domingo, 6 de março de 2011

PELA AUTONOMIA DO CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO INDÍGENA DO AMAZONAS

Em atenção à solicitação do Conselho de Educação Escolar Indígenas do Amazonas (CEEI), o Conselho Nacional de Educação, por meio da conselheira Rita Gomes do Nascimento, se pronunciou favorável a autonomia deste Colegiado transformando-o sua natureza jurídica em órgão normativo. A decisão do Conselho Nacional ainda requer homologação do Ministro da Educação para de fato ser efetivada. No entanto, pela aprovação do Parecer tudo indica, que o direito dos povos indígenas do Amazonas será respeitado. Tal decisão exige de imediato que o governo do Amazonas através da SEDUC providencie os meios necessários para que os conselheiros indígenas possam trabalhar com eficiência na perspectiva de ordenar a educação indígena no Estado em suas diversas frentes. A estruturação do CEEI requer não só os meios físicos, mas, também, um corpo técnico qualificado para dar legalidade a Educação Indígena no Amazonas, que padece de graves problemas estruturantes quanto à política educacional ofertada aos povos indígenas. E o Amazonas é o Estado que concentra a maior população escolar indígena do Brasil, merecendo atenção redobrada não só do governo do Estado como também da União a quem compete diretamente tal função institucional. A omissão impera em todas as frentes do Estado, requerendo do movimento indígena um embate constante para fazer valer os Direitos Constitucionais desses povos. Conheça os termos do Parecer abaixo e manifeste:

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INTERESSADO: Conselho de Educação Escolar Indígena do Amazonas (CEEI/MA).
ASSUNTO: Questionamento do Conselho de Educação Escolar Indígena do Amazonas a
respeito da transformação deste colegiado em órgão normativo, tendo em vista as
características e especificidades da Educação Escolar Indígena.
RELATORA: Rita Gomes do Nascimento
PROCESSO Nº: 23001.000019/2011-11
PARECER CNE/CEB Nº:1/2011
COLEGIADO: CEB
APROVADO EM: 10/2/2011

I – RELATÓRIO

Histórico

Essa consulta teve início durante sessão de atendimento aos interessados, realizada no Conselho Nacional de Educação, no dia 9 de junho de 2010, solicitada pelo Sr. Amarildo dos Santos Maciel, pertencente ao povo Mundurukú e presidente do Conselho de Educação Escolar Indígena doAmazonas (CEEI/AM).

Na ocasião, foram apontadas as dificuldades que os povos indígenas do Amazonas têm enfrentado com relação à implantação e implementação das políticas nacionais e locais de Educação Escolar Indígena.

Segundo o Sr. Amarildo Maciel, a situação da Educação Escolar Indígena local é ainda mais agravada pela falta de autonomia do CEEI frente à Secretaria de Estado da Educação do Amazonas (SEDUC/AM) e ao Conselho Estadual de Educação (CEE). Posteriormente, em oficio de nº 094/2010-GP/CEEI/AM, de 10 de agosto de 2010, o presidente do CEEI/AM encaminhou à Câmara da Educação Básica do Conselho Nacional de Educação questionamento sobre a possibilidade do CEEI/AM assumir funções normativas (como pode ser lido abaixo), além das já exercidas funções consultivas, deliberativas e de assessoramento técnico sobre as matérias de Educação Escolar Indígena no Estado:

"(...) gostaríamos que esta respeitada Câmara de Educação Básica
do Conselho Nacional de Educação emitisse parecer técnico sobre
tal questão, nos informando da possibilidade ou da existência de
algo que impeça que no Estado do Amazonas se crie um Conselho
Estadual de Educação Escolar Indígena com poderes normativos
no exercício de sua autonomia".

No que tange a tal questionamento, vale ressaltar também a existência de consulta anterior, feita ao então conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury, que remeteu resposta ao colegiado indígena. Esta resposta foi anexada ao ofício supracitado.

Análise de mérito

O Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena do Amazonas (CEEI/AM), situado na Rua Waldomiro Lustosa, nº 250, Japiim II, CEP 60077-320, em Manaus, AM, foi instituído pelo Governo do Estado, por meio do Decreto nº 18.749, de 6 de maio de 1998, como parte integrante da estrutura da Secretaria de Estado da Educação do Amazonas (SEDUC/AM).

