AMAZÔNIA: REGIÃO GEOPOLÍTICA COLONIAL
Roberto Monteiro de Oliveira (*)
O conceito de região é trabalhado
tradicionalmente no sentido geográfico como se a natureza por si só isolada da
sociedade e, portanto daqueles que constroem o território pudesse dar as
características essenciais de uma região. No caso, o nordeste brasileiro se
caracterizaria por ser uma região semiárida e a Amazônia, uma região quente e
úmida, portadora da maior bacia hidrográfica do mundo e da maior floresta do
mundo e etc.
..
Este ufanismo geográfico perde sentido,
isolado da geo-história e nos tem levado a interpretações deterministas de
nossa região como é o caso de O rio comanda a vida, esquecendo completamente a
conjuntura econômica, política e social em que fomos e estamos envolvidos, e
que tem determinado nossas atividades econômicas.
A geo-história do Brasil e, consequentemente,
a Geo-história da Amazônia só podem ser entendidas dentro do quadro geral da
expansão comercial e colonial da Europa na época moderna. É dentro desse quadro
que se deve buscar a formação e a organização da economia e da sociedade
brasileira nos três primeiros séculos. É daí que tiraremos os elementos para
entendermos corretamente as situações que foram sendo criadas posteriormente e
que foram construindo a Geografia do nosso país, a sua paisagem geográfica e
consequentemente a sociedade regional amazônica.
Antes de tudo é preciso distinguir a empresa
colonial da simples exploração comercial. A exploração comercial se restringe à
circulação das mercadorias, enquanto que a colonização requer investimentos na
produção. Consequentemente requer a fixação dos produtores nos locais de
produção.
Daí falar-se em povoamento, ou seja, a
necessidade da presença dos elementos da metrópole para organizar a produção
local em função das necessidades e exigências da metrópole. A economia local e
desorganizada pelo colonizador e reorganizada em função de seus interesses.
Este é o padrão da expansão capitalista em todo mundo. Desorganiza o local e
reorganiza em função de interesses que estão muito longe das populações locais
regionais. É a globalização.
A exploração das regiões coloniais bem como a
sua colonização exigiam grandes investimentos de capital que correriam grandes
riscos de não apresentarem retornos imediatos.
Além disso, nesta etapa da formação do
capitalismo, a organização dos empresários em sua fase concorrencial não tinha
condições de bancar sozinha o empreendimento colonial, daí a presença do Estado
como elemento centralizador de todo tipo de recurso em nível nacional para o
empreendimento colonial.
É nessa conjuntura e a partir dessas
necessidades e interesses e, sobretudo, a partir das alianças entre o poder
público e a iniciativa privada que se elabora e se desenvolve a chamada
política mercantilista.
A política mercantilista preocupa-se em
resguardar com exclusividade as regiões coloniais e manter com elas o monopólio
do comércio. Esta política monopolista permite à metrópole minimizar os custos
de produção dos produtos coloniais e impor preços aos produtos finais.
Assim, a venda desses produtos na sede
metropolitana ou em outras metrópoles só beneficiou a burguesia mercantil
metropolitana que se apropria das rendas das populações das colônias, das
rendas das populações das sedes metropolitanas e das rendas das populações das
outras metrópoles.
Assim a política mercantilista estabelece
relações altamente vantajosas para as metrópoles e altamente prejudiciais às
colônias, iniciando o processo de enriquecimento das metrópoles europeias à
custa do empobrecimento cada vez maior das colônias ultramarinas.
Esta política mercantilista organiza a
produção colonial dentro das condições geográficas intertropicais como
prolongamento e complementação da economia das metrópoles situadas nas áreas
temperadas.
As colônias situadas nas regiões
intertropicais colocam-se como regiões complementares da economia das
metrópoles situadas nas regiões temperadas, produzirão aquilo que as metrópoles
determinarem.
Outra conveniência metropolitana é que as
colônias se especializem nas monoculturas ou em poucos produtos, as
plantations, cana-de-açúcar, algodão, café, soja, etc... e se tornem
consumidoras dos mais variados produtos produzidos nas metrópoles, sendo isso
mais um fator de enriquecimento metropolitano e empobrecimento das regiões
coloniais.
Além de tudo isso a metrópole determinará a
maneira de produzir os produtos coloniais com a maior lucratividade possível
para o empresário metropolitano. Assim não se adota nas regiões coloniais o
trabalho livre assalariado, já em plena expansão nas metrópoles, mas formas de
trabalho compulsório o escravismo.
Com a abundância de terras ainda não
privatizadas nas regiões tropicais seria impossível controlar as invasões
dessas terras pelos assalariados livres para constituírem uma economia de
subsistência voltada para seus próprios interesses e não para atender interesses
dos metropolitanos. Daí a produção colonial se realizar escravizando os índios
inicialmente, e posteriormente os negros africanos.
Quando o tráfico de negros africanos se torna
um negócio extremamente lucrativo sem os embaraços da escravidão dos índios, a
escravidão dos negros é intensificada para prover a mão-de-obra da produção
colonial.
Concluindo, a empresa colonial, ou seja, a
colonização das regiões tropicais fundamenta-se no monopólio comercial, daí
advindo todas as outras características e exigências da colonização das regiões
tropicais:
1 - resguardo exclusivo das regiões
coloniais;
2 - complementariedade da economia
metropolitana;
3 - especialização na produção;
4 - estrutura agrária latifundiária associada
ao trabalho escravo.
Deve-se notar que esta política mercantilista
de conservar a Amazônia como região colonial extrativista se mantém até os dias
atuais. Passamos do extrativismo florestal para o extrativismo mineral, mas
continuamos extrativistas, mandando matérias-primas e consumindo produtos
industrializados. As nossas matérias primas continuam saindo in natura para os
grandes centros industriais e retornam em forma de produtos acabados.
Basta analisar como foi a exploração do
manganês do Amapá, do ouro de Serra Pelada; como funcionam atualmente, a Vale
do Rio Doce e a Albras/Alunorte etc...
É muito fácil constatar as desvantagens
dessas relações, basta comparar quanto custa um quilo de borracha in natura e quanto custa um tênis
importado, quanto custa um quilo de minério de ferro de Carajás e quanto custa
um quilo de prego, ou um terçado ou martelo. Quanto custa um barrinha de
alumínio e quanto custa uma panela de alumínio, por exemplo, etc....
Quanto aos determinantes de nossas atividades
econômicas é fácil constatar. Historicamente iniciamos coletando as drogas do
sertão para atendermos aos gostos e interesses dos europeus. Passando a coletar
leite de seringueiras em função da indústria automobilística, que demandava
pneus e derivados da borracha.
Atualmente, são os nossos fármacos, produtos
farmacêuticos advindos da floresta, objetos da cobiça internacional, que dá
lugar a biopirataria.
Em Manaus instalou-se um distrito industrial
eletroeletrônico não em função de nossos interesses ou necessidades, mas em
função dos interesses das grandes corporações multinacionais.
Incentivou-se em toda Amazônia o cultivo da
juta não em função de necessidade sentidas pela nossa comunidade, que precisa
de arroz, feijão, milho, etc... mas em função de embalar esses mesmos produtos
produzidos em outras regiões do país.
Finalizando, constata-se que os atuais
investimentos feitos na Amazônia obedecem à mesma lógica de mantê-la como
região colonial. Os grupos empresariais capitalistas condicionam seus
investimentos aos incentivos fiscais. O Estado continua associado aos
interesses privados, bancando a maior parte dos investimentos, transferindo
recursos públicos para investidores privados. Tudo feito com a propaganda
enganosa do desenvolvimento sustentável e da economia verde.
Essencialmente a Amazônia continua sendo o
Eldorado, o lugar do enriquecimento rápido e fácil, onde a exploração da
natureza e a exploração e expropriação da sua força de trabalho, os
trabalhadores índios e caboclos, cabocas, ribeirinhos e outros são incentivadas
e legitimadas pelos aparelhos de Estado, perpetuando o lema: Ultra
aequinotialem non peccatur. (Não se comete pecado na linha do equador).
Atualmente a Amazônia sofre as consequências
desastrosas da “Operação Amazônia”. O que será da Amazônia após as obras do
PAC?
(*)
É professor e pesquisador na área de geografia.
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