AS
ELEIÇÕES E O PODER DO MOVIMENTO INDÍGENA EM SÃO GRABRIEL DA CACHOEIRA
Gersem
Baniwa (Gersem José dos Santos Luciano) (*)
o poder político, seja para os índios
ou não índios, tanto pode ser um instrumento de solução para muitos problemas
quanto pode ser um instrumento para o fracasso e tragédia na vida das pessoas e
de grupos sociais. O que pode fazer a
diferença não é se o ocupante do poder é índio ou não-índio, mas outras estratégias
e mecanismos de controle de poder, como por exemplo, formação e experiência ou
qualificado controle social, que no caso de São Gabriel da Cachoeira, (a
noroeste do Estado do Amazonas) o movimento indígena e a FOIRN – Federação das
Organizações Indígenas Do Rio Negro - deveria ter tido condições para exercer
este e evitar a manipulação e cooptação do prefeito indígena por grupos políticos
brancos corruptos.
Outro aspecto diz respeito ao significado, ao
lugar e aos modos de relações que se estabelecem no campo do poder no mundo
indígena e no mundo dos brancos. As formas de exercício do poder no mundo dos
brancos são muitas vezes distintas e conflitantes com os modos de exercício de
poder entre os povos indígenas, como se pode observar na experiência de São
Gabriel da Cachoeira. Se poderia perguntar, porque, os povos indígenas, mesmo
sabendo do fracasso da gestão, considerando os propósitos tomados pelo
movimento indígena ao decidir eleger administradores indígenas, não tomaram
nenhuma medida na tentativa de resolver o problema? Uma das possíveis razões
para essa apatia e omissão, verificados junto ás lideranças indígenas, é o
fator corporativismo étnico que eu chamo “etnicídio”. Ou seja, por ser um
parente, nenhum indígena ou povo indígena se sentia á vontade para fazer alguma
coisa ‘contra’ o parente, todos preferindo atitude de indiferença e omissão, ainda
que isso pudesse levar todos ao fracasso, em nome de uma moral interna ao movimento
e às relações interclânicas e intraétnicas. Por vezes ouvi de lideranças 334 indígenas
frases como: “ele (prefeito) é nosso parente, não podemos fazer nada, deixem ele
aí”. Deste modo, imperou a visão corporativa acima dos interesses coletivos ou ainda
que na concorrência entre o modelo de poder do branco e os modelos de relações de
poder entre os povos indígenas imperaram as relações tradicionais de
poder.
Em 2011, as lideranças indígenas reiniciaram
as discussões sobre as eleições de 2012 e quando se tratava de discutir a
possibilidade de recuperar a aliança triângulo tucano e triângulo baniwa-werequena-baré,
as lideranças do triângulo tucano eram enfáticas ao afirmar que á única
possibilidade para isso era sacrificar (excluir) os dois mandatários indígenas
(prefeito e vice-prefeito), mesmo reconhecendo que o vice-prefeito não tinha
nenhuma responsabilidade com o fracasso da gestão, uma vez que desde o início
tomou a decisão de ser independente e crítico à própria gestão de que fazia
parte. Ou seja, a força do corporativismo étnico era mais uma vez presente e definidora
nas relações de poder.
Pode-se
estabelecer um paralelo entre a “moral corporativa” e de “lealdade” que os
membros de um partido político ou de um sindicato exercem sobre seus
companheiros filiados e a “moral corporativa” e de “lealdade” adotada pelo
movimento indígena e os grupos étnicos do Alto Rio Negro em relação aos seus
membros, mesmo quando o que está em jogo é um o projeto etnopolítico.
O que é interessante destacar dessa
experiência fracassada da gestão indígena é a clara cobrança de uma
administração indígena mais do que se cobraria de uma administração não
indígena, entretanto, já que o modelo de governo é hegemônico não se pode
esperar que uma administração indígena seja necessariamente menos sujeito a interferência
de partidos políticos, e menos sujeitos à corrupção, do que uma administração
não indígena. É uma utopia ter um governo local indígena que representa os
interesses dos povos indígenas, mas este governo enfrenta os mesmos problemas
de qualquer governo local ou regional. É o início do desafio.
Por
fim, é importante destacar que isso não significa benevolência dos povos com
seus membros, pois devem ter suas maneiras de punir seus membros quando contrariam
seus interesses e suas regras morais. Também não significa que o projeto etnopolítico
tenha perdido relevância ou tenham abdicado dele. O ano de 2011 foi repleto de
discussões e articulações para reconstruir a aliança indígena e assim reapresentar
uma candidatura genuinamente indígena para dar continuidade ao projeto, desta
vez com a estratégia de dispor de seus quadros mais qualificados no campo técnico-acadêmico
para concorrer às eleições de 2012.
(*)
É Baniwa, ex-secretário de educação do município e doutor em antropologia pela
UNB. O texto é um recorte extraído de sua tese defendida em 2011.
Confr. http://www.cinep.org.br/uploads/6545c7e42fb50f70fd46095eae968ed8eb8b9cfa.pdf
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