quarta-feira, 4 de julho de 2012

AMAZÔNIA: REGIÃO GEOPOLÍTICA COLONIAL

Roberto Monteiro de Oliveira (*)

O conceito de região é trabalhado tradicionalmente no sentido geográfico como se a natureza por si só isolada da sociedade e, portanto daqueles que constroem o território pudesse dar as características essenciais de uma região. No caso, o nordeste brasileiro se caracterizaria por ser uma região semiárida e a Amazônia, uma região quente e úmida, portadora da maior bacia hidrográfica do mundo e da maior floresta do mundo e etc.
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Este ufanismo geográfico perde sentido, isolado da geo-história e nos tem levado a interpretações deterministas de nossa região como é o caso de O rio comanda a vida, esquecendo completamente a conjuntura econômica, política e social em que fomos e estamos envolvidos, e que tem determinado nossas atividades econômicas.

A geo-história do Brasil e, consequentemente, a Geo-história da Amazônia só podem ser entendidas dentro do quadro geral da expansão comercial e colonial da Europa na época moderna. É dentro desse quadro que se deve buscar a formação e a organização da economia e da sociedade brasileira nos três primeiros séculos. É daí que tiraremos os elementos para entendermos corretamente as situações que foram sendo criadas posteriormente e que foram construindo a Geografia do nosso país, a sua paisagem geográfica e consequentemente a sociedade regional amazônica.

Antes de tudo é preciso distinguir a empresa colonial da simples exploração comercial. A exploração comercial se restringe à circulação das mercadorias, enquanto que a colonização requer investimentos na produção. Consequentemente requer a fixação dos produtores nos locais de produção.

Daí falar-se em povoamento, ou seja, a necessidade da presença dos elementos da metrópole para organizar a produção local em função das necessidades e exigências da metrópole. A economia local e desorganizada pelo colonizador e reorganizada em função de seus interesses. Este é o padrão da expansão capitalista em todo mundo. Desorganiza o local e reorganiza em função de interesses que estão muito longe das populações locais regionais. É a globalização.

A exploração das regiões coloniais bem como a sua colonização exigiam grandes investimentos de capital que correriam grandes riscos de não apresentarem retornos imediatos.

Além disso, nesta etapa da formação do capitalismo, a organização dos empresários em sua fase concorrencial não tinha condições de bancar sozinha o empreendimento colonial, daí a presença do Estado como elemento centralizador de todo tipo de recurso em nível nacional para o empreendimento colonial.

É nessa conjuntura e a partir dessas necessidades e interesses e, sobretudo, a partir das alianças entre o poder público e a iniciativa privada que se elabora e se desenvolve a chamada política mercantilista.

A política mercantilista preocupa-se em resguardar com exclusividade as regiões coloniais e manter com elas o monopólio do comércio. Esta política monopolista permite à metrópole minimizar os custos de produção dos produtos coloniais e impor preços aos produtos finais.

Assim, a venda desses produtos na sede metropolitana ou em outras metrópoles só beneficiou a burguesia mercantil metropolitana que se apropria das rendas das populações das colônias, das rendas das populações das sedes metropolitanas e das rendas das populações das outras metrópoles.

Assim a política mercantilista estabelece relações altamente vantajosas para as metrópoles e altamente prejudiciais às colônias, iniciando o processo de enriquecimento das metrópoles europeias à custa do empobrecimento cada vez maior das colônias ultramarinas.

Esta política mercantilista organiza a produção colonial dentro das condições geográficas intertropicais como prolongamento e complementação da economia das metrópoles situadas nas áreas temperadas.

As colônias situadas nas regiões intertropicais colocam-se como regiões complementares da economia das metrópoles situadas nas regiões temperadas, produzirão aquilo que as metrópoles determinarem.

Outra conveniência metropolitana é que as colônias se especializem nas monoculturas ou em poucos produtos, as plantations, cana-de-açúcar, algodão, café, soja, etc... e se tornem consumidoras dos mais variados produtos produzidos nas metrópoles, sendo isso mais um fator de enriquecimento metropolitano e empobrecimento das regiões coloniais.

