Justiça pela qualidade na educação
Não
há dúvida, no entanto, de que a mobilização pela qualidade da educação é a
maior necessidade contemporânea brasileira, uma vez que, mesmo tendo avançado
nesse sentido nos últimos anos, esse avanço ainda é lento.
PRISCILA CRUZ ( *)
Em
qualquer sociedade do século 21, são inúmeras as demandas sociais, econômicas e
culturais. Aqui, no Brasil, não é diferente. Apesar de muitos progressos, ainda
temos enormes desafios pela frente.
De
fato, é muito difícil falar em prioridade. Entretanto, não há estratégia mais
vigorosa e sustentável para melhorar a vida dos brasileiros e elevar o patamar
do País em diversas áreas do que garantir
o direito da população a uma educação pública de qualidade.
Se
existe uma área capaz de ir muito além de seus resultados diretos, essa área é
a educação. Seu impacto na saúde, na segurança, no crescimento econômico, na
redução da pobreza e das desigualdades e até na felicidade das pessoas está
consagrado nas mais recentes e robustas pesquisas nacionais e internacionais.
Esse
entendimento, aliás, existe há muito tempo em nosso país. Mais de 80 anos
atrás, os chamados "Pioneiros da Educação Nova" assim abriram o seu
Manifesto, de 1932: "Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum
sobreleva em importância e gravidade ao da educação".
Além
de entendermos todos os bons impactos da educação de qualidade na nossa vida, é preciso reconhecer que a educação básica
é um direito constitucional - e que, portanto, se devem assumir claramente
o dever e a responsabilidade de fazer com que esse direito seja cumprido.
Pois
bem, então, de quem é a responsabilidade pela educação no País?
A
nossa Constituição federal diz que é um dever do Estado e da família, com a
colaboração da sociedade. Ao Estado cabe garantir o direito dos alunos ao
acesso, à permanência e à conclusão dos estudos, em sistema público gratuito,
com equidade e qualidade.
Os
três Poderes fazem parte do Estado. No entanto, o primeiro que vem à mente do
cidadão é o Poder Executivo (principalmente o Executivo federal). Depois, o
Poder Legislativo e, com sorte, o Poder Judiciário. Porém todos os três Poderes
têm o dever constitucional de garantir o direito à educação.
O
Sistema de Justiça é espaço essencial para garantirmos condições mais justas de
vida e de desenvolvimento dos brasileiros e do Brasil. Seus operadores -
juízes, promotores, defensores públicos - são a chave para a garantia do
direito à educação de qualidade para todos os brasileiros, tanto por se tratar
de um direito humano fundamental quanto por ser essencial ao exercício dos
demais direitos.
Ao
lado do Executivo e do Legislativo, o Sistema de Justiça tem, portanto, a
missão contemporânea de combater o maior erro histórico do nosso país: o
descaso para com a educação. Por séculos, milhões de pessoas tiveram sua
realização pessoal e sua capacidade de contribuir para uma sociedade melhor
sacrificadas.
Em
recente lançamento do livro Justiça pela Qualidade na Educação, publicação
organizada pelo Movimento Todos Pela Educação e pela Associação Brasileira de
Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da
Juventude (ABMP), o relator especial da Organização das Nações Unidas para o
Direito à Educação, dr. Kishore Singh, observou, de forma iluminada, que
"o direito à educação não é um ideal ou uma aspiração, mas um direito
legalmente executável".
O
trabalho da Justiça, portanto, deve ser o de garantir que o direito à educação
seja efetivado em suas diversas dimensões, com foco em soluções estruturantes -
ainda que os pleitos específicos ou individuais também mereçam atenção. É preciso que o mundo jurídico e o
educacional se encontrem e se articulem com o propósito de elevar a
qualidade da educação para o aluno, pois ainda é muito comum que o
desconhecimento mútuo leve a decisões judiciais que prejudicam a educação e
ações educacionais fora dos limites legais.
Em
2001, o Sistema de Justiça mobilizou-se em torno da Justiça pela Educação, um
apoio sem o qual o Brasil não teria dado o grande salto rumo à universalização
do ensino fundamental, a etapa obrigatória na época. E isso significou um
avanço importante: em 2012, chegamos a
98,2% de crianças e jovens de 6 anos a 14 anos na escola.
Não
há dúvida, no entanto, de que a mobilização pela qualidade da educação é a
maior necessidade contemporânea brasileira, uma vez que, mesmo tendo avançado
nesse sentido nos últimos anos, esse avanço ainda é lento.
Portanto,
a ideia de aproximar mais as duas áreas - a da educação e a do Direito - para
buscar ajudar o Brasil a dar esse imprescindível novo salto educacional não
significa a judicialização da educação. Ao contrário, a ideia é fazer com que,
juntas, essas áreas possam ajudar-se no entendimento sobre a questão da
qualidade da educação, mais especificamente da garantia da aprendizagem dos
alunos, e assim fazer com que a área educacional avance de maneira mais
acelerada e persistente nos próximos anos.
O
Poder Executivo, o Legislativo e o Sistema de Justiça podem, juntos,
estabelecer uma estrutura de ações e articulações necessárias para a obtenção
de resultados, com responsabilidades bem definidas de cada um dos entes
envolvidos, buscando a efetivação do direito à educação de qualidade para
todos.
A
questão não é simples. Existem muitos consensos na área educacional, mas também
muitas divergências. A aprendizagem dos alunos desde os primeiros anos na
escola, no entanto, é um consenso e um direito deles, que deve ser assegurado.
Devemos
ter em mente que não será qualquer educação que efetivará os direitos das
crianças e dos jovens. Nem garantirá a sustentabilidade social e econômica do
Brasil.
(*) É diretora executiva do Movimento
Todos pela Educação.
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