190 ANOS:
CONHEÇA A HISTÓRIA
DO PARLAMENTO BRASILEIRO E A SUA IMPORTÂNCIA PARA A DEMOCRACIA
Cristiane Bernardes (*)
Em
3 maio de 1823, às 12h30, teve início a aventura parlamentar brasileira, com a
Sessão Solene de Instalação da Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa do
Império do Brasil. Estava criado o primeiro órgão legislativo de representação
nacional.
Não foi algo imprevisto, como a
palavra aventura pode denotar. O processo de criação do corpo legislativo tem
seu início em 7 de março de 1821, com a Primeira Lei Eleitoral brasileira, um
Decreto de D. João VI que convoca eleições para os deputados brasileiros que
deveriam participar das Cortes Gerais em Portugal. Pela primeira vez, como
destaca o consultor legislativo Márcio Rabat, há um corpo representativo do
país inteiro e formalmente autônomo de qualquer nação estrangeira. E isso antes
mesmo de o País decretar sua independência de Portugal.
Trata-se de uma aventura, portanto,
em apenas um dos sentidos atribuídos à palavra pelo dicionário: ação ou empresa
arriscada. Risco que não era privativo dos 102 representantes das províncias
que deveriam tomar lugar na primeira assembleia, mas que também existia para o
próprio imperador. Segundo o deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), houve
grande pressão popular para criar o parlamento. O professor Walter Costa Porto
diz que D. Pedro I abriu mão de parte do seu poder, para tentar implantar o
parlamentarismo, mas irritou-se quando os deputados quiseram enfrentá-lo.
Tanto é assim que, com apenas seis
meses de funcionamento, em 12 de novembro de 1823, a assembleia é dissolvida
por Sua Majestade, depois do acirramento das relações por conta da entrada em
discussão do projeto de lei sobre a liberdade de imprensa, em 10 de novembro. A
passagem foi marcada pelo uso da força e da violência, sendo que D. Pedro I
chegou a mandar apontar canhões para o Parlamento e prender vários deputados.
Absolutismo
Para o historiador Antônio Barbosa,
“Pedro I é alguém que nasceu em uma casa real europeia absolutista. Desde a
mais tenra idade foi educado e preparado para ser um rei absolutista. Só que,
quando chega o momento de ser imperador, o absolutismo já estava sendo
derrubado. D. Pedro compreende essa nova realidade histórica da qual ele é um
agente importante, um protagonista, mas, ao mesmo tempo, ele tem
características profundamente autoritárias. Daí esse embate com o Parlamento”. Isso,
segundo ele, explica a famosa frase de D. Pedro para os constituintes: “Que os
senhores façam uma Constituição digna do Brasil e de mim”, ou seja, que
atendesse aos interesses dele.
Ao todo, nos seis meses de
funcionamento, a Constituinte aprovou e sancionou seis projetos de lei, dos 39
apresentados, além de sete requerimentos, 157 indicações, 237 pareceres, o
regimento interno e uma proclamação aos povos do Brasil. O projeto de lei de
imprensa colocado em discussão e que gerou a polêmica acabou entrando em vigor,
provisoriamente, depois da dissolução da Assembleia.
Parlamentarismo às avessas
A Câmara foi dissolvida 12 vezes
durante o Império, sempre que o embate entre as diferentes facções
(Conservadores e Liberais) ou entre os legisladores e o governo atingiu um grau
considerado elevado demais pelo imperador. Sete dissoluções ocorreram depois de
1868, quando o conflito levou ao esgotamento do regime monárquico. Segundo
Porto, as dissoluções mostram as deformações do regime parlamentarista adaptado
no Brasil, mas estavam entre as prerrogativas do imperador. Alguns autores
chamam o regime político imperial de “parlamentarismo orleânico”, outros de
“parlamentarismo às avessas”, isto é, um regime em que o poder estava com o
imperador, não com o Parlamento.
José Murilo de Carvalho, na obra
“Cidadania no Brasil: o longo caminho”, denomina o regime político brasileiro
da época de “monarquia presidencial”, porque o imperador tinha o direito de
nomear seus ministros, assim como os presidentes podem fazer nos regimes
presidencialistas. Ao contrário do que ocorria na Inglaterra, onde o
primeiro-ministro eleito pelo Parlamento era o responsável pela escolha dos
dirigentes do governo, no Brasil os parlamentares não tinham poder sobre as
escolhas do imperador.
No intervalo entre o fechamento da
primeira assembleia constituinte e a reabertura do Congresso, a primeira
Constituição brasileira foi outorgada por D. Pedro I, estabelecendo as duas
Casas para o Legislativo nacional: Câmara e Senado.
A proclamação da República, em tese,
deveria fortalecer o Parlamento e ampliar a importância das eleições. Isso
ocorreu em um primeiro momento, com a convocação da Assembleia Nacional
Constituinte em 1890 e a promulgação da Segunda Constituição brasileira, a
primeira republicana, em 24 de fevereiro de 1891. Entretanto, em novembro daquele
ano, novamente o Parlamento seria fechado pelo presidente Marechal Deodoro da
Fonseca, após a votação da lei de responsabilidade do Presidente da República.
De novo, os atos e os questionamentos
dos parlamentares sobre o Executivo acabaram gerando ações de repressão contra
o Legislativo. Contudo, os tempos eram outros. Dez dias após o fechamento do
Congresso, em 21 de novembro, Deodoro da Fonseca renuncia à presidência. Para
alguns estudiosos, ele teria assumido a culpa por seu ato autoritário. Para outros,
o contragolpe de Floriano Peixoto, vice-presidente, é que o faz renunciar.
Representação e Legitimidade
Quase 40 anos mais tarde, em 1930,
novamente o Congresso é fechado, após a revolução liderada por Getúlio Vargas.
Uma providência “temporária” que acabou somente três anos depois, com as
eleições para a nova Assembleia Constituinte. O período de normalidade na
representação, contudo, não durou muito. Em 1937, Vargas dá um golpe no seu
próprio governo e estabelece uma ditadura que se estende por oito anos.
Antônio Barbosa destaca que as
condições para a democracia no mundo todo estavam muito ruins, com a Europa à
beira da guerra nos anos 30. “Nesse quadro, Vargas vai centralizando cada vez
mais o poder. Aproveita-se inteligentemente, maquiavelicamente, da luta entre
esquerdistas e direitistas para dar o golpe de Estado. E o discurso é óbvio: só
ele pode dar tranquilidade ao País. Acaba com o jogo político por completo e
vai governar ditatorialmente”.
Vale lembrar que, no primeiro mandato
de Getúlio Vargas, o Parlamento aprovou todas as medidas excepcionais de
repressão política solicitadas por ele. O historiador Casimiro Neto comenta que
o fechamento do Congresso surpreendeu deputados e senadores. “Quando o
Parlamento foi fechado em 1937, o presidente da Câmara na época, Pedro Aleixo,
escreveu uma carta a Getúlio Vargas dizendo que estava atônito porque tudo que
ele tinha pedido ao Congresso para votar havia sido votado. Mesmo assim, a Casa
ficou fechada de 1937 a 1945”.
É interessante perceber que a ditadura
varguista acabou por intervenção militar. Em 1964, os militares novamente
interromperiam um governo, dessa vez eleito democraticamente. O Congresso,
entretanto, não seria dissolvido. Seus trabalhos seriam suspensos algumas
vezes, suas prerrogativas seriam diminuídas, muitos parlamentares seriam
cassados, os partidos existentes até então deixariam de existir e os senadores
seriam biônicos, mas os deputados continuariam sendo eleitos e trabalhando.
Para muitos autores, a Ditadura
Militar estabelecida em 1964 não fechou o Congresso porque havia necessidade de
manter a legitimidade do sistema político. Esse fato mostra que a ideia de
representação evoluiu nos últimos dois séculos no Brasil e o papel do
Legislativo como suporte para a estabilidade do sistema político passou a ser
reconhecido pelos outros poderes e também pela população. Mesmo que os embates
na Câmara e no Senado ainda perturbem governantes e juízes, a democracia
brasileira não admite mais dúvidas sobre a importância do Legislativo.
(*) jornalista e doutora em Ciência Política
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