segunda-feira, 7 de março de 2011

HOMOLOGAÇÃO JÁ DO TOMBAMENTO DO ENCONTRO DAS ÁGUAS

Tenório Telles*

Espetáculo da natureza, que despertou nos colonizadores atitudes de espanto e admiração, merecendo de Frei Gaspar de Carvajal (1542), a seguinte exclamação: “vimos a boca de outro grande rio que entrava pelo que navegávamos, pela margem esquerda, cuja água era negra como tinta e, por isso, o denominamos rio Negro. Suas águas corriam tanto e com tanta ferocidade que por mais de vinte léguas faziam uma faixa na outra água, sem com ela misturar-se”.

A terra é nossa casa e a natureza é o jardim e a fonte de nossas vidas. Maltratar a terra, agredi-la e devastá-la, significa por em risco a segurança de nossa morada, prejudicar o frágil equilíbrio que mantém vivos os rios, as florestas, os bichos e também os seres humanos. Movidos pelo egoísmo e arrogância, alguns homens têm feito exatamente isso: destruído o jardim que herdamos da providência para vivermos e nele sermos felizes. Transformaram o planeta num lugar ameaçador para a vida. E não contentes, apesar de todos alertas, seguem destruindo, queimando...

Essas criaturas que não merecem ser chamada de humanas carregam no peito não um coração, mas uma pedra. Não sentem e não se comovem com nada: falar com elas sobre flores, passarinho, rios, árvores, céu, estrelas, beija-flores... ou sobre o Encontro das Águas, é inútil. Insensíveis, não percebem a beleza que emana dessas coisas, vêem apenas cifrões e a possibilidade de levar vantagem.

Esse tipo de gente mente, intimida e destrói para alcançar os seus intentos, como têm feito em relação à insanidade de construir um porto no Encontro das Águas. Não compreende o significado de um lugar como esse – encontro de dois reios milenares que carregam em suas falas e suas águas a memória do passado, do que somos e do próprio tempo. Não percebem sequer a beleza desse lugar mágico. O pior é que não se comovem com o seu simbolismo, sua grandeza, o encanto de sua natureza divina. O argumento do dinheiro e do progresso obscureceu-lhe os olhos e os sentimentos.

Apaixonado que sou por esse santuário, que traduz a força e a exuberância de nossa terra e expressa a nossa identidade, fui ao Encontro das Águas. Num pequeno barco, naveguei-lhe as águas, maravilhei-me com a floresta de suas margens, os pássaros, as gaivotas, o silêncio e a paz que emanam desse espaço que mais que uma dádiva de Deus é uma benção. Queria me certificar de que não estava sendo inconseqüente ou irresponsável ao me posicionar contra a construção do porto das lajes.

Na verdade, eu não sou contra que o porto seja construído. Só não concordo que seja no Encontro das Águas e seu entorno. Esse patrimônio deve ser preservado para as próximas gerações. Para a nação, enfim para a humanidade. Ao voltar, emocionado com a beleza e grandiosidade dos dois rios que se embatem e se abraçam e resolvem se juntar para ser um só, concluí que pensaram o projeto errado para o lugar.

A região do Encontro das Águas deveria ser um centro turístico e de entretenimento, com espaços culturais, bosques públicos, com um grande teatro, um grande aquário com as espécies regionais e um centro de estudo e documentação da memória da Amazônia e sua gente. Seria uma maneira de gerar renda, aproveitar o potencial turístico do lugar, sem destruir esse patrimônio do povo amazonense. O Encontro das Águas não pertence à Log-In Logística Intermodal. O Encontro das Águas é um bem de nossa gente. A decisão de construir esse porto está na contramão dos debates e preocupações com a preservação da natureza.

A sociedade precisa tomar uma atitude para impedir essa estupidez antes que seja tarde. [...] A força da grana não deve prevalecer sobre os direitos da sociedade ou ser usada de forma irracional para destruir nosso patrimônio natural. O dever de salvar o Encontro das Águas é de todos. E ainda é tempo. Façamos isso, reivindicando homologação Já desse patrimônio junto ao Ministério da Cultura.

(*) É Professor, escritor, editor da Valer, membro da Academia Amazonense de Letras, articulista de A Crítica e um dos militantes do Movimento S.O.S. Encontro das Águas.



O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E SUAS CARACTERÍSTICAS NO DIREITO AMBIENTAL

Silvana Brendler Colombo (*)

A humanidade vive uma realidade de incertezas, sob o ponto de vista ecológico, haja vista que a degradação do meio ambiente aumentou significativamente nas últimas décadas. Não são apenas a poluição atmosférica, chuvas ácidas, morte dos rios, mares e oceanos que demonstram a ação devastadora do homem. Pelo contrário, a questão ambiental traz implicações complexas e polêmicas, como a produção e a comercialização dos produtos geneticamente modificados. No Brasil, a questão ambiental passou a ter relevância jurídica, pois o direito de viver num ambiente ecologicamente equilibrado foi erigido à categoria de Direito Humano Fundamental pela Constituição Federal de 1988. Neste sentido, enfatiza-se um dos princípios fundamentais do Direito Ambiental, mais especificamente o princípio da precaução, com o intuito de analisar a incorporação destes no ordenamento jurídico e sua aplicabilidade frente ao desafio de proteger o meio ambiente em que vivemos.
Incerteza do Dano e Nexo Ambiental. A partir da consagração do princípio da precaução, desenvolveu-se uma nova concepção em relação à obrigatoriedade da comprovação científica do dano ambiental. Desse modo, quando uma atividade representa ameaça de dano ao meio ambiente, independentemente da certeza científica, as medidas ambientais devem ser aplicadas a fim de evitar a degradação do meio ambiente.

