domingo, 16 de setembro de 2012


ARANHAS CARANGUEJEIRAS

Ellza Souza (*)

Dentro do projeto “Poesia solta na rua” que acontece às quintas feiras na Escola de Samba Reino Unido do Morro da Liberdade,  cujo enredo para 2013 é dedicado ao livro (Samba Lê-Ler) contou no último dia 13 com o “poeta maior” Thiago de Melo. Assim chamado por alguém da platéia, o poeta indagou se ali tinha alguma fita métrica para medir aos três que se apresentavam naquela noite para ver quem de fato era o maior. Na linha humildade do Thiago de Mello, a jovem Pollyanna Matos, amazonense, disse ser uma “iniciante” com dez anos na estrada. O outro a se apresentar foi o carioca Mauricio Matos, com trabalhos publicados e estudioso do Camões, portanto um poeta de peso (não precisa pedir uma balança para pesar e comprovar).

Não é fácil escrever um poema. Não é fácil entender uma poesia. Não é fácil  revirar  os sentimentos ao ouvir as palavras de um verso.  Eu me revolvo toda ao ouvir algumas poesias mas outras simplesmente passam por mim e só me dão calafrios. A poesia tem que emocionar, tem que fazer feliz. Pode ser um versinho simples, pode ser uma frase até mas preciso sentir verdade e lacrimejar para poder gostar.

Nessa noite quentíssima no galpão da Escola quem comandou o show foi realmente o Thiago. Contou suas histórias, declamou poesias e um texto do seu livro Manaus-Amor e Memória onde homenageia seu “enrolado” amigo  Luiz Bacellar com quem ele brigou todos os dias vividos em Manaus. Falou dos poetas que estão começando, ralhou com os desatentos da platéia e com os que não conhecem a língua portuguesa. e não dominam uma certa técnica poética para fazer das palavras a expressão da beleza e da verdade.

Concordo quando ele diz que falta nos versos de muitos autores algo chamado musicalidade. E é isso mesmo que separa a boa poesia da poesia não tão boa assim. Quando não existe um certo fluir das belas palavras alma adentro, simples, melodiosas mas escritas com alguma segurança pelo poeta que preza a matéria prima usada, essa para mim não é uma boa poesia.

Thiago de Mello falou em alto e bom som que faz poemas de amor. As palavras do poeta ecoam até agora no meu ser: “É preciso aprender a amar, doce e constante”; “Paz feita de fúria”; “...vir comigo acender toda paz das estrelas; “Vida a serviço da vida”; “canto molhado e barrento”; “Nas águas da minha infância/ Estou no meio do rio/ no centro da praça...” Coisas assim, simples e belas.

Tenho um medo incompreensível de aranha e o poeta dos barrancos, de Barreirinha, sua terra natal, das águas negras, falou nessa noite do encontro amoroso de duas caranguejeiras delicadamente observado por  ele na “sombra sobre sombra em levíssimos movimentos”. A partir dessa subida ao Morro da Liberdade nunca mais serei a mesma. O terror que eu sentia pelas aranhas foi amenizado pelo poder do amor da poesia do Thiago de Mello.

(*) É escritora, jornalista e articulista do NCPAM/UFAM.

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