quinta-feira, 23 de junho de 2011

POR QUEM CHORA O MINDÚ?

Ainda esta semana, em Manaus, quando estávamos reunidos às margens do Igarapé da Freira, um dos braços do Quarenta, no bairro do Japiim, impactado pelas obras de um programa do governo chamado PROSAMIM, uma senhora dizia para o nosso editor que: "Agora o rio fede. É triste ver assim, ele todo emporcalhado e a gente pobre, sem nada pra fazer. Pobre, feia e desprovida... só nos resta é reclamar." A afirmativa se deu no contexto de preparação de uma assembléia dos moradores, quando chegavam para reunir com os técnicos do governo e deputados para discutirem as alagações que têm sofrido com grande prejuízo para economia doméstica dessa gente. O modelo eleitoreiro no Amazonas tem sido assim desde o fim do ciclo da borracha. Com a miséria se alastrando, os políticos e governantes "faturam" votos à custa dos desvalidos. Celebra-se dessa feita, o pacto da barbárie com custos imediatos, provocando danos irreversíveis à cidade, ao seu meio ambiente e a todo corpo vivo que a constitui. Sofre a cidade como corpo vivo representada também na gente desvalida que vive e mora nos igarapés ou nos bolsões de miséria vivendo no em torno de Manaus. Nesse impasse, os políticos aumentam sua densidade eleitoral oferecendo bolsas de suprimentos aos excluídos e minizando cada vez mais as políticas públicas quanto à sua qualidade e serviço. É um desatino que atinge a todos. Enfim, além de reclamar é necessário intervir nesse processo combatendo a desigualdade social, o analfabetismo político, com mais educação e informação visando romper com o circulo vicioso que se instalou no Estado, criando políticos de papel movido por interesses particulares. O texto da escritora Ellza Souza é de uma ternura que nos faz refletir sobre os nossos valores cidadãos chamando-nos atenção do sentimento de pertença enquanto filhos desse território, que além de nos abrigar alimenta a todos, transformando-se em nosso cantinho, drenado por igarapés, que são verdadeiras artérias a fazer pulsar o nosso coração e mente. Confira o texto abaixo e manifeste sua indignação por uma cidade sustentável enquanto é tempo:

Ellza Souza (*)

O
igarapé do Mindú não chora e como qualquer curso dágua ele seca, transborda e pode morrer. Quem provavelmente vai chorar somos nós, poluidores da própria água que bebemos. Esse “bracinho” de rio de quase 20 quilômetros que um dia escorreu livre e solto de leste a oeste da cidade não resistiu ao avanço do progresso. O Mindú ou “caminho de canoa” em nheengatu nasce nas proximidades da Reserva Ducke, área hoje densamente povoada, corta toda a zona leste passa pelas avenidas Paraíba, Recife, Djalma Batista, Constantino Nery, junta-se ao igarapé dos Franceses para formar o da Cachoeira Grande e mais a frente juntar-se ao igarapé do Franco formando o igarapé de São Raimundo, desaguando então no Rio Negro.

Dizem que em Manaus eram mais de cem igarapés, agora com menos de 350 anos a cidade deu um jeitinho de acabar com todos que existiam por aqui há milhares de anos. Nos primeiros trezentos anos alguns ainda resistiram mas nos últimos cinqüenta com o modelo de desenvolvimento imposto à grande tribo manauara, todos estão mortos.

O primeiro a desaparecer, conforme conta a história, foi o Espírito Santo mais conhecido hoje por avenida Eduardo Ribeiro. E assim muitos outros sumiram do mapa. Gostava de olhar as águas negríssimas do igarapé de Manaus que circundavam o Palácio do Governador e que as próprias autoridades que se gabam por aí de serem defensoras da Amazônia, aterraram. Construíram por ali verdadeiros “poleiros”, parque ou sei lá o que. O bom senso aí não prevaleceu que seria a revitalização do igarapé com os barquinhos e catraias navegando e desafogando até o caótico centro e a retirada de moradias de suas margens, sem choro e nem vela. Sem poder ter o seu barquinho todos querem ter o seu carrinho. E tome confusão nas ruas da cidade.

Manaus que era um lugar onde todos os riozinhos do mundo pareciam se encontrar agora lamenta a sua sorte. Não só o Mindú mas o do Chico, do Quarenta, do Franco, do São Raimundo, da Cachoeira Grande, do Tarumã, o de Manaus, o da Ponte da Bolívia e tantos outros que se perderam com o progresso desordenado que se instalou por aqui. As novas gerações não vão conhecer nem de nome as dezenas dos “caminhos de canoa” límpidos que escorriam por essa terra num tempo em que “banho” representava mergulhar nas Pedreiras, no Parque 10, no Tarumã, no Cajual e mesmo na Ponta Negra, um lugar distante mas de areias brancas e águas mornas intensamente da cor do guaraná.

Por todo canto passava um desses riozinhos, aliviando o nosso chão, as nossas árvores, o calor sufocante das ruas hoje hermeticamente vedadas pelo asfalto e cimento. Faz dó ver os que restaram transformados na mais pura lama com muito lixo “boiando” ou enfeando suas margens. E nenhum dos incontáveis governos que tivemos durante esses quase quatro séculos teve alguma brilhante idéia que salvaguardasse os igarapés e com isso assegurasse uma vida melhor para a humanidade.