Além de tudo isso a metrópole determinará a maneira de produzir os produtos coloniais com a maior lucratividade possível para o empresário metropolitano. Assim não se adota nas regiões coloniais o trabalho livre assalariado, já em plena expansão nas metrópoles, mas formas de trabalho compulsório o escravismo.

Com a abundância de terras ainda não privatizadas nas regiões tropicais seria impossível controlar as invasões dessas terras pelos assalariados livres para constituírem uma economia de subsistência voltada para seus próprios interesses e não para atender interesses dos metropolitanos. Daí a produção colonial se realizar escravizando os índios inicialmente, e posteriormente os negros africanos.

Quando o tráfico de negros africanos se torna um negócio extremamente lucrativo sem os embaraços da escravidão dos índios, a escravidão dos negros é intensificada para prover a mão-de-obra da produção colonial.

Concluindo, a empresa colonial, ou seja, a colonização das regiões tropicais fundamenta-se no monopólio comercial, daí advindo todas as outras características e exigências da colonização das regiões tropicais:

1 - resguardo exclusivo das regiões coloniais;
2 - complementariedade da economia metropolitana;
3 - especialização na produção;
4 - estrutura agrária latifundiária associada ao trabalho escravo.
Deve-se notar que esta política mercantilista de conservar a Amazônia como região colonial extrativista se mantém até os dias atuais. Passamos do extrativismo florestal para o extrativismo mineral, mas continuamos extrativistas, mandando matérias-primas e consumindo produtos industrializados. As nossas matérias primas continuam saindo in natura para os grandes centros industriais e retornam em forma de produtos acabados.

Basta analisar como foi a exploração do manganês do Amapá, do ouro de Serra Pelada; como funcionam atualmente, a Vale do Rio Doce e a Albras/Alunorte etc...

É muito fácil constatar as desvantagens dessas relações, basta comparar quanto custa um quilo de borracha in natura e quanto custa um tênis importado, quanto custa um quilo de minério de ferro de Carajás e quanto custa um quilo de prego, ou um terçado ou martelo. Quanto custa um barrinha de alumínio e quanto custa uma panela de alumínio, por exemplo, etc....

Quanto aos determinantes de nossas atividades econômicas é fácil constatar. Historicamente iniciamos coletando as drogas do sertão para atendermos aos gostos e interesses dos europeus. Passando a coletar leite de seringueiras em função da indústria automobilística, que demandava pneus e derivados da borracha.

Atualmente, são os nossos fármacos, produtos farmacêuticos advindos da floresta, objetos da cobiça internacional, que dá lugar a biopirataria.

Em Manaus instalou-se um distrito industrial eletroeletrônico não em função de nossos interesses ou necessidades, mas em função dos interesses das grandes corporações multinacionais.

Incentivou-se em toda Amazônia o cultivo da juta não em função de necessidade sentidas pela nossa comunidade, que precisa de arroz, feijão, milho, etc... mas em função de embalar esses mesmos produtos produzidos em outras regiões do país.

Finalizando, constata-se que os atuais investimentos feitos na Amazônia obedecem à mesma lógica de mantê-la como região colonial. Os grupos empresariais capitalistas condicionam seus investimentos aos incentivos fiscais. O Estado continua associado aos interesses privados, bancando a maior parte dos investimentos, transferindo recursos públicos para investidores privados. Tudo feito com a propaganda enganosa do desenvolvimento sustentável e da economia verde.

Essencialmente a Amazônia continua sendo o Eldorado, o lugar do enriquecimento rápido e fácil, onde a exploração da natureza e a exploração e expropriação da sua força de trabalho, os trabalhadores índios e caboclos, cabocas, ribeirinhos e outros são incentivadas e legitimadas pelos aparelhos de Estado, perpetuando o lema: Ultra aequinotialem non peccatur. (Não se comete pecado na linha do equador).

Atualmente a Amazônia sofre as consequências desastrosas da “Operação Amazônia”. O que será da Amazônia após as obras do PAC?

(*) É professor e pesquisador na área de geografia.

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