sexta-feira, 13 de julho de 2012


Dissertação - você tem de fazer uma! E agora?

Alexandre Barros  (*)
Escrever uma tese ou dissertação para um curso de pós-graduação é um dos processos mais desgastantes da vida de uma pessoa. Primeiro, orientadores costumam ser vaidosos e autoritários: fazem demandas desnecessárias, trabalhosas e desgastantes para gente que só quer cumprir seus requisitos e seguir com a vida. Segundo, a preocupação com a dissertação permeia todo o curso e todos os orientadores dizem ao candidato que tem de fazer uma dissertação, raramente explicam como chegar lá.
Alguns dizem: "Vá à biblioteca, olhe algumas teses e você verá como é". Orientação tão útil quanto dizer a qualquer um de nós que pergunte a alguém como fazer um computador e receber esta resposta: "Tire a tampa, olhe lá dentro e você saberá como fazer um computador". É claro que tais respostas não levam a nada. Ver um produto pronto não nos diz como aquele monte de metal ou de plástico virou um automóvel ou como uns pozinhos químicos misturados e comprimidos viram remédios que curam desde uma dor de cabeça até uma complexa hepatite C.
Depois de ver o sofrimento de inúmeros estudantes com esses processos e tentar ensinar-lhes o pulo do gato, descobri que o alcance que eu podia ter era muito limitado. Durante a vida posso ter influenciado algumas centenas de estudantes, mas não acredito ter chegado ao primeiro milhar.
Conversei com alunos de várias universidades do mundo e lhes perguntei: "Alguém ensinou a vocês como fazer uma dissertação?" Resposta unânime: "Não, disseram-nos que nós tínhamos de fazer uma, mas nunca ninguém nos explicou como chegar lá".
Há algum tempo eu só conhecia o YouTube (que tem só 7 anos de idade) de referências, ou de receber links para gatos que tocavam piano ou violino, ou bebês fazendo acrobacias que rivalizam com Carlitos. Um dia me perguntei: por que não? Se escrever um livro gastarei muito tempo e, com muito sucesso, venderei 5 mil exemplares, mas só com muita sorte. O impacto que o livro poderá ter será minúsculo. Que tal testar o YouTube? Gravei um vídeo simples, há pouco mais de dois anos. Será que isso compete com gatos que tocam piano? Claro que não. Agora completou 20 mil exibições. Nada comparado a bebês acrobatas, mas, certamente, muito mais do que um livro. Benefícios adicionais: é grátis, todos podem ver, é infinitamente repetível. Não gasta papel nem tinta.
Recebi muitas mensagens, a maioria de estudantes agradecidos porque o vídeo lhes tirou um grande peso das costas. Nem todos gostaram. Uma moça me disse que punha o vídeo para adormecer seu bebê, de tão chato que era. Serendipity: feito para facilitar a vida de quem tinha de escrever uma dissertação, servia também para adormecer bebês! Como tudo o que se diz, escreve ou publica, cada um lê, ouve ou usa como bem lhe parece.
Após um ano, resolvi fazer um segundo. O primeiro era sobre como se relacionar com o orientador. O segundo, sobre como organizar ideias e material, enfatizando principalmente que quem ia escrever a dissertação tinha ideias e elas eram boas, o que raros orientadores dizem a seus estudantes. O propósito era duplo: ensinava e dava uma injeção de otimismo e segurança psicológica.
Também dei aulas sobre o método. Durante uma aula, um estudante me disse: "Professor, do jeito que o senhor ensina fica tão fácil que parece até conto do vigário". Respondi: "É fácil mesmo. Os orientadores complicam para resolver problemas psicológicos deles, pouco importando o dano que isso possa causar aos alunos".
Testei outra ideia: muitas cabeças pensam melhor e mais criativamente que poucas. O método era baseado em livre associação de ideias. Um aluno questionou: "Professor, o senhor acha que funcionaria se cada um de nós, perante a turma, dissesse sobre o que pretende fazer a sua dissertação e ouvisse as ideias dos colegas?" Ponderei que nunca tinha tentado, mas não custaria experimentar. Foi um sucesso. Cada um chegava lá, dizia seu tema e os colegas eram convidados a escrever em diversos papéis soltos os vários aspectos que abordariam se tivessem de fazer uma dissertação sobre aquele tema. Cada aluno saiu com uma pilha de ideias fornecidas pelos colegas e o trabalho dali para a frente era pôr todas aquelas ideias em ordem, usar as importantes e descartar as supérfluas.
Todos os estudantes fizeram isso e a produtividade aumentou muito. Princípio básico do capitalismo: se cada um contribuir um pouco, o produto final pode ser melhor e maior.
Tecnologias modernas podem ser um complemento para tecnologias antigas. Testar inovação, sobretudo se o preço for barato ou tender a zero, como é o custo de fazer e colocar um vídeo no YouTube, vale. Esta é a beleza do mercado: milhares de pessoas tomarão decisões independentemente de procurar, achar, decidir se vão ou não ver um vídeo, gostar ou não gostar, aproveitar ou não. Cada uma verá com os seus olhos, através de suas lentes, e fará o uso que bem entender.
Guttenberg não estava fazendo uma revolução quando inventou a imprensa, apenas produzindo um modo diferente de disseminar ideias. Outros usaram como bem entenderam e a imprensa trouxe progresso. James Watt também não estava fazendo uma revolução quando descobriu que o vapor podia ser usado para tocar máquinas. O mercado adaptou, para melhor. Depois chamou aquilo de Revolução Industrial, um nome mais elegante para um conjunto de técnicas que tornaram a vida das pessoas melhor.
Não tenho essa ambição, apenas fico feliz por saber que alguns estudantes estarão sofrendo menos porque decidi testar uma tecnologia nova para um propósito que me pareceu razoável. Se deu certo, tanto melhor, reforça o meu sentimento de ser um otimista a respeito do futuro da humanidade.
(*) É cientista política (ph.d. pela University of Chicago), analista de risco político E-Mail: Alex@eaw.com.br

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