Sua composição se dá pela participação de representantes do setor público (SEDUC/AM, FUNAI, UFAM, CEE/AM, UNDIME), de organizações não governamentais (CIMI, OPAN, COMIN, ISA), de organizações indígenas (COIAB, COPIAM, MEIAM), bem como pela representação dos povos indígenas do Alto e Médio Solimões, Alto, Médio e Baixo Madeira, Alto e Médio Rio Negro, Baixo e Médio Juruá, Baixo Amazonas, Purus, Vale do Javari, Waimiri-Atroari e Yanomami.

Sendo assim, a participação de indígenas e não indígenas no CEEI/AM se constitui em importante aspecto na construção de marcos regulatórios para a Educação Escolar Indígena no Estado, baseados em regime de colaboração. A mediação das relações entre o CEEI/AM e o Estado, integrando um sistema estadual de ensino, também é possibilitada por meio desta composição plural.

De acordo com seu Regimento Interno, aprovado pelo Decreto nº 20.819, de 29 de março
de 2000, o CEEI/AM é um “órgão com poderes consultivo, deliberativo e de assessoramento técnico sobre as matérias relativas às ações e projetos de educação escolar desenvolvidos junto às comunidades indígenas no Amazonas, em todos os níveis e modalidades de ensino”.

Dentre seus objetivos destacam-se a função de criação de mecanismos que visem à garantia de uma educação escolar diferenciada para os indígenas do Amazonas; incentivo e apoio de ações voltadas para a redução de preconceito na relação entre índios e não-índios; assessoramento aos municípios na definição e implementação de políticas educacionais para os indígenas; e acompanhamento dos recursos financeiros aplicados às escolas indígenas.

No entanto, o cumprimento de tais objetivos fica comprometido face “algumas questões
impostas pelo sistema de educação do Estado que vêm dificultando a consolidação, aperfeiçoamento e reconhecimento de experiências em construção de uma educação diferenciada em terras indígenas”, conforme destacado no ofício encaminhado ao CNE.

Neste documento, o presidente do CEEI/AM chama a atenção, ainda, para a falta de “(...) autonomia para o processo de autorização de funcionamento e reconhecimento das escolas indígenas”, competência essa atribuída, exclusivamente, ao Conselho Estadual de Educação (CEE).

A este respeito, é importante lembrar que o Amazonas se constitui no Estado que concentra o maior número de escolas indígenas (904 escolas, 63.643 alunos matriculados e 2.632 professores atuando na Educação Básica, segundo dados do INEP de 2008), com uma significativa variedade de povos com situações linguísticas distintas e difícil acesso às comunidades onde se localizam as escolas indígenas, o que aduz o agravo apresentado pelo presidente do CEEI/AM.

No ano de 2006, face às dificuldades expostas, os conselheiros “indígenas e não indígenas” daquele colegiado “(...) discutiram, analisaram e decidiram reformular seu Regimento Interno (em processo de tramitação na Casa Civil do Governo do Estado), requerendo sua transformação em órgão normativo, visando assim, sustentar uma modalidade própria e específica de educação escolar não mais subordinado ao Conselho Estadual de Educação do Amazonas.” (Ofício nº 094/2010-GP/CEEI/AM, de 10 de agosto de 2010, encaminhado à Câmara de Educação Básica).

A especificidade das formas de organização, gestão e regulamentação da Educação Escolar Indígena, apontadas pelos conselheiros do CEEI/AM, é prevista na legislação brasileira. Na Constituição Federal de 1988, nos artigos 210, 231 e 232, são assegurados direitos ligados às especificidades dos povos indígenas, como, por exemplo, a garantia de utilização de línguas maternas e processos próprios de aprendizagem pelas comunidades indígenas (§ 2º do art.210); o reconhecimento da organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos índios,
bem como os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam (art. 231) e a legitimidade jurídica dos índios e suas comunidades como defensores de seus direitos e interesses (art. 232).

Reconhecendo tais especificidades no tocante à Educação Escolar Indígena, a Portaria Interministerial 559/91 regulamenta a transferência de competência no tratamento das questões ligadas à educação indígena da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para o Ministério da Educação (MEC), criando a Coordenação Nacional da Educação Escolar Indígena (CNEEI), hoje denominada de Coordenação Geral da Educação Escolar Indígena (CGEEI), “com a finalidade de coordenar, acompanhar e avaliar as ações pedagógicas da Educação Indígena no País.”

Em seu art. 5º, a referida Portaria estimula “a criação de Núcleos de Educação Indígena nas Secretarias Estaduais de Educação, com a finalidade de apoiar e assessorar as escolas indígenas”, contando com a participação de “representantes das comunidades indígenas locais atuantes na educação, de organizações governamentais e não governamentais afetas à Educação Indígena e de universidades.” Com isso, são criados espaços institucionais que buscam legitimar a presença da Educação Escolar Indígena nos sistemas de ensino da educação brasileira.

O direito à Educação Escolar Indígena intercultural, diferenciada, bilíngue/multilíngue e comunitária, também é garantido na Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Naciona), nos seus artigos 78 e 79; nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena, instituídas pelo Parecer CNE/CEB nº 14/99 e pela Resolução CNE/CEB nº 3/99; na Lei nº 10.172/2001, que aprova o Plano Nacional de Educação; no Decreto nº 6.861/2009, que dispõe sobre a organização da Educação Escolar Indígena em Territórios Etnoeducacionais; bem como na Portaria MEC nº 734, 7 de junho de 2010, que cria a Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena.

A Resolução CNE/CEB nº 3/99, oriunda do Parecer CNE/CEB nº 14/99, que fixa Diretrizes Curriculares Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas, estabelece, em seu art. 1º “(...) a estrutura e o funcionamento das escolas indígenas, reconhecendo-lhes a condição de escolas com normas e ordenamento jurídico próprios (...).” Na descrição dos elementos básicos para organização, estrutura e funcionamento da escola indígena, o seu art. 2º reafirma o direito à “organização escolar própria”, sendo-lhe facultada “a organização de seu calendário escolar independente do ano civil, ajustando-o às condições específicas de cada comunidade.”

No art. 9º da referida Resolução, são definidas, no plano institucional, administrativo e organizacional, as esferas de competência, em regime de colaboração entre a União, os Estados e seus respectivos Conselhos Estaduais de Educação.

Particularmente, no que diz respeito às competências dos Estados, interessa à questão levantada pelo CEEI/AM o fato destes, ao assumirem a responsabilidade legal pela Educação Indígena, em regime de colaboração, ter como função integrar as escolas indígenas do sistemaestadual de educação, como unidades próprias, autônomas e específicas.

Assim, a garantia de autonomia das escolas indígenas, por meio, por exemplo, do reconhecimento da necessidade de normas e ordenamento jurídico próprios, aponta para a criação de um campo institucional, gestado em regime de colaboração de competências, tendo como base comum o direito à diferença.

O Decreto nº 6.861, de 27 de maio de 2009, cria os territórios etnoeducacionais baseado num modelo de gestão pactuado entre poder público e entidades indígenas e indigenistas, reafirmando a especificidade da Educação Escolar Indígena, apontando para a formação de um campo institucional de ações compartilhadas e, por conseguinte, abrindo novas perspectivas de gestão a partir da idéia de territórios educacionais indígenas.

Em seu art. 6º, parágrafo único, define o desenho dos territórios etnoeducacionais, estabelecendo que estes compreenderão as terras ocupadas pelos povos indígenas que mantêm relações intersocietárias, “mesmo que descontínuas” e “independentemente da divisão político administrativa do país”.

Pode-se pensar, avançando nesta direção, que a própria normatização das escolas indígenas também poderia se dar no âmbito do território ou mesmo de outra espacialidade jurídico-administrativa, desde que observados os princípios constitucionais e republicanos de autonomia e colaboração entre entes federativos.

O mesmo Decreto dispõe ainda, em seu art. 1º, que a “Educação Escolar Indígena será organizada com a participação dos povos indígenas, observada a sua territorialidade e respeitando suas necessidades e especificidades.”

Além disso, estabelece, no art. 2º, como objetivos da Educação Escolar Indígena:

I – valorização das culturas dos povos indígenas e a afirmação e manutenção de sua diversidade étnica;

II – fortalecimento das práticas socioculturais e da língua materna de cada comunidade indígena;

III – formulação e manutenção de programas de formação de pessoal especializado, destinados à educação escolar nas comunidades indígenas;

IV – desenvolvimento de currículos e programas específicos, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades;

V – elaboração e publicação sistemática de material didático específico
e diferenciado; e

VI – afirmação das identidades étnicas e consideração dos projetos societários definidos de forma autônoma por cada povo indígena.

O art. 3º reitera o reconhecimento da condição específica das escolas indígenas que devem ser organizadas “com normas próprias e Diretrizes Curriculares específicas, voltadas ao ensino intercultural e bilíngue ou multilíngue, gozando de prerrogativas especiais para organização das atividades escolares, respeitado o fluxo das atividades econômicas, sociais, culturais e religiosas e as especificidades de cada comunidade, independentemente do ano civil.”

