente com um choque de gestão inovador. O Legislativo encontra-se com uma estrutura pesada e onerosa, marcada por escândalos escancarados.
Quero ressaltar que para o país, a ausência de uma oposição é uma tragédia. Haja vista, que boa parte da oposição de que se noticia é feita dentro da base governista, pelos aliados insatisfeitos.
Com uma oposição capenga, acho difícil que um REMENDO ou REFORMA possa ser feito.
Postar um comentário