domingo, 26 de junho de 2011

AMAZÔNIA REINVENTADA

Márcio Souza (*)

A questão da região amazônica é sem dúvida fundamental para entendermos bem a diversidade do Brasil. Mas nem sempre foi possível o acesso ao passado da grande planície. Por isso, chamo a atenção para o trabalho de reestruturação dos arquivos públicos brasileiros. Como o que foi feito em Belém, permitindo que os pesquisadores tivessem acesso a informações até então inéditas, o que foi muito importante para o estudo da formação do Brasil e da integração da Amazônia ao Estado brasileiro.

O Brasil é fruto de um conjunto de paradoxo, entre pobreza e riqueza, modernidade e arcaísmo. É necessário analisá-los para entender a formação do país. É preciso levar em conta também às particularidades do modelo colonial português.

Não podemos esquecer que na origem, a Amazônia não pertencia ao Brasil. Na verdade os portugueses tinham duas colônias na América do Sul, uma descoberta por Cabral em 1500, governada pelo vice-rei do Brasil, a outra, o Grão-Pará e Rio Negro, descoberto por Vicente Iãnes Pinzon em 1498, logo após a terceira viagem de Colombo à América, quando batizou o rio Amazonas de Mar Dulce, mas efetivamente ocupada pelos portugueses a partir de 1630.

Esses dois Estados se desenvolveram distintamente até 1823, data em que o império do Brasil começou a anexar o seu vizinho. A violência era naquela altura a única via possível, tão diferentes eram as estratégias, a cultura e a economia dessas duas colônias. A Amazônia então não era uma fronteira: é um conceito que foi intentado pelo Império e retomado pela Republica.

No Grão-Pará e Rio Negro, a economia era fundada na produção manufaturada, a partir das transformações do látex. Era uma indústria florescente, produzindo objetos de fama mundial, como sapatos e galochas, capas impermeáveis, mola e instrumentos cirúrgicos, destinados à exportação ou ao consumo interno. Baseava-se também na indústria naval e numa agricultura de pequenos proprietários.

O marquês de Pombal nomeará seu próprio irmão para dirigir o país, com o intento de reter o processo de decadência do Império português que dava mostras de ser incapaz de acompanhar o desenvolvimento capitalista. Nesse contexto, os escravos tinham uma importância menor do que nos outros lugares. O país desfruta, além disso, de uma cultura urbana bastante desenvolvida, com Belém, construída para ser capital administrativa. Ou sede da Capitania do Rio Negro, Barcelos, que conheceu um importante desenvolvimento antes de Manaus, e para a qual se recorrera ao arquiteto e urbanista de Bolonha Antônio José Landi. Em compensação, a colônia chamada Brasil dependia amplamente da agricultura e da agroindústria, tendo, portanto uma forte proporção de mão-de-obra escrava.

Em meado do século XVIII, tanto o Grão-Pará quanto o Brasil conseguem criar uma forte classe de comerciante, bastante ligados à importação e exportação, senhores autônomos em relação a Metrópoles. Mas enquanto os comerciantes do Rio de Janeiro deliberadamente optaram pela agricultura de trabalho intensivo, como o café, baseando-se no regime de escravidão, os empresários do Grão-Pará intensificaram seus investimentos na indústria naval e nas primeiras fábricas de beneficiamento de produtos extrativos, especialmente o tabaco e a castanha do Pará. Na realidade, a Amazônia foi reinventada pelo Brasil, que propôs para ela a sua própria imagem.

Os moradores da Amazônia sempre espantam ao ver que, talvez para melhor vendê-la e explorá-la, ainda apresentam sua região como habitada essencialmente por tribos indígenas, enquanto existem há muito tempo cidades, uma verdadeira vida urbana, e uma população erudita que teceu laços estreitos com a Europa desde o século XIX. Aliás, nisso residem as maiores possibilidades de resistência e de sobrevivência dessa região. Com efeito, os povos indígenas da Amazônia nada conseguirão se não se apoiarem nessa população urbana que é a única que se expressa nas eleições e exerce pressão sobre a cena política.

(*) É escritor renomado, dramaturgo e articulista de a Crítica.

Um comentário:

Juscélia disse...

Com o tombamento do Centro histórico de Manaus, teremos esse valor simbólico conservado para a posteridade. Mas em contrapartida precisamos de políticas que agreguem essa cultura patrimonial com o que é ensinado nas escolas e também há a necessidade de uma política de incentivo mais intensiva em nosso turismo local.