Neste ponto, convém lembrar que, até a década de 80, as medidas utilizadas para evitar os danos ambientais tinham como fundamento obrigatório para sua efetivação a análise científica, ou seja, a Ciência assegurava a idoneidade dos resultados (MACHADO, 2001).

Nos ensinamentos de Machado

Em caso de certeza do dano ambiental, este deve ser prevenido, como preconiza o princípio da prevenção. Em caso de dúvida ou incerteza, também se deve agir prevenindo. Essa é a grande inovação do princípio da precaução. A dúvida científica expressa com argumentos razoáveis, não dispensa a prevenção (2001, p. 55).
Com efeito, a certeza científica do dano, quando possível de ser demonstrada, acarreta a aplicação imediata das medidas ambientais. Mas se deixássemos de aplicá-las quando houvesse incerteza científica, estaríamos incorrendo num grave erro, que é o da inércia diante dos problemas ambientais, pois os efeitos do possível dano, provavelmente, seriam irreversíveis.

Assim, é pacífico entre os doutrinadores e demais estudiosos da questão ambiental que, quando houver incerteza científica do dano ou também risco de sua irreversibilidade, o dano deve ser prevenido e, indiscutivelmente, se houver certeza científica do mesmo.

No que tange à incerteza científica do dano ambiental, Machado assevera que a precaução age no presente para não se ter que chorar e lastimar no futuro. A precaução não deve estar presente para impedir o prejuízo ambiental, mesmo incerto, que possa resultar das ações ou omissões humanas, como deve atuar para prevenção oportuna desse prejuízo. Evita-se o dano ambiental, portanto, através da prevenção no tempo certo (2001, p. 57).

De fato, a aplicação de medidas ambientais diante da incerteza científica de um dano ao meio ambiente, prevenindo-se um risco incerto, representa um avanço significativo no que se refere à efetivação do princípio da precaução, que está necessariamente associado à proteção ambiental. Reconhece-se, dessa forma, a substituição do critério da certeza pelo critério da probabilidade, ou seja, a ausência da certeza científica absoluta no que se refere à ocorrência de um dano ambiental não pode ser vista como um empecilho para a aplicação das medidas ambientais. Assim, o princípio da precaução impõe que, mesmo diante da incerteza científica, medidas devem ser adotadas para evitar a degradação ambiental (MIRRA, 2000, p. 67-68).

O jurista Jean-Marc Lavieille reafirma o entendimento de que se deve agir antes que a ciência nos diga, com certeza absoluta, se determinada atividade é nociva ou não ao meio ambiente ao expressar que: "O princípio da precaução consiste em dizer que não somente somos responsáveis sobre o que nós sabemos sobre o que nós deveríamos ter sabido, mas também sobre o de que nós deveríamos duvidar." (apud MACHADO, 2001, p. 58).

Assim, o princípio da precaução abrange o risco ou perigo do dano ambiental, mesmo que houver incerteza científica, o que coaduna com a idéia de que "(...) seu trabalho é anterior à manifestação do perigo e, assim, prevê uma política ambiental adequada a este princípio." (MORATO LEITE, 2000, p. 49).

Na verdade, o risco ou o perigo devem ser analisados a partir da verificação da atividade que irá ser provavelmente atingida, a fim de estabelecer o grau de incidência desses, oportunizando a tomada de decisão no sentido de controlá-los e, se necessário, aplicar as medidas ambientais cabíveis.

Gert Winter diferencia perigo ambiental de risco ambiental, ao afirmar que "os perigos são geralmente proibidos, o mesmo não acontece com os riscos. Os riscos não podem ser excluídos, porque permanece a probabilidade de um dano menor." (apud MACHADO, 2001, p. 49). E justamente por haver sempre o risco de que ocorra um dano, é que o princípio da precaução deve ser aplicado, uma vez que as agressões ao meio ambiente são de difícil reparação.

De outra parte, também se faz necessário dizer que o controle ou afastamento do risco ambiental, bem como do perigo ambiental, implicam necessariamente, para as futuras gerações, a garantia de um ambiente ecologicamente equilibrado, o que proporciona melhor qualidade de vida para a coletividade.

MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001.
MIRRA, Álvaro. In: MORATO LEITE, José Rubens (Org.). Inovações em Direito Ambiental. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000.
MORATO LEITE, José Rubens (Org.). Inovações em direito ambiental. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000.

(*) É advogada, especialista em direito ambiental e mestranda em direito pela UCS - Universidade de Caxias do Sul.

NR: O texto original chama-se O Princípio da Precaução no Direito Ambiental (07.2004) pautado em seis tópicos – 1. Definição 2.O Princípio da Precaução 3. O Princípio da Precaução x Prevenção 4.O Princípio da Precaução e a Declaração do Rio de Janeiro 5.O Princípio da Precaução nas Convenções Internacionais 6. O Princípio da Precaução e suas Características. Para efeito de estudo recortamos apenas o resumo e o último tópico do artigo, mas a obra pode ser lida na integra nas páginas http://jus2.uol.com.br/doutrina

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