domingo, 5 de maio de 2013


ÁGUA PARA POUCOS

De um igarapé de águas negras e limpas como muita gente ainda testemunha, a área se transformou num lixão onde as ratazanas fazem festa impunemente.

Ellza Souza (*)

Parece muita água no mundo mas apenas 1% de toda ela vem dos rios. A grande parte é de água salgada dos oceanos. Só por esse dado precisamos nos conscientizar de que devemos ter todo o cuidado com o precioso líquido que de maneira intrínseca faz parte da vida de qualquer ser. No caso do humano, inteligente e imprevisível, mais de 70% do seu organismo é água.

E é aí que não entendo a total falta de cuidado que temos com a água. E é aí que me arrepio quando vejo os igarapés de Manaus, que já foram tantos e hoje ou estão aterrados ou viraram lugar para descarte de móvel velho e lixo, lixo, lixo. Os igarapés que entrecortam a cidade viraram lixeira. E por cima do lixo muita gente vive com sua família em casas improvisadas e não se dá ao trabalho de coletar seu lixo, jogando tudo no igarapé por ser mais fácil.

A Amazônia é o paraíso das águas. Os rios são enormes e se espalham em igarapés, furos, igapós, paranás formando a bacia de um líquido que parece inesgotável e sem limite. O problema é que na cidade tem o atravessador que distribui a água para os habitantes. É algo difícil e exige conhecimento, tecnologia, decência.  Quando as regras não são claras, a gente termina tomando uma espécie de “refresco” com água misturada a todo tipo de insanidade que o homem é capaz de produzir: desde as embalagens que não decompõem, móveis em desuso, aparelhos eletrônicos. Sem contar que muita gente faz seu WC ao léu, como dizia a minha avó e descartam suas entranhas direto no rio. É mais fácil, mais econômico, mais gostoso. O atravessador que não tem competência para fazer um bom serviço de distribuição e coleta de água, tá “cagando e andando” para o cliente.

No bairro de São Raimundo com a retirada das palafitas da rua da Cachoeira, Beco Normando, ponte do Sul América, pude observar de cima o que o ser humano é capaz de fazer com o lugar em que vive. De um igarapé de águas negras e limpas como muita gente ainda testemunha, a área se transformou num lixão onde as ratazanas fazem festa impunemente. A ponte de madeira que separa os bairros da Glória e São Raimundo balançou muitos anos desde sua construção na década de 1930. Nunca foi feito uma boa passagem para os moradores. Outras passarelas foram sendo construídas entre os casebres formando um labirinto infernal e um esconderijo para traficantes de drogas.

Um morador antigo da rua Boa Vista falou que “há mais de vinte anos eu não via o rio”. Ele via exatamente o que eu vi: o inferno em forma de imundície, de desprezo com o lugar em que vive, de ignorância por considerar que o “rio leva”. Leva mesmo... Leva para as nossas torneiras essa água “bem tratada”.

Outra moradora observou, quando derrubaram as casas em frente à sua (parte do igarapé que não está tão poluído) que morava na beira do rio e não sabia. Ela garante que não joga lixo na água e adorou poder olhar do seu janelão aquele igarapé tão lindo, mesmo maltratado por todos. É a visão do paraíso, ainda...

(*) É escritora, jornalista e articulista do NCPAM/UFAM. 

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