segunda-feira, 28 de março de 2011

AMAZONAS, TERRA E ÁGUA DE CONTRASTES

A narrativa abaixo é da época em que a professora vinha desenvolvendo no Grupo de Ecologia, Citogenética e Recursos Naturais, Departamento de Biologia Vegetal e Ecologia da Universidade de Sevilla, na Espanha. Data de 05 de junho de 2010, em comemoração ao Dia Mundial do Meio Ambiente. Atualmente, a professora Anete Rubim vem diagnosticando e monitorando as águas do complexo do Encontro das Águas, em parceria com o Movimento S.O.S Encontro das Águas, visando estabelecer uma dinâmica de trabalho com os comunitários do Lago do Aleixo, consolidando, desta feita, as relações com as demais comunidades do Puraquequara, onde há mais tempo a professora Anete já vem trabalhando. O propósito do projeto é fortalecer o processo de gestão do Encontro das Águas para proteger esse bem como patrimônio cultural nacional, na perspectiva de assegurar quem sabe, a criação do Comitê de Bacia agregando representações do Movimento Socioambiental, poder público e privado.

Anete Rubim (*)

Nasci em uma ilha de várzea no rio Madeira, estado do Amazonas (região norte do Brasil). O rio Madeira, para quem não sabe, é um afluente da margem direita do rio Amazonas, portanto, vem das cordilheiras dos Andes. É o rio mais barrento, mais caudaloso e mais briguento entre todos da região. Com mais sedimentos porque carreia por ano até 3500 mg/l ao longo de mais de 1400 km. de extensao. Caudaloso porque contém 18 corredeiras/cachoeiras. E briguento porque é briguento mesmo. Em seu curso são comuns as ilhas de várzea, formadas por sedimentos e que são consideradas terras jovens, em processo de formaçao. As ilhas podem permanecer inundadas durante vários meses no ano e como em outros lugares da várzea, quem nasce aí não tem endereço, nem código postal e só se chega de barco, numa viagem que pode demorar dias. As cartas para os ribeirinhos são entregues pelo remetente nos barcos, no dia da saída e só consta o nome do destinatário, quando muito, o nome da comunidade. Nome de comunidade quase sempre é nome de santo. O interior do Amazonas é assim…um mundão de floresta e água que obriga o ribeirinho ao isolamento, numa condição de vida sem acesso aos bens mais básicos para qualquer ser humano: saúde e ducação. Quem vive neste mundão de água e mata é um herói desde que nasce. O transporte escolar das crianças é uma canoa. Se a escola é perto, vão remando. Se é longe, depende de um motor para colocar no pequeno barco. Se quebra o motor, leva meses ate consertar e não se vai a lugar menhum. Já ouviram falar na construção das usinas hidrelétricas Santo Antonio e Jirau? Também é no Madeira! Adeus valentia! Um estudo sobre o transporte de sedimento revela: Os barramentos no Rio Madeira irão gerar uma redução na velocidade da corrente e na capacidade de transporte de sedimentos pelo rio, favorecendo sua deposição nos reservatórios que, aos poucos, vão perdendo sua capacidade de armazenar água. Portanto, qualquer mudança do estado de equilíbrio do fluxo, ocasionada pela construção de uma barragem em um curso de água, conduz a uma série de transformações no processo fluvial. E tem os peixes migradores, os grandes bagres, que necessitam da extensão do rio para completar seu ciclo produtivo. A vida é mais difícil no período de cheias durante os meses de dezembro a junho. A pesca é mais complicada e nesta época não se pode plantar nas várzeas. No Amazonas, o peixe é a principal fonte de proteína e em algumas áreas, come-se peixe no café, no almoço e na janta. Daí, o registro de maior consumo de pescado no Brasil: 550 g indivíduo-1 día-1, muito superior a media do consumo no País. Lógico que dentre as duas mil espécies de peixes existentes na região, o ribeirinho tem as suas preferências: assim como reconhece o peixe pelo ruído emitido no silencio das pescarias, ele também conhece o sabor da carne nobre do pescado. Por isso só pescam as espécies que lhes interessam, sendo respeitosos com o rio. Manaus, a capital do estado, viveu seu período de riqueza no final do sec. 19 e início do sec. 20, com a exploração da borracha. Durante o apogeu do látex, foram construídos palacetes e monumentos, como o mais suntuoso Teatro do Brasil, o Teatro Amazonas, e também foi fundada a primeira universidade do País, hoje Universidade Federal do Amazonas, que acaba de completar cem anos. Com o contrabando das sementes e produção do látex em outros países tropicais, a cidade passou por um declínio econômico que perdurou por anos. Além disso, o isolamento da cidade com o resto do País contribuiu para a estagnação da economia.

