Nenhum dia mais é dia do índio
Márcio
Santilli (*)
Com
o fim da ditadura, o Dia do Índio foi adotado como ocasião oportuna para os
governos apresentarem um balanço do que andam fazendo a respeito e, via de
regra, aproveitarem a visibilidade do assunto para anunciar demarcações de
terras indígenas (TIs). Cumprimento, ainda que lento, da Constituição.
Há também os que consideram a
homenagem uma forma hipócrita de afagar aqueles a quem se negam direitos nos
demais dias do ano: “todo dia era dia de índio”. Ou, deveria ser, pois são
atores vivos do presente e do futuro, não apenas do passado. Em 2012, no
entanto, a presidente Dilma preferiu nem realizar qualquer cerimônia, muito
menos anunciar alguma demarcação. Pouco depois, homologou sete TIs, num total
de pouco mais de 900 mil hectares. E seguiu-se um ano duro para os índios, com
os processos fundiários quase paralisados, nenhum investimento sério na gestão
das terras demarcadas, imposição de obras impactantes sem consulta e com
condicionantes fictícios.
Nunca antes na história deste país,
porém, havíamos assistido a uma semana do índio como esta, de 2013, antecedida
do envio da Força Nacional para aterrorizar aldeias dos índios Munduruku, que
se opõem à implatanção de mais de 7 hidrelétricas no Rio Tapajós (PA), o que o
transformará numa sequência de lagos mortos que inundariam parte das suas
terras. Enquanto isso, o presidente da Câmara, Henrique Alves, anunciou a
instalação de uma comissão para analisar uma proposta de emenda à Constituição
visando travar, no Congresso, a demarcação de TIs. Uma emenda para descumprir o
princípio constitucional. Depois da ocupação do plenário da Câmara por
manifestantes revoltados com a medida, Alves suspendeu a discussão do assunto
por seis meses.
Vale destacar o esforço da Fundação
Nacional do Índio (Funai), neste ano, para identificar as terras dos Guarani
Kaiowá, etnia mais numerosa do Brasil e que dispõe de menor extensão de áreas
do que as destinadas aos assentados da reforma agrária do Mato Grosso do Sul.
Já o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em vez de tomar a decisão
política de oficializar essas terras, que cabe a ele e não à Funai, prefere
receber ruralistas, acolher interesses contrariados e fragilizar a posição da
órgão vinculado ao seu ministério. Em 28 meses de governo, ele delimitou apenas
duas TIs, num total de 5 mil hectares. Até o momento, é o ministro mais omisso,
desde o final da ditadura, no que se refere ao provimento de justiça.
Pior ainda foi a atuação da Advocacia
Geral da União (AGU), que, na esteira de escandalosos pareceres produzidos para
atender interesses escusos, também expediu uma portaria para generalizar
restrições às demarcações. Em vista de intensos protestos, a AGU acabou
suspendendo a norma, sem, no entanto, reconhecer e revogar o dano pretendido às
TIs, que são bens da União.
Também cabe um destaque positivo para a retirada de invasores da terra Marãiwatséde, dos Xavante (MT), para a qual foi decisiva a ação articulada de vários órgãos, por meio da Secretaria Geral da Presidência. Mas não há como atender à demanda acumulada por uma secretaria sem estrutura executiva.
Os pontos de apoio que restam aos índios dentro desse governo estão remando contra a corrente.
Atravessamos conjunturas diversas e
adversas para os direitos indígenas no período democrático mais recente. Mas o
atual governo é o primeiro a renunciar à responsabilidade histórica e à
obrigação constitucional de tutelar os direitos das minorias, cujo destino foi
relegado às correlações locais de força e à sanha dos seus inimigos. Assim,
nenhum dia mais será dia de índio.
(*) É coordenador de política e direito socioambiental do Instituto Socioambiental, foi deputado federal pelo PMDB-SP (1983-86) e presidente da Fundação Nacional do Índio (1995-96).
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/04/1265070-marcio-santilli-nenhum-dia-mais-e-dia-de-indio.shtml
(*) É coordenador de política e direito socioambiental do Instituto Socioambiental, foi deputado federal pelo PMDB-SP (1983-86) e presidente da Fundação Nacional do Índio (1995-96).
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/04/1265070-marcio-santilli-nenhum-dia-mais-e-dia-de-indio.shtml
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