sexta-feira, 25 de março de 2011

FICHA LIMPA: APAGÃO NO STF

Seria bom que tanto o Senado como a Câmara dos Deputados tivessem uma concepção mais ampla da Reforma Política para compreender a decisão tomada pelo STF relativo à Lei Complementar 135/10, popularmente chamada de Ficha Limpa. O fato é que a Reforma começa pelo processo eleitoral de maneira fragmentada e não deve ser objeto restrito da Câmara e, principalmente do Senado, que fechou-se em copa para decidir sobre matéria de relevante valor para governança. A Câmara, por sua vez, promoveu ainda ontem um debate com a participação inclusive de Dom Luiz Vieira, arcebispo de Manaus, representando a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e outras instituições convidadas. Mas ainda é muito pouco. É preciso ampliar a discussão por todo o Brasil, para criar um campo de força capaz de reverter determinados propósitos peculiares de uma oligarquia eleitoral que há anos apoderou-se do Governo para cabrestrar votos e reduzir o Estado aos interesses patrimonialistas. No Amazonas, a decisão do STF mereceu um denso artigo da Procuradora de Justiça, Jussara Pordeus, em a Crítica (25/3 A4), afirmando que: "O relator Ministro Gilmar Mendes, ampliou seu voto em relação aos já prolatados anteriormente sobre a matéria, dando uma hora e meia de aula de Direito Constitucional. Embora fundamentado pela magnífica doutrina positivista alemã, o belíssimo voto do relator deu prioridade ao direito indivudual do candidato em detrimento dos direitos coletivos e políticos dos cidadãos que anseiam por ver o estado e o patrimônio público geridos por homens justos e probos, que não atentem contra a legalidade e moralidade administrativa". O mestre Joaquim Nabuco (cfr. Joaquim Nabuco. Paula Beigeulman - São Paulo: Ática, 1982), expondo sobre Registro de Práticas de fraude eleitoral afirmava que "o eleitor faz a Camara, a Camara refaz o eleitorado, por forma que ela não teria visto à luz, [...]". Da mesma forma, segundo Oliveira Viana, (Instituições Políticas Brasileiras, Conselho Editorial do Senado Federal, 1999), encontramo-nos no mesmo dilema de 1843, quando Nabuco de Araújo, discutindo a Reforma Judiciária, nos punha em face do mesmo problema: " Ou organizais a justiça pública, verdadeira, real, completa - ou legitimais a vindita popular. Não tendes, pois, escolha: é preciso organizar a justiça pública. Mas como? OLHA PARA A SOCIEDADE: O QUE VEDES? UM LONGO HÁBITO DE IMPUNIDADE" (grifo nosso). Em suma, a decisão do STF, em nome da Constituição Federal representa um apagão jurídico, contrariando a soberania popular em louvor a impunidade e o espírito republicano. Para conferir tal coisa postamos a opinião do Estadão abaixo:

Nove meses depois da promulgação da Lei da Ficha Limpa, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu - implicitamente - que ela é constitucional. E - explicitamente - que a sua aplicação nas eleições do ano passado feriu a Constituição. A questão da vigência da lei provocou um legítimo confronto doutrinário nas duas vezes em que a Corte se pronunciou a respeito.

A primeira votação, no julgamento do recurso de um candidato a deputado estadual em Minas Gerais, barrado pela Justiça Eleitoral por ter sido condenado por improbidade administrativa, terminou empatada. Cinco ministros concordaram com o argumento de que a aplicação imediata da lei contrariava a Constituição. Cinco outros discordaram.

O julgamento ficou em suspenso, como se sabe, porque não havia sido preenchida a vaga do ministro Eros Grau, que se aposentara, e o presidente do Tribunal, Cezar Peluso, se recusou a dar o voto de Minerva. Nomeado pela presidente Dilma Rousseff o décimo primeiro ministro, Luiz Fux, o caso foi retomado e resolvido anteontem. Visto que nenhum dos 10 mudou seu voto, coube a Fux superar o impasse - e ele desempatou em favor do requerente. Não deixou, porém, de saudar a Ficha Limpa como "a lei do futuro" e "uma aspiração legítima do cidadão brasileiro", pelo seu potencial moralizador da política nacional.

A decisão não beneficia apenas o político mineiro que impetrou o recurso. Vale para todos quantos receberam votos suficientes para assumir uma cadeira nas Assembleias Legislativas, Câmara dos Deputados e Senado Federal, mas não puderam assumir por causa de seu prontuário.

Cerca de 30 deles recorreram ao Supremo. O caso mais notório é o do ex-governador do Pará Jader Barbalho, considerado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) depois de já ter sido eleito para o Senado. Ele havia caído na malha da Ficha Limpa por ter renunciado à cadeira na mesma Casa, em 2001, para escapar de um processo de cassação movido por seus pares. Dois outros candidatos impugnados ao Senado - Cássio Lima, na Paraíba, condenado por abuso de poder econômico, e João Capiberibe, no Amapá, por compra de votos - também serão empossados.

O número de assentos na Câmara que mudarão de dono depende da revisão do cálculo do quociente eleitoral. A julgar pelos comentários publicados na internet, é geral o repúdio à decisão do STF. Mas, sem jogo de palavras, trata-se de uma injustiça. Embora por maioria de 1 voto, a Corte preferiu uma de duas alternativas perfeitamente sustentáveis.

No plano do direito, tratava-se de dar primazia ou ao artigo 14 ou ao artigo 16 da Carta. O primeiro, em nome da probidade administrativa e da moralidade para o exercício do mandato, "considerada a vida pregressa do candidato", prevê a inelegibilidade dos que tiverem, entre outras coisas, atentado contra o patrimônio público. É o princípio que ampara a Lei da Ficha Limpa, invocado, por exemplo, pelo ministro Ayres Brito.

O segundo artigo, citado por seu colega Gilmar Mendes, relator do processo, estipula que "a lei que alterar o processo eleitoral" não se aplica à eleição que ocorra até um ano depois da data de sua sanção. São exemplos da detalhista Constituição brasileira, na qual coexistem preceitos conflitantes entre si, quando não paradoxais.

No plano dos fatos, a questão a dirimir era se a Ficha Limpa alterou efetivamente o processo eleitoral. Essa é a convicção do ministro Luiz Fux, para quem a criação de novas regras de elegibilidade às vésperas de um pleito afeta a segurança de candidatos e eleitores. Disso discorda o ministro Ricardo Lewandowski, também presidente do TSE. Ele afirmou que "não se verificou alteração da chamada paridade de armas" entre os candidatos.

De toda maneira, fiel ao princípio de não se manifestar sobre algo além do que lhe foi pedido, o STF deixou em aberto o ponto talvez mais polêmico da lei: será que ela pode bloquear candidaturas de políticos condenados por malfeitos antes da sua promulgação? Essa questão entrará em cena se não no pleito municipal do ano que vem - o primeiro sob a égide da Ficha Limpa - com certeza nas eleições nacionais de 2014. E o Supremo será chamado de novo a falar.

Fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110325/not_imp696963,0.php

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