sexta-feira, 21 de setembro de 2012


ORLA EM APUROS

Ellza Souza (*)

Eu estava crente que a orla da minha cidade continuava linda como sempre foi. Apreciar o colorido de Manaus, com todas as suas imperfeições e alterações feitas ao longo de sua história, era uma das melhores coisas a se fazer. O contraste das águas negras e sua suntuosidade me encantavam. Achava que nunca iam tirar a beleza encantadora de nossas beiradas. Mas conseguiram toldar as paisagens de nossa orla. O rio Negro está mesmo toldado, barrento, amarronzado. Talvez pela excessiva poluição e pelas intensas escavações em nossas encostas.

Desde o Igarapé do Tarumã, praia da Ponta Negra , bairros da Compensa, São Raimundo, Aparecida, Centro, Educandos, toda a área do Encontro das Águas e Lago do Aleixo observei uma terra revolvida e muitas embarcações como balsas que comportam grande quantidade de óleo poluidor. São mais de 60 estaleiros que deixou de ser um ponto turístico onde eram construídos os barcos de madeira sem plantas. Inventaram que esses tradicionais barcos da Amazônia devem ser substiuídos pelos de ferro por motivo de segurança. Observei mesmo algumas carcaças imensas enferrujando na beira do rio onde no mínimo configura desperdício e “ferro” para a população. Mesmo assim as canoinhas e barcos regionais não desistem e teimam em circular nesse rio que mais parece um mar.

Fico pensando em busca de uma resposta. O que leva as autoridades e os empresários a abrirem mão da beleza (que também gera progresso e dinheiro já que o problema é esse) a fazerem transformações tão gritantes no meio ambiente e na orla de uma cidade onde em nome do desenvolvimento local apoiam projetos ignominiosos desconhecidos da população que vai sofrer depois com os resultados nefastos de tais ações.

As praias que circundavam a cidade desapareceram. Até a Ponta Negra, um lugar tão lindo onde as areias brancas seguravam naturalmente as águas pretas do rio, onde a vegetação e as pedras também faziam parte da paisagem, está estranha e em obras. Mesmo com a construção do hotel antes até glamouroso ainda assim a beleza continuou fazendo parte do cenário. O manauara fazia daquelas beiras um lugar de observação e encantamento pois fazia gosto sentar numa escadinha de pedra e simplesmente apreciar o balanço daquelas águas tão escuras mas tão transparentes quando chega na praia. Chegava a imaginar que era o nosso precioso guaraná.

Mudou tudo na orla. O que me entristeceu com a última visita fluvial é que procurei a beleza, os pontos que enfeitavam o trajeto e não mais os encontrei. O porto flutuante ou Rodway está irreconhecível. Descaracterizaram todo o belo projeto dos ingleses para quê? Não colocaram nada melhor no lugar. Agora ficou ruim para os de casa e os que aqui chegam à procura de uma certa sanidade com o meio ambiente e algum conforto também. Não existe mais nem uma coisa e nem outra. Parece que é um local sem dono, sem cuidado, sem direção. Os turistas reclamam pois funciona como um expulsômetro. Eles vêm uma vez e não voltam nunca mais pois a propaