NO BRASIL FLANELA É SINÔNIMO DE EXTORSÃO
Ellza
Souza (*)
Esse negócio de “reparar carro” no
espaço público é algo que foi surgindo à medida que as cidades foram explodindo
demograficamente. Muita gente veio do interior à procura de trabalho que não
tem pra todo mundo. Então inventaram isso. O “negócio” foi crescendo. Crianças,
jovens e adultos, sem estudo e sem vontade de trabalhar se aperfeiçoaram e a
coisa foi prosperando. Hoje é uma atividade que ninguém tolera, como os
camelôs, mas ninguém consegue organizar para que essas pessoas se enquadrem
como trabalhadores e ganhem seu salário dignamente sem precisar constranger,
extorquir, ameaçar. Aliás tudo que se relaciona a público: verba pública,
espaço público, o próprio público, é tratado com desprezo pelas autoridades.
Temos tudo e não temos nada. E vai-se criando esses grupos “de trabalhadores”
que sabemos fazem de tudo, menos trabalhar.
Nesse mundo ao relento aprende-se de um tudo. Juntam-se aos bem intencionados,
os maus, os que chegam cheios de ideias para manipular essas pessoas
abandonadas pelo poder “público”. Formam-se verdadeiras quadrilhas na rua que
ficam entulhadas de vendedores, flanelas e o “diabo a quatro”, tomando
calçadas, ruas, meio-fio. Tornam-se os donos do espaço do público. Os
governantes das cidades não têm tempo pra tratar disso. Estão ocupados com
negócios mais ousados. Flanelinha? Algo tão meigo, inofensivo. Extorsão?
Corrupção? Já nos acostumamos com isso. Uma reclamação aqui, outra ali, nada
que incomode. Estamos vivendo entre escândalos, desmandos, desvios, impunidade.
E a coisa vai tomando forma. Na rua vai-se aprendendo regras para melhor
achacar a população. A ousadia vai tomando forma e o enfrentamento e a tragédia
só não acontecem porque quem tem carro acha que é rico e pode pagar “20 real”
para estacionar num lugar que não é seu mas é nosso. Essa apatia é
geral e quem está no poder sabe que para continuar assim é só deixar como está:
saúde ruim (doente o povo não tem forças para lutar); estradas ruins (mal
alimentado pois não tem como trazer a produção do campo para a cidade principalmente
se for através dos rios); lazer e cultura (apenas grandes eventos, coisas como
museus, bibliotecas, teatros nas comunidades não interessam). Educação então
nem pensar. O desprezo pela educação de qualidade, eficiente, é tanta que basta
observar as escolas públicas principalmente as do interior que o abandono é
integral. Nas pequenas cidades que parecem tão fáceis de administrar dá pra ver
coisas como lixo jogado na beira dos rios, fruteiras “carregadas” cujos frutos
não chegam às feiras da cidade (no caso de Manaus), escolinhas fazendo festas e
no fim os copos descartáveis são jogados no meio da mata. Não é falta de
projetos que esses estão por toda parte com belos títulos. É falta de decência
mesmo.
Quando começou esse negócio de reparar
carro eu trabalhava num banco no centro. Início da década de 80. Naquela época
já não aceitava esse tipo de coisa. E não dava dinheiro para o elemento que
aparecia do nada e dizia estar “reparando” o carro velho que eu tinha. Preferi
vender o carro a me sujeitar ao estresse todos os dias. Apelei para a carona,
para o ônibus, para o jegue até, só não posso me sujeitar a algo que não
concordo e não acho correto. Assim como os flanelas, os que jogam lixo nos rios
e igarapés, os camelôs, devem ser multados e tirados das vias públicas. Ou
acabamos com essa esculhambação que “impera” nas grandes cidades ou todos
viveremos cada vez mais reféns do descaso de políticos que não estão nem aí
para exercer a atividade para os quais foram eleitos: cuidar do público.
(*)
É escritora, jornalista e articulista do NCPAM/UFAM.
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