Zona Franca

Na década de sessenta, como parte do plano de Governo de integrar a região com o resto do país, foi criada a zona Franca de Manaus. Com objetivo de potencializar a regiao, o governo concedeu incentivos fiscais para instalaçao de fábricas. Hoje são 550 industrias, que fabricam desde motocicletas a CD-ROM. Analistas divulgam que a existencias do polo industrial de Manaus, reduz a pressao sobre o desmatamento do Amazonas, daí o menor índice (2%) entre os estados da regiao, dado intensamente divulgado pelo governo, como forma de amealhar recursos especialmente no exterior. A implantaçao da zona franca de Manaus, promoveu um fluxo migratório de pessoas do interior, de estados vizinhos e nordeste do Brasil, atraídos pela expectativa de emprego e melhores condições de vida. Esse processo gerou uma concentração populacional na cidade de Manaus, que possuía pouco mais de 300.000 habitantes em 1970 e passou a uma populaçao de 1.7 milhoes em 2009. O cenário que forma parte da paisagem urbana de Manaus não é diferente de outras cidades do país que segregaram a população de baixa renda na periferia da metrópole. Além das áreas periféricas, as pessoas se concentraram nas margens dos pequenos rios, vivendo em palafitas sobre essas areas, que além de servirem de moradias, passaram a funcionar como receptoras de lixo e esgotos (só 13 % do esgoto é recolhido). A falta de controle e de medidas governamentais ao longo do processo de ocupação nessas áreas protegidas por Lei, acabou por poluir e inviabilizar os pequenos rios que cortam a cidade, chamados de igarapé. Atualmente, há um programa de governo para melhorar a problematica.

O Encontro das Águas

O símbolo mais emblemático desta cidade da Amazônia é o encontro das águas dos rios Negro e Solimoes, que a partir dessa união passa a ser denominado Amazonas. Quem vai a Manaus e não conhece o encontro das águas é como o velho ditado: foi â Roma e não viu o Papa! Quer conhecer grátis? Pega a balsa Ceasa-Castanho que atravessa o rio e leve a câmera fotográfica, pois paisagem mais bonita não há. Entretanto…o símbolo mais emblemático de Manaus pode ter outro cenário! A construção de um porto privado na frente do encontro das águas para atender o pólo industrial da Zona Franca, o tal porto encontra-se em processo de licenciamento no órgão estadual de meio ambiente. Se aprovado, serão vislumbrados pelo turista centenas de containers, além de todos os impactos antes, durante e depois do funcionamento do porto. Contudo, há um movimento social denominado S.O.S. encontro das águas, com objetivo de defender o valioso patrimônio natural, que solicitou do governo federal a transformação do local em área protegida. O processo esta tramitando e quem quiser se informar para prestar apoio ou por curiosidade cunsulte www.ncpam.com.br

E o Rio Madeira

As transformações na cidade de Manaus são notórias, umas para melhor outras nem tanto, porém o interior está igual. Igual não, pior! Hoje o rio Madeira, o mais forte, caudaloso e mais bravo, está doente. Contaminado por mercúrio usado na exploraçao do ouro que está no fundo do rio. Movem e removem os garimpeiros. De acordo com pesquisas da Universidade Federal de Rondonia, está contaminado o rio, o peixe e o homem. O rio Madeira valente está com os dias contados. Viver na Amazônia não é fácil! A região é conhecida pela sua biodiversidade…e tambem pelos superlativos: a maior planta aquática e o maior peixe do mundo. Chegar a uma comunidade e conversar com o caboclo ribeirinho é bom, sua sabedoria vai além do conhecimento cientifico e você sai ganhando com a narrativa do saber popular.

A Chuva e o Calor

Para as crianças, os frutos nativos como pupunha, açaí, tucumã e cupuaçu substituem os caramelos, biscoitos e guloseimas. Banho de chuva faz parte do cotidiano. No Amazonas chove de novembro a junho, com media de 2000 mm/ano. A chuva não manda recado, vai e vem qualquer hora e logo depois o calor chega, castigando o pensamento de qualquer vivente. Inclusive o meu! Nunca esqueço a alegria das crianças, correndo descalças e pulando no rio Amazonas.

(1) “Várzea” son humedales (2) “Ribeirinhos” se denominan a las personas que viven a la orilla del río. (3) “Los palafitos” son un tipo de vivienda asentada sobre pilotes o estacas en zonas inundables, lagunas o canales.

Anete Rubim aneterubim@ufam.edu.br

(*) É professora da Universidade Federal do Amazonas, hoje em Sevilla participa do grupo de pesquisa GECONAT – grupo de ecologia, citogenética e recursos naturais, no Depto. de Biologia Vegetal e Ecologia da Universidade de Sevilla.

Referências:

CARPIO, M. J. Hidrologia e Sedimentos. In: Águas Turvas: alertas sobre as conseqüências de barrar o maior afluente do Amazonas/Glenn Switkes, organizador; Patrícia Boninha, editora – São Paulo: International Rivers, 2008.
COBRAPE – Cia. Brasileira de Projetos e Empreendimentos. Relatório de análise do conteúdo dos estudos de impacto ambiental (EIA) e do relatório de impacto ambiental (RIMA) dos aproveitamentos hidrelétricos de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, Estado de Rondônia.
TUCCI, C. E. M. Análises dos Estudos Ambientais dos Empreendimentos do Rio Madeira. Ministério do Meio Ambiente. Instituto Brasileiro de Meio Ambiente – IBAMA: 2007. www.geo.ufv.br/simposio/simposio/trabalhos/resumos Escrito en Biodiversidad, Biología Vegetal, Botánica, Ecología, Medio ambiente Etiquetado Amazonas, Anete Rubim, Día Mundial del Medio Ambiente, Manaos, várzea 19

Fonte: http://elbarcodedarwin.com/2010/06/05/amazonas-terra-e-agua-de-contrastes-en-el-dia-mundial-de-medio-ambiente/

3 comentários:

Anônimo disse...

Precisamos de pessoas assim para colocar a boca no mundo em favor da preseervação do Encontro das Águas, do rio Madeira, das ilhas da várzea, da floresta, do ribeirinho. É a VIDA que pede socorro, a vida no planeta.

Anônimo disse...

DEUS NOS LIVRE DOS EDUCADORES TENDENCIOSOS E MAL INFORMADOS. SE A PROFESSÕRA UMA DIA NA VIDA TIVESSE PEGADO A TAL BALSA, CONSTATARIA UMA ÁREA ABANDONADA A TRÊS SÉCULOS, ANTROPIZADA E MACULADA POR OBRAS PÚBLICAS E PARTICULARES. NO CASO DE UMA EDUCADOURA, OU É MÁ FÉ OU DESINFORMAÇÃO.

Anônimo disse...

Deus nos livre de vermes que apoiam destruição de riquezas naturais como o ENCONTRO DAS ÁGUAS. Pesquisadora, a Senhora caiu do céu. Senhora Pesquisadora, foi Deus que a mandou para ajudar salvar o Lago do Aleixo e todos o entorno do ENCONTRO DAS ÁGUAS, o Mov.SOS Encontro das Águas precisam de saberes como o seu para conter a devastação nessa região tão rica em bens naturais e tão pobre em atenção por parte das autoridades competentes. Toda a Região do ENCONTRO DAS ÁGUAS à recebe de braços abertos.