Claro que os moradores da cidade têm sua parcela de culpa pois nunca soube de alguma manifestação para evitar que os igarapés fossem aterrados. Ora se até o Encontro das Águas tão fotografado e apreciado por todos passa por momentos difíceis por não contar com o apoio em massa da sociedade manauara. A hora é essa de demonstrar que existem outras maneiras de crescer sem aniquilar a natureza. O Criador nos deu muita água e por ela devemos nos unir. Desde o governador Eduardo Ribeiro até o ousadíssimo Jorge Teixeira seguiram uma inexorável seqüência de aterrar os pequenos rios de dar inveja a qualquer exterminador do futuro. Todos parecem concordar que o crescimento de Manaus depende do fim dos igarapés, das árvores, dos animais, da vida humana. Ou será que o homem escapa á sua própria sanha de destruição e morte?

(*) É jornalista, escritora e articulista do NCPAM/UFAM.

5 comentários:

Marisa Lima disse...

Gosto de tudo que você escreve, mas este texto, além de bom está emocionante. Sou de origem ribeirinha, nasci em um trecho do beiradão do Amazonas, à margem esquerda do Encontro das Águas, em um lugarejo denominado Correnteza Grande, neste citado sítio, apesar de localizado na beira do rio, existe uma cacimba abastecida por olhos dágua, cuja água é cristalina. Eu já estou com mais de 50 anos, quando nascí, meu primeiro banho foi com água desta deliciosa cacimba e até hoje ela está preservada e conservada pelos atuais habitantes do sítio e a água que p/ aquelas pessoas significa fonte de vida, continua jorrando limpa, cristalina, abastecendo a todos que a preservam e dela se abastecem. Sempre que posso visito este referido lugar para amenizar a saudade e me deliciar com a água da cacimba da minha infância. Esse comentário é apenas p/ dizer que, quando se tem amor e respeito pela natureza ele é nossa maior promotora de vida saudável, caso contrário, nós a transformamos em perigo e ameaça à nossa própria vida. Tudo que fizermos com a natureza, seja benefício ou malefício, teremos o retorno,o tipo desse retorno depende da ação por nós praticada.
Quanto aos inúmeros e belíssimos igarapés da cidade de Manaus e arredores, conhecí e tomei banho em todos eles. Moro em Manaus há 40 anos, o primeiro lugar em que morei em Manaus foi na rua Lima Bacuri, no centro de Manaus,no período de rio cheio, tomavamos banho todos os dias atrás do Palácio Rio Negro,passeavamos de canoa, era uma maravilha, hoje este lugar outrora tão vital e saudável está sepultado p/ sempre, juntamente com todos os outros que tão bem conhemos e nos deliciamos com suas águas, sua paisagem esuberante. É muito triste p/ quem viu, viveu e conviveu com esses ricos mananciais ver o que criminosamente fizeram com eles. Outro dia, passando de ônibus com meu neto de 11 anos, próximo ao falecido igarapé do 40, falei p/ ele, eu tomei muito banho neste igarapé, ele me olhou espantado e disse; vovó, tu era muito sebosa, essa água é podre! Eu expliquei p/ ele que isso foi antes do progresso que funciona p/ a natureza como uma praga. Espero que um dia alguém não seja chamado de seboso, pelo netinho, ao dizer que tomou banho no Encontro das Águas. Muito obrigada.

Ellza Souza disse...

Marisa, não a conheço mas gostaria muito de conhecê-la. O seu relato me emocionou bastante pelo resgate das lembranças que voce nos trouxe. É triste a constatação dessa realidade que não precisava ser assim. Quando fores a Correnteza Grande me convida que preciso conhecer esse lugar e essas pessoas que sabiamente conservam seus olhos dágua com amor. Gostaria de escrever muito mais sobre seu belo lugar de origem mas aqui é um espaço para comentário, apenas. Estou sem palavras mas muito emocionada, ellza//

Anônimo disse...

Marisa,tambem gostaria muito de te conhecer pessoalmente,vç pode me dar seu endereço tambem quero tomar banho contigo nessa caçimba e no 40,vamos me de seu endereço pra mim vai ser um prazer te conhecer,vç deve ser uma das pessoas mas lipas que esiste nesta cidade bjsss

Anônimo disse...

Imagina se a Marisa vai querer conhecer, muito menos convidar um ser completamente desorientado feito esse que diz querer tomar banho no falecido igarapé do quarenta. Vai sozinho, aproveita e se afoga à vontade. Deixa a Marisa em paz, ela é gente finíssima, da melhor qualidade. Tô de olho em ti!

Anônimo disse...

Esse ser sem noção que tentou fazer gracinha com a gloriosa Marisa é um completo idiota que não consegue interpretar o conteúdo de um texto. O que a Marisa disse sobre os inúmeros igarapés da cidade de Manaus e circunvizinhança, é que antes desse famigerado progresso destruidor, tinhamos belos e saudáveis igarapés espalhados por toda cidade de Manaus. E a destrição dos mesmos foi uma grande desgraça p/ todos nós seres ditos humanos e racionais! Entendeu? Parabéns Marisa. Deus abençoe você e a cacimba de sua infância.