ÁGUA
PARA POUCOS
De
um igarapé de águas negras e limpas como muita gente ainda testemunha, a área
se transformou num lixão onde as ratazanas fazem festa impunemente.
Ellza
Souza (*)
Parece
muita água no mundo mas apenas 1% de toda ela vem dos rios. A grande parte é de
água salgada dos oceanos. Só por esse dado precisamos nos conscientizar de que
devemos ter todo o cuidado com o precioso líquido que de maneira intrínseca faz
parte da vida de qualquer ser. No caso do humano, inteligente e imprevisível,
mais de 70% do seu organismo é água.
E é aí que não entendo a total falta de
cuidado que temos com a água. E é aí que me arrepio quando vejo os igarapés de
Manaus, que já foram tantos e hoje ou estão aterrados ou viraram lugar para
descarte de móvel velho e lixo, lixo, lixo. Os igarapés que entrecortam a
cidade viraram lixeira. E por cima do lixo muita gente vive com sua família em
casas improvisadas e não se dá ao trabalho de coletar seu lixo, jogando tudo no
igarapé por ser mais fácil.
A Amazônia é o paraíso das águas. Os
rios são enormes e se espalham em igarapés, furos, igapós, paranás formando a
bacia de um líquido que parece inesgotável e sem limite. O problema é que na
cidade tem o atravessador que distribui a água para os habitantes. É algo
difícil e exige conhecimento, tecnologia, decência. Quando as regras
não são claras, a gente termina tomando uma espécie de “refresco” com água
misturada a todo tipo de insanidade que o homem é capaz de produzir: desde as
embalagens que não decompõem, móveis em desuso, aparelhos eletrônicos. Sem
contar que muita gente faz seu WC ao léu, como dizia a minha avó e descartam
suas entranhas direto no rio. É mais fácil, mais econômico, mais gostoso. O
atravessador que não tem competência para fazer um bom serviço de distribuição
e coleta de água, tá “cagando e andando” para o cliente.
No bairro de São Raimundo com a
retirada das palafitas da rua da Cachoeira, Beco Normando, ponte do Sul
América, pude observar de cima o que o ser humano é capaz de fazer com o lugar
em que vive. De um igarapé de águas negras e limpas como muita gente ainda
testemunha, a área se transformou num lixão onde as ratazanas fazem festa
impunemente. A ponte de madeira que separa os bairros da Glória e São Raimundo
balançou muitos anos desde sua construção na década de 1930. Nunca foi feito
uma boa passagem para os moradores. Outras passarelas foram sendo construídas
entre os casebres formando um labirinto infernal e um esconderijo para
traficantes de drogas.
Um morador antigo da rua Boa Vista
falou que “há mais de vinte anos eu não via o rio”. Ele via exatamente o que eu
vi: o inferno em forma de imundície, de desprezo com o lugar em que vive, de
ignorância por considerar que o “rio leva”. Leva mesmo... Leva para as nossas
torneiras essa água “bem tratada”.
Outra moradora observou, quando
derrubaram as casas em frente à sua (parte do igarapé que não está tão poluído)
que morava na beira do rio e não sabia. Ela garante que não joga lixo na água e
adorou poder olhar do seu janelão aquele igarapé tão lindo, mesmo maltratado
por todos. É a visão do paraíso, ainda...
(*) É escritora, jornalista e
articulista do NCPAM/UFAM.
Nenhum comentário:
Postar um comentário