sexta-feira, 7 de outubro de 2011

GOVERNADOR DO AMAZONAS PODE TOMBAR O ENCONTRO DAS ÁGUAS

O Deputado Estadual José Ricardo Wendling (PT/AM) protocolou na terça-feira (04) Requerimento à mesa Diretora da Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas, nos termos regimental, sugerindo "ao excelentíssimo senhor governador a Homologação do Tombamento do Encontro das Águas". A iniciativa do Deputado Petista sustenta-se no art. 120 do Regimento da Casa, inciso XI, que detemina: "aprovação de moção de apelo, aplauso, protesto, repúdio, pesar ou de indicação sobre medida a ser adotada pelos poderes públicos".

A indicação do Deputado Ricardo, segundo o Regimento, deverá ser lida em plenário pela Mesa com a deliberação dos Deputados presentes, quando em seguida cumprirá os trâmites das Comissões merecendo ou não parecer favorável.

Na dúvida, um dos Deputados da bancada do governo, que não quis se identificar, declarou que "a indicação pode prosperar ou não, mas não deixa de ser uma boa oportunidade para o governador Omar Aziz reconsiderar sua posição, quem sabe orientando a Mesa para aprovação, mostrando o quanto é favorável ao Tombamento, dando um basta nas pendengas jurídicas. A decisão do governador favorável bem que poderia ser um presente para o povo do Amazonas".

Na verdade, o governador Omar tem agido bem diferente do seu antecessor, que tudo fazia e não aparecia. Até hoje quando fala em infraestrutura logística no Estado, não se compromete publiicamente com a empresa privado que pretende construir um Porto no portal do Encontro da Águas. Omar Aziz, ao contrário, dirigiu suas baterias em defesa do empreendimento privado, maculando a imagem que o seu mentor construiu na mídia internacional de que o governo do Amazonas era amigo da natureza e promotor da responsabilidade ambiental.

O governador Omar Aziz, se ainda quiser repensar sua prática pautando-se numa matriz ambiental justa e responsável, tem no Requerimento do Deputado Petista é um bom instrumento para o reordenamento de posição exaltando muito mais a grandeza do que a vaidade e os vícios.

Fundamentação

O Requerimento 036/2011 está fundamentado no documento "Encontro das Águas (manifesto à homologação do tombamento)" de autoria do prof. Dr. Gláucio Campos Gomes de Matos, da Universidade Federal do Amazonas, vinculado ao Laboratório de Estudos Sóciobioculturais, em contribuição à luta do Movimento S.O.S. Encontro das Águas. O manifesto contempla as interfaces, que recortamos para efeito desta publicação, confira:

No estágio de desenvolvimento de uma sociedade deve-se dar atenção à sua estrutura social, na qual se desenvolve a estrutura de personalidade individual e de grupo. Um dos sintomas que fortalecem as relações de poder em determinadas figurações de sociedades em desenvolvimento é, com base em Elias (1994b) o apego afetivo. O apego emocional é uma condicionante que “inviabiliza” negar a lealdade. Através dos laços de amizade, de compadrio, de parentesco ou pessoas ligadas à terra natal (conterrâneos), muitos indivíduos são capazes de manipular resultados em benefícios próprios ou do grupo por estarem ligados a interesses, não há dúvidas, mas também por não conseguirem negar a lealdade.

Do alto ao baixo escalão do Governo isso tem se mostrado através do nepotismo ou o que se denomina corrupção. “Talvez” essa questão fique “inexplicada” ao considerar Sociedade de um lado e Governo do outro. Esse abismo existente entre indivíduo e sociedade exige de outros a necessidade de vigiar determinadas figurações nas quais o assunto tratado é ambiente. Assim dito, há como entender a interdependência mantida nos três tipos de controle.

Com base no trio dos controles básicos o Encontro das Águas, se é que queremos ou eles querem mantê-los sem drásticas transformações, deve ser tombado. Tombado pois enquanto fonte primária, natural que é, o encontro dos dois rios já deu suporte a inspiração de pessoas que os consagraram ou reificaram ao longo do tempo. Essa inspiração gerou conhecimento reflexivo através de poemas, fotografias, músicas e artes plásticas demonstrando o apego afetivo, o amor a natureza e numa análise mais profunda demonstra uma identidade ao espaço de vivência.

O poeta e escritor Quintino Cunha escreveu e imortalizou o encontro dos dois rios através do poema Encontro das Águas, que está em seu poemário Pelo Solimões, desde 1907. Cito o Decreto de 17 de Abril de 1906, que faz adotar o Escudo de Manaus, no qual está presente o Encontro das Águas, assim com se faz presente no selo da Universidade Federal do Amazonas, a mais antiga do Brasil. Nesse sentido há de compreendermos que a natureza dos rios em questão desencadeou, o que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) define como Patrimônio Cultural Imaterial: "as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural."

Patrimônio Cultural segundo a UNESCO, não se restringe apenas a imóveis oficiais isolados, igrejas ou palácios, mas na sua concepção contemporânea se estende a imóveis particulares, trechos urbanos e até ambientes naturais de importância paisagística, passando por imagens, mobiliário, utensílios e outros bens móveis. No que se refere ao Patrimônio Imaterial deve ser lembrado que “é transmitido de geração em geração e constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.

Dito isso, penso ser o momento oportuno para perguntar: por que é que pessoas vêm de “tão” longe, de outros países para conhecer, em Manaus, o Encontro das Águas? O que leva determinados indivíduos a se “desfazerem” de suas economias para ficarem, no interior de uma embarcação, sob o encontro dos dois rios a apreciar e registrar imagens, primeiro em suas memórias, e em seguida por meio de câmeras fotográficas?Para responder a tais questionamentos há necessidade de subsidiar-me na teoria do lazer proposta por Norbert Elias e Eric Dunning (1992). Seguindo o pensamento dos autores, lazer vem ser o descontrole controlado das emoções.

É a esfera social onde o indivíduo pode “libertar-se” das amarras restritivas de suas emoções, porém sob controle. É vivenciar momentos prazerosos, o renovar de emoções dentro de limites socialmente aceitáveis e compartilhados publicamente. Numa sociedade complexa, ordenada onde se exige autocontrole e a ação do Estado sob forma de controle externo, o lazer é uma esfera social, diferentemente do trabalho, onde se pode dentro de certos limites socialmente aceitos, desobstruído de obrigatoriedade e tendo o indivíduo como sendo ele mesmo a referência, gritar, pular, rir, chorar, contemplar, dançar, jogar entre outras manifestações corporais, nadar despido ou desfilar mostrando partes do corpo.

Tais atitudes e comportamentos em outra esfera social não se consentiriam. Nesse caso, visitar o Encontro das Águas não deixa de ser lazer. Para muitos é um lazer como bem de consumo. Mas é uma busca e um renovar de emoções vivenciadas por indivíduos que vêm para contemplar os rios, pular “entre” eles, contemplar a natureza exótica não mais presente em seu lugar de origem. Portanto diz-se que o encontro dos dois rios é um dos cartões postais de Manaus, atraindo indivíduos/turistas de todo o mundo e mantendo o emprego ou subsidiando a vida econômica de muitos outros indivíduos.

Não é muito dizer que por exigência do lazer, ou dos indivíduos que dele se apropriam, a manutenção do paisagismo natural desperta, estimula e “exige” atitudes e mudanças de comportamentos em prol do ambiente. É possível que se fortaleça, estimulados pelo lazer, um olhar mais sensível com relação às questões ambientais, preservando formas de vida e ambientes exóticos, dentre os quais se inclui o Encontro das Águas. Mas ao enaltecer qualidades que o lazer pode trazer não posso sem deixar de dizer, que para gozar do lazer, em nome do prazer, mansões são construídas às margens do Rio Negro, em Áreas de Preservação Permanente, assim como caçar pato-do-mato (Cairina moschata) em lagos do Amazonas é um atrativo para muitos indivíduos/turistas que vêm em busca de novas emoções ao praticar tiro em alvo móvel, porem dado as peculiaridades naturais do Amazonas, no momento em que se discutem práticas auto-sustentáveis para a região com o objetivo de amenizar os impactos ao seu eco-sistema, o lazer acena, penso eu, como um importante elemento da esfera social que pode contribuir nessas questões.

Com base no exposto, derrubo o argumento alicerçado numa visão ofuscada de analisadores que não conseguem ver o processo e exigem para justificar o tombamento de algum patrimônio cultural/natural, um movimento no qual esteja envolvido um grande número de pessoas da região ou do local do qual esse faz parte. Quero dizer com isso, que há uma rede invisível de indivíduos que de uma forma ou outra se mostra numa relação de interdependência com o Encontro da Águas. Mostra-se, portanto, favorável à homologação do tombo do Encontro das águas.

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