A MORTE E A MORTE DE LUIZ BACELLAR
Nenhuma instituição e nenhuma pessoa física, além da irmã citada,
desembolsou qualquer quantia, mínima que fosse, para o tratamento de Luiz
Bacellar, custeado com as escassas economias do escritor.
(notas ligeiras sobre
os primeiros 174 dias de morte do poeta)
Zemaria Pinto (*)
No dia 19 de março de 2012, pouco mais de 13h, uma
idiota, estacionando, atropelou Luiz Bacellar, que esperava, no meio-fio, o
momento de atravessar a Ferreira Pena. Sua perna direita partiu-se em quatro
pedaços. Ali começava a morte de Luiz Bacellar.
Levado ao SAMEL, um serviço
particular, o escritor foi atendido com presteza, sendo preparado para a
operação de colocação de pinos e placas, que ligariam de volta os ossos de sua
perna, o que só aconteceria cerca de um mês depois.
Após a recuperação, no dia 02 de
maio, Bacellar foi para a Fundação Dr. Thomas, um órgão mantido pelo município
de Manaus, onde ficou na enfermaria.
A opção pela Fundação era
simples: Bacellar morava em um apartamento, onde teria que subir vários lances
de escada. E, além disso, precisaria de cuidados 24 horas por dia. Como ele
optara – há muito tempo – por viver sozinho, foi levado, sob protestos, ao Dr.
Thomas.
Em julho, quando, apesar de muito
debilitado, já estava até caminhando, com o auxílio de um andador, uma série de
exames médicos colocou-o sob a suspeita de tuberculose. Foi, então, levado ao
Hospital de Doenças Tropicais, onde o diagnóstico mudou radicalmente: câncer no
pulmão, com metástase para outros órgãos.
Mais alguns dias de volta à
Fundação e Bacellar foi levado ao CECON – especializado em oncologia, onde
ficou por mais de um mês, tendo retornado ao Dr. Thomas na segunda metade de
agosto.
No dia 06 de setembro, sentindo
muitas dores e apresentando um quadro de convulsão, Bacellar foi levado de
volta ao CECON, de onde saiu no dia 09 de setembro, para ser velado em uma
funerária particular.
Deixara de respirar pouco depois das13h, exatamente 174
dias depois do início da agonia. No dia 10, com a presença de uma pequena
multidão de amigos, foi sepultado no mesmo jazigo onde fora sepultada sua mãe,
no cemitério São João Batista.
Este é o histórico da agonia, que
se prolonga, agora, mesmo com o poeta vivo apenas em nossa lembrança e
eternizado em seus poemas. Agonia motivada pela irresponsabilidade e
inconsequência de uns poucos.
Alguns jornais impressos e alguns
blogs, no dia 10 de setembro, atribuíram a um secretário de estado uma
declaração que o faz – ao secretário – parecer mentiroso e lambanceiro. Para
preservar a honra e a dignidade do tal secretário, vou relatar a verdade, tal
como ela de fato aconteceu – e que pode ser checada com gente da estatura moral
de Ronaldo Bonfim, Tenório Telles, Jane Cony e Elson Farias, entre tantos
outros.
O secretário teria dito que “o
governo do Amazonas tomou todas as medidas necessárias para tentar reverter o
quadro de saúde de Bacellar.” Disse também que “o governo informou à família
que custeará todas as despesas do sepultamento, assim como acompanhou todo o
tratamento médico dele.”
Os fatos
Desde o dia 19 de março até o dia
10 de setembro – do acidente até o enterro – nenhuma secretaria ou qualquer
órgão público gastou um centavo de real com a saúde de Luiz Bacellar.
1 – O serviço médico e a estada
no SAMEL foram cortesia da direção daquela instituição;
2 – Os pinos e placas usados na
perna avariada foram pagos com recursos do próprio Luiz Bacellar (não vou dizer
o valor para não envergonhar os pretensos benfeitores);
3 – O Dr. Thomas, o Tropical e o
CECON são instituições públicas, que jamais cobraram por qualquer serviço
prestado a Bacellar;
4 – Para ter cuidadores 24 horas
por dia, Bacellar pagava do seu próprio bolso os serviços desses profissionais,
além de contar com um time de voluntárias – o que valeu para as temporadas no
Tropical e no CECON;
5 – O serviço da funerária foi
pago com recursos de uma das irmãs do Bacellar, que fez questão de respeitar
sua vontade, declarada em um documento datado de 25 de agosto, que se resume ao
seguinte (copio o documento, por isso a primeira pessoa):
A – Não quero ser velado em
nenhum espaço público; por conseguinte, desejo ser velado em um local
particular, sem pompa nem circunstância;
B – A propósito, desejo que minha
urna seja a mais simples possível;
C – Dispenso antecipadamente
quaisquer manifestações públicas de apreço, que desejo reservadas apenas a meus
amigos sinceros.
Portanto, nenhuma instituição e
nenhuma pessoa física, além da irmã citada, desembolsou qualquer quantia,
mínima que fosse, para o tratamento de Luiz Bacellar, custeado com as escassas
economias do escritor.
Mente e prevarica quem disser o
contrário.
Agora, abutres, deixem que o
poeta descanse em paz.
PS: sobre as últimas palavras de
Bacellar terem sido que “queria se encontrar com Jesus”, trata-se de uma
falácia evangélica: o velho Dom Luiz jamais diria tal sandice. Nem pra fazer
piada.
(*) É poeta e um dos amigos sinceros
de Luiz Bacelar, sendo também vitimado no mesmo acidente que o autor de “Frauta
de Barro” foi acidentado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário