Dissertação - você tem de
fazer uma! E agora?
Alexandre Barros (*)
Escrever
uma tese ou dissertação para um curso de pós-graduação é um dos processos mais
desgastantes da vida de uma pessoa. Primeiro, orientadores costumam ser
vaidosos e autoritários: fazem demandas desnecessárias, trabalhosas e
desgastantes para gente que só quer cumprir seus requisitos e seguir com a
vida. Segundo, a preocupação com a dissertação permeia todo o curso e todos os
orientadores dizem ao candidato que tem de fazer uma dissertação, raramente
explicam como chegar lá.
Alguns dizem: "Vá à biblioteca,
olhe algumas teses e você verá como é". Orientação tão útil quanto dizer a
qualquer um de nós que pergunte a alguém como fazer um computador e receber
esta resposta: "Tire a tampa, olhe lá dentro e você saberá como fazer um
computador". É claro que tais respostas não levam a nada. Ver um produto
pronto não nos diz como aquele monte de metal ou de plástico virou um automóvel
ou como uns pozinhos químicos misturados e comprimidos viram remédios que curam
desde uma dor de cabeça até uma complexa hepatite C.
Depois de ver o sofrimento de
inúmeros estudantes com esses processos e tentar ensinar-lhes o pulo do gato,
descobri que o alcance que eu podia ter era muito limitado. Durante a vida
posso ter influenciado algumas centenas de estudantes, mas não acredito ter
chegado ao primeiro milhar.
Conversei com alunos de várias
universidades do mundo e lhes perguntei: "Alguém ensinou a vocês como
fazer uma dissertação?" Resposta unânime: "Não, disseram-nos que nós
tínhamos de fazer uma, mas nunca ninguém nos explicou como chegar lá".
Há algum tempo eu só conhecia o
YouTube (que tem só 7 anos de idade) de referências, ou de receber links para
gatos que tocavam piano ou violino, ou bebês fazendo acrobacias que rivalizam
com Carlitos. Um dia me perguntei: por que não? Se escrever um livro gastarei
muito tempo e, com muito sucesso, venderei 5 mil exemplares, mas só com muita
sorte. O impacto que o livro poderá ter será minúsculo. Que tal testar o
YouTube? Gravei um vídeo simples, há pouco mais de dois anos. Será que isso compete
com gatos que tocam piano? Claro que não. Agora completou 20 mil exibições.
Nada comparado a bebês acrobatas, mas, certamente, muito mais do que um livro.
Benefícios adicionais: é grátis, todos podem ver, é infinitamente repetível.
Não gasta papel nem tinta.
Recebi muitas mensagens, a maioria de
estudantes agradecidos porque o vídeo lhes tirou um grande peso das costas. Nem
todos gostaram. Uma moça me disse que punha o vídeo para adormecer seu bebê, de
tão chato que era. Serendipity: feito para facilitar a vida de quem tinha de
escrever uma dissertação, servia também para adormecer bebês! Como tudo o que
se diz, escreve ou publica, cada um lê, ouve ou usa como bem lhe parece.
Após um ano, resolvi fazer um
segundo. O primeiro era sobre como se relacionar com o orientador. O segundo,
sobre como organizar ideias e material, enfatizando principalmente que quem ia
escrever a dissertação tinha ideias e elas eram boas, o que raros orientadores
dizem a seus estudantes. O propósito era duplo: ensinava e dava uma injeção de
otimismo e segurança psicológica.
Também dei aulas sobre o método.
Durante uma aula, um estudante me disse: "Professor, do jeito que o senhor
ensina fica tão fácil que parece até conto do vigário". Respondi: "É
fácil mesmo. Os orientadores complicam para resolver problemas psicológicos
deles, pouco importando o dano que isso possa causar aos alunos".
Testei outra ideia: muitas cabeças
pensam melhor e mais criativamente que poucas. O método era baseado em livre
associação de ideias. Um aluno questionou: "Professor, o senhor acha que
funcionaria se cada um de nós, perante a turma, dissesse sobre o que pretende
fazer a sua dissertação e ouvisse as ideias dos colegas?" Ponderei que
nunca tinha tentado, mas não custaria experimentar. Foi um sucesso. Cada um
chegava lá, dizia seu tema e os colegas eram convidados a escrever em diversos
papéis soltos os vários aspectos que abordariam se tivessem de fazer uma
dissertação sobre aquele tema. Cada aluno saiu com uma pilha de ideias
fornecidas pelos colegas e o trabalho dali para a frente era pôr todas aquelas
ideias em ordem, usar as importantes e descartar as supérfluas.
Todos os estudantes fizeram isso e a
produtividade aumentou muito. Princípio básico do capitalismo: se cada um
contribuir um pouco, o produto final pode ser melhor e maior.
Tecnologias modernas podem ser um
complemento para tecnologias antigas. Testar inovação, sobretudo se o preço for
barato ou tender a zero, como é o custo de fazer e colocar um vídeo no YouTube,
vale. Esta é a beleza do mercado: milhares de pessoas tomarão decisões
independentemente de procurar, achar, decidir se vão ou não ver um vídeo,
gostar ou não gostar, aproveitar ou não. Cada uma verá com os seus olhos,
através de suas lentes, e fará o uso que bem entender.
Guttenberg não estava fazendo uma
revolução quando inventou a imprensa, apenas produzindo um modo diferente de
disseminar ideias. Outros usaram como bem entenderam e a imprensa trouxe
progresso. James Watt também não estava fazendo uma revolução quando descobriu
que o vapor podia ser usado para tocar máquinas. O mercado adaptou, para
melhor. Depois chamou aquilo de Revolução Industrial, um nome mais elegante
para um conjunto de técnicas que tornaram a vida das pessoas melhor.
Não tenho essa ambição, apenas fico
feliz por saber que alguns estudantes estarão sofrendo menos porque decidi
testar uma tecnologia nova para um propósito que me pareceu razoável. Se deu
certo, tanto melhor, reforça o meu sentimento de ser um otimista a respeito do
futuro da humanidade.
(*) É cientista política (ph.d. pela
University of Chicago), analista de risco político E-Mail: Alex@eaw.com.br
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