terça-feira, 15 de março de 2011

ALÉM DAS FRONTEIRAS DO ESTADO NACIONAL

Álvaro Tukano (*)

Amigos e parentes, achei interessante o 2º Seminário sobre Povos Tradicionais, Fronteiras e Geopolítica na América Latina: Uma proposta para Amazônia. Falando em fronteira e geopolítica, eu, como índio do povo Tukano, Terra Indígena Balaio, São Gabriel da Cachoeira, AM, por ser ex-dirigente da UNI - União das Nações Indígenas, fundador da FOIRN - Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, com sede na belíssima cidade de São Gabriel da Cachoeira e, co-fundador da COICA, Coordinadora de las Organizaciones Indígenas de la Cuenca Amazónica, com sede na cidade de Quito, sendo também um dos membros da base da COIAB, com a sede em Manaus, enquanto liderança dirigi o movimento indígena na época da ditadura militar e de certos missionários católicos conservadores, vejo o seminário como o fruto de tantas brigas que travamos nos Gabinetes do Palácio do Planalto e nos Ministérios, e nunca me esqueço dos dirigentes da Funai ou Administradores quando me expulsavam de suas salas por motivos ideológicos e, pelo fato de eu ser o dirigente daquele movimento importante.

Portanto, eles praticavam o abuso de poder e preconceito. O índio que fosse contrário à doutrina da Igreja e do Estado, não tinha vez, estava fora de TUDO! Outros ex-dirigentes do movimento indígena, também, não tiveram a vez. Esse era o Brasil daquela época. Portanto, era necessário romper o preconceito; tecer alianças dentro das Universidades e nos veículos de comunicação.

Esse Seminário me fez lembrar de muitos guerreiros de Manaus: Professor Paulo Monte que, nos momentos mais dramáticos de índios que eram judiados pelas autoridades e/ou nos momentos de desespero por motivos de saúde, ele sempre estava na porta de casa e levava os doentes no Hospital Getúlio Vargas ou no Hospital Tropical e entregava-os nas mãos do Dr Marcus Barros e outros médicos amigos. Conhecemos o Dr Frederico Arruda, muito amigo dos índios, que tinha arma de fogo para queimar os garimpeiros e madeireiros que invadiam e roubavam as riquezas óbvias. Conhecemos o BABÁ ( Professor Ribamar Bessa ) e Verenilde que escreviam sobre os índios massacrados nas páginas de jornais de Manaus.

Conhecemos o Professor Renato Athias, Conselho Indigenista Missionário - CIMI, que defendia os povos indígenas, através do Jornal Porantim. Nessa época eu e demais lideranças do movimento vimos a triste situação de nossos irmãos e irmãs indígenas do rio Negro naquela cidade. Mais tarde, com a ajuda da Dra. Janete Chermela, essas mulheres se organizaram e fundaram Associação de Mulheres Indígenas do Rio Negro, AMARN, como sede em Manaus.

Essa é a organização de mulheres mais antiga do Brasil e tem prestígio elevado. Esse foi começo de ROMPIMENTO DE ISOLAMENTO imposto pelo ESTADO e IGREJA. Fizemos mobilizações nacionais de nosso movimento. Em Brasília, realizamos o primeiro e segundo encontros nacionais e fomos protagonistas de nossos assuntos, hoje, garantidos na Constituição Federal. No que diz respeito à Integração de Povos Indígenas da Amazônia Legal, a COICA, foi outro avanço.

Conseguimos unificar as nossas ideias e elaboramos os Planos de Defesa do Meio Ambiente, para opor o avanço da monocultura, de produtos transgênicos e programas desenvolvimentistas dos Estados/Estatais e Privadas em Territórios Indígenas. Dentro de cada Estado da Amazônia Legal tratamos de nossos problemas regionais e nacionais. Fizemos o mesmo na instância internacional. Me lembro de tantas reuniões internacionais que a COICA realizou em Manaus e em outros países.

Em delegações, estivemos várias vezes em Genebra ou em Washington para defender os nossos direitos coletivos. As Línguas Oficiais da Suíça eram: Italiano, Francês e Alemão. Não tinha o limite de comunicação no meio dos brancos. Na ONU, os Embaixadores falavam Inglês, Chinês, Russo e outras. Interessante! Por lá o povo não sabe o que é pobreza. Eles tinham muito dinheiro e mantinham Línguas próprias. Até brasileiros falavam as línguas estrangeiras e adoravam ir por lá para fazer os negócios ou mesmo para estudar. Conheci muitos latinos que eram exilados políticos.

Depois de todos esses anos fico atento quando ouço falar do Bloco Capitalista do MERCOSUL, com sede em Montevideo, Uruguai. Não tem limite de comunicação. Tudo por causa de dinheiro. Em Manaus temos a Zona Franca, centro das empresas multinacionais do mundo inteiro. Ontem, 14 de março de 2011, passei a tarde observando a movimentação de poucos parlamentares no Congresso Nacional. Eles estavam falando do Presidente dos Estados Unidos, o Barak Obama, que fará visita ao Brasil. O primeiro Presidente Negro dos Estados Unidos vai visitar a Cidade do Rio de Janeiro.

O Barak Obama vai falar ao Brasil e para mundo e deve visitar também o Cristo Redentor. Ele não tem medo de balas perdidas, e nem quer saber das invasões nos tantos morros para combater os traficantes. O negócio é mostrar a beleza das mulatas, o carnaval, o futebol e telenovelas. Em seguida o Presidente dos Estados Unidos vai se encontrar com a Primeira Presidente Mulher do Brasil - Sra. Dilma Rousseff. Os Senadores e Deputados Federais, vão fazer uma festa, ouvir as palavras dos dois presidentes de países grandes de nossos continentes.

Assim, a maioria dos parlamentares gostariam que a Dilma Rousseff falasse de igual para igual. Temas: Interesses Econômicos, Meio Ambiente e Proliferação de Armas Atômicas, Direitos Humanos. E o que se espera de tudo isso? Agora, responda. Penso que entre os capitalista não tem limites de países. A tudo isso chamamos de Globalização. É complicado para cabeça de índio. É complicado quando vemos a existência de tantas colônias de imigrantes em muitas região do Brasil. Eles falam Línguas de seus países de origem. Focando para o nosso lado, também, Línguas próprias ( 180). Segundo o saudoso professor Darcy Ribeiro, quando os portugueses chegaram no Brasil existiram umas 1300 Línguas e mais de 5 milhões de índios.

O que me interesse mesmo é dizer-lhes que, em julho de 1981, nas cidades de Puyu e Quito, Equador, conheci os meus irmãos Secoyas e Cofanes. Falamos de nossos assuntos tribais de maneira brilhante. Outros parentes se encontram no Peru. Temos parentes na Colômbia ( quase todo o rio Putumaio e seus afluentes, rios Uaupés e Guaviare.) Temos parentes que vivem em Puerto Ayacucho, Rio Orinoco, Venezuela. Desse jeito, os limites que nos foram impostos pelos invasores nunca funcionaram. Culturalmente, somos povos irmãos, distintos e que precisamos manter essa unidade de pensamento. Espero que os parentes acadêmicos de Manaus participem bem no Seminário.

(*) É Tukano e um dos respeitados líderes indígenas no Fórum das Nações.

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