A Portaria MEC nº 734, de 7 de junho de 2010, institui, no âmbito do Ministério, a Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (CNEEI), “órgão colegiado de caráter consultivo” com a função de assessoramento na “formulação de políticas para a Educação Escolar Indígena.” A Comissão, composta por representantes governamentais (SECAD, SEB, SESu, SETEC, FUNAI, CONSED, UNDIME, ANDIFES), da sociedade civil (ABA, ABRALIN, CIMI, RCA) e dos povos indígena (das regiões Norte, Nordeste, Minas Gerais, Espírito Santo, Centro Oeste, Sul, Sudeste e representante indígena no CNE), constitui-se em mais um importante espaço institucional conquistado pela Educação Escolar Indígena no cenário educacional brasileiro com vistas à promoção de sua especificidade.

Diante das políticas atuais de organização e gestão da Educação Escolar Indígena e dos instrumentos jurídicos que asseguram as suas particularidades, a questão apresentada pelo presidente do CEEI/AM ganha destaque, tendo em vista a necessidade de coexistirem os sistemas de ensino de modo coordenado e descentralizado, sob o regime de colaboração.

No entanto, apesar de apregoado pelo pacto federativo, o regime de colaboração tem se
efetivado apenas como transferência de responsabilidades. Na recente história da Educação Escolar Indígena, a transferência da responsabilidade pela sua oferta da FUNAI para o MEC e deste para os Estados não foi acompanhada da criação de mecanismos que assegurassem a uniformidade de ações e a especificidade da Educação Escolar Indígena, conforme destacado no Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001):

Não há, hoje, uma clara distribuição de responsabilidades entre a União, os Estados e os Municípios, o que dificulta a implementação de uma política nacional que assegure a especificidade do modelo de educação intercultural e bilíngue às comunidades indígenas.

Foi apontada, ainda no Plano Nacional de Educação, a necessidade de regularização jurídica das escolas indígenas que, na ausência dos mecanismos supracitados, tem enfrentado diversos problemas, ocasionando, inclusive, sua inviabilização em muitos casos. Assim, no Estado do Amazonas, tal como ocorre em todo país, as escolas indígenas não gozam ainda do direito ao reconhecimento e à autorização de funcionamento, tendo em vista a inobservância das especificidades das realidades sociais e processos educacionais próprios de alguns povos.

Vale lembrar também que, na busca pela institucionalidade da Educação Escolar Indígena, o reconhecimento de suas escolas se constitui em prioridade para os povos indígenas haja vista o lugar estratégico da escola para seus projetos de sociedade e de futuro. Apesar dessa demanda da pauta de reivindicações do movimento indígena estar assegurada em lei, na prática esse é um dos compromissos assumidos e ainda não cumpridos a contento pelo estado brasileiro.

Como exemplo desse compromisso, pode ser citado novamente o Plano Nacional de Educação, que na meta 7, no capítulo Educação Indígena, aponta como objetivo:

Proceder, dentro de dois anos, ao reconhecimento oficial e à regularização legal de todos os estabelecimentos de ensino localizados no interior das terras indígenas e em outras áreas assim como a constituição de um cadastro nacional de escolas indígenas.

O reconhecimento das escolas indígenas se apresenta, portanto, como questão central no processo de construção das propostas e projetos escolares dos índios, constituindo-se como agravo na questão ora apresentada pelo CEEI/AM ao CNE. No ofício encaminhado a esta Câmara de Educação Básica é reclamada a falta de autonomia normativa do CEEI/AM em autorizar o funcionamento e reconhecer as escolas indígenas do Estado, competência exclusiva do Conselho Estadual de Educação do Amazonas.

Face ao direito social adquirido na criação de organizações próprias que respeitem seus modos de vida, de acordo com seus costumes, crenças e tradições, os índios reclamam para que seja assegurado o direito, já conquistado no plano formal, de gestarem, de modo efetivo, seus projetos de educação escolar.

Essa assertiva encontra pleno amparo nas leis e tratados nacionais e internacionais sobre os índios, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1989, assinada e assumida pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 143/2002, e promulgada pela Presidência da República mediante Decreto nº 5.051, de 19de abril de 2004, que em seu art. 27, estabelece:

(...) os governos deverão reconhecer o direito desses povos de
criarem suas próprias instituições e meios de educação, desde que
tais instituições satisfaçam as normas mínimas estabelecidas pela
autoridade competente em consulta com esses povos.

Acrescenta, ainda, que os recursos apropriados para tal finalidade “deverão ser facilitados” pelos governos. Isso favorece, dentre outras coisas, a proposta de criação de um Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena com as funções requeridas por seus conselheiros, podendo, portanto, atuar dentro da relativa autonomia que deve desfrutar esse tipo de colegiado.

Dotado da competência de normatização, esse colegiado assumiria a tarefa de criar um marco regulatório para as escolas indígenas do Amazonas. Devem ser observados, nesse exercício, os preceitos da educação nacional e as particularidades da Educação Indígena com a intenção de assegurar aos povos indígenas tanto o direito à igualdade quanto à diferença, condição jurídica de que gozam os índios na Constituição Federal. Igualdade e diferença são condições indispensáveis para o surgimento e exercício de práticas educacionais marcadas pela interculturalidade, bilinguismo e autonomia cultural.

A este respeito, esclarece o ex-conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury, em resposta ao CEEI/AM, anexada ao ofício encaminhado por este órgão colegiado ao CNE:

Sendo competência privativa da União legislar sobre populações indígenas (CF/88, art. 22, XIV), sendo a competência privativa delegável quando a União o fizer, sendo a LDB (CF/88, art. 22, XXIV) também competência privativa da União, sendo que a LDB não só reconhece a educação intercultural às comunidades indígenas (art.78, caput) como também o desenvolvimento de currículos e programas culturais específicos (art. 78, § 2º, III), sendo que o art. 10 da LDB não faz do Conselho Estadual de Educação o órgão exclusivo do sistema de ensino (art. 10, I e V), nada impede que o Estado do Amazonas, no exercício de sua autonomia, crie um Conselho Estadual de Educação Indígena com poderes normativos.

Neste sentido, não custa lembrar que o conjunto de dispositivos presentes na LDB estabelece a organização da educação nacional sob o regime de cooperação recíproca, tendo os sistemas de ensino, federal, estadual, distrital e municipal “liberdade de organização nos termos desta lei.”

Os dispositivos legais existentes atestam o caráter intercultural da educação escolar indígena como parte integrante do direito à educação, garantindo-lhe políticas educacionais específicas. Sendo assim, é possível ao Estado atribuir função normativa ao CEEI/AM, dentro dos marcos regulatórios da educação nacional. Esta competência poderá ser estabelecida por ato do poder executivo, alterando o decreto constitutivo do CEEI/AM por dispositivo contido em lei ou por delegação do Conselho Estadual de Educação do Amazonas.

Orientada pelos preceitos legais que a reconhecem como uma experiência pedagógica peculiar inserida no sistema educacional brasileiro, a Educação Escolar Indígena deve ser tratada pelas agências governamentais como tal. Para isso devem promover as “adequações institucionais e legais necessárias para garantir a implementação de uma política de governo que priorize assegurar às sociedades indígenas uma educação diferenciada, respeitando seu universosóciocultural.” (Parecer CNE/CEB nº 14/99).

II – VOTO DA RELATORA

Na seara jurídica analisada não foi encontrada nenhuma negativa que se traduza em
impedimento legal para que o Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena do Amazonas (CEEI/AM) assuma funções normativas. Conforme observado, há um corpus jurídico que garante aos povos indígenas no Brasil o direito a uma educação escolar específica, balizada pelo direito ao uso de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem, ancorada em calendários e materiais didáticos específicos.

A solicitação em questão, de interesse dos povos indígenas do Estado do Amazonas e consensuada entre os conselheiros indígenas e não indígenas que compõem o referido Conselho, é referendada pelo contexto doutrinário e normativo da educação brasileira.

A condição de órgão com poderes normativos reclamada pelo CEEI/AM, no intuito de garantir a autonomia dos projetos educativos das comunidades indígenas, pautados nos princípios da especificidade e da interculturalidade, não se configura como separação do sistema estadual de educação. Em sentido contrário, expressa a sua integração e participação em tal sistema resguardada a sua especificidade como educação intercultural, diferenciada, bilíngue, multilíngue e comunitária.

Nestes termos, o voto da relatora indica que, preservado o regime de colaboração previsto na Lei nº 9.394/96 e no Decreto nº 6.861/2009, o Estado do Amazonas, no exercício de sua autonomia, pode atribuir funções normativas ao Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena do Amazonas (CEEI/AM), tendo em vista não haver impeditivos legais em tal atribuição de competência.

Brasília, (DF), 10 de fevereiro de 2011.

Rita Gomes do Nascimento
Conselheira Relatora

Fonte: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16368&Itemid=866

Nenhum comentário: