segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

TUPÉ: UM LUGAR MÁGICO NA AMAZÔNIA

Ellza Souza (*)

No alto da minha ignorância nunca dantes nessa Amazônia tão falada e pouco reconhecida pelos que moram na região, pude perceber um lugar de tantos encantos e harmonia. Fui ao Tupé, a meia hora de motor de popa da Marina do Davi nas proximidades de um hotel muito freqüentado por abastados e famosos, que sabem reconhecer aqui os melhores lugares para recomporem as boas energias de suas estressantes existências.

Há alguns anos fui a essa praia mas encontrei lá uma área completamente apinhada de banhistas, farofa e lixo pra todo lado. O rio Negro, claro, sempre impávido e belo mas não vi na ocasião os cenários maravilhosos que observei na visita do dia 12 de fevereiro, um domingo de céu azul, límpido depois de longos dias de chuvaradas que amenizaram um pouco a grande seca.

O Tupé hoje é uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável e isso implica na mudança de muita coisa naquela área. O que importa é que fui com um grupo de professores e alunos da UEA (Universidade Estadual do Amazonas) e outras instituições sérias que pretendem implantar um projeto de turismo, o TUCORIN-Turismo Comunitário do Rio Negro, apoiado pela comunidade que visa a melhoria das pessoas que ali vivem (quase dois mil moradores nas seis comunidades do Tupé), dando conhecimento e condições de sobrevivência digna sem impactar desnaturadamente o meio ambiente. Estavam no grupo visitante algumas pessoas da comunidade do Catalão, município de Iranduba, interessados em conhecer o projeto para quem sabe adaptar à sua realidade. No Catalão são 300 moradores dos quais setenta famílias moram em casas flutuantes.

Ao entrar no braço do rio para dar a volta e chegar à pequena vila chamada de São João do Tupé (uma das seis da Reserva) com cerca de 150 famílias a minha boca foi se abrindo de espanto e a voz ficou embargada pois a paz e a beleza que pude captar com esses meus olhinhos que um dia hão de se juntar a essa natureza da perfeição e da infinitude, me deixou paralisada pela emoção. A água que já conhecemos tão pretas, reluzentes pelo sol, límpidas, platôs e dunas de areias brancas, lagos e a mata fazendo um círculo verdejante difícil de descrever. O melhor é que as praias que circundam essas dunas fluviais estavam limpas, de lixo e de farofa. Poucas pessoas se banhavam por ali. O grupo de visitantes era grande (mais de vinte pessoas) mas só um, o saterê, foi para o rio matar a saudade dos grandes banhos de cuia nas praias de sua Maués. Os outros foram para a maloca dos Tikunas e Dessanas, onde foi apresentado um ritual para inglês ver. Como estava na praia apreciando o rio, perdi parte disso mas ainda cheguei para assistir o finalzinho de uma dança que mexeu com os visitantes ao serem convidados para participar junto com os nativos dessas etnias que há algum tempo chegaram ali e fincaram suas moradias de estacas e palhas para sobreviverem de um turismo sustentável. Fiz questão de tirar uma foto com o Pajé Raimundo que sorridente atendia a todos os fãs.

Muitos na comunidade se chamam Raimundo. É um nome bastante comum por ali. O pajé que me disse ser um antigo curador dos males de seu povo. O escritor Raimundo Silva, 72, carpinteiro e artesão também que há 22 anos está na região. O Silva é o secretário da Associação dos Moradores do Tupé e escreveu um pequeno trabalho baseado em sua experiência pessoal de vida e de trabalho. Outro Raimundo interessante da vila é o Araújo, 81 anos. Esse tem uma mercearia e faz peneiras e cestos. Cabelo bem penteado, não aparenta ter a idade que tem. Com uma só mulher teve 18 filhos e mesmo sendo evangélica o deixou por causa de outro. “As mulheres hoje não querem nada sério”, diz Araújo.

Foi sugerido ao líder Raimundo Silva a criação de uma biblioteca aberta a todos da comunidade, principalmente as crianças e jovens. Ele gostou da idéia e ofereceu um espaço na Associação dos Moradores onde vai funcionar também uma rádio comunitária. A escola funciona com muita dificuldade e o maior problema no momento é a falta de professores. A própria gestora atual, que mora em Manaus, está “cobrindo” a falta de mestres. Não é difícil imaginar que tipo de ensino os mais de cinqüenta alunos do ensino fundamental estão recebendo atualmente.

Com esses projetos e essas pessoas o mundo está em boas mãos. Diferente dos que lutam para construir um porto nas proximidades do Encontro das Águas o que pode descaracterizar para sempre a área. Ali ainda é um lugar de paz, beleza, de história, de mistérios, de grandes lagos, de desova do precioso jaraqui, de muita água ainda boa para o ser humano. O impacto degradante de uma construção no local como essa completamente fora do contexto e da realidade mundial de preservação da natureza e da vida humana, nada mais infeliz do que tal projeto faraônico. Obras assim vamos deixar lá com as múmias, ou seja esquecidas no fundo de suas valiosas tumbas.

A Amazônia tem um povo com uma alma lutadora como a de Ajuricaba. Está adormecida mas não está morta. E pode ressurgir das profundezas dos nossos rios caudalosos mais forte do que nunca. Com as graças de Deus, Tupã, Alá, Jeová ou Buda, não importa, todas as forças do bem estão do nosso lado. Saí do mergulho no Tupé de bem com a vida.

(*) É jornalista, escritora e colaboradora do NCPAM/UFAM.

Um comentário:

Anônimo disse...

Porra!
Tua narrativa estava ótima, deu até vontade de ir ao Tupé, mas a tua implicância com o tal porto das lages é foda, parece até que tu é paga para falar mal. A crónica sobre o bairro de SR foi legal.
Sabe aquele negócio de "falem mal, mas falem de mim" é o que você está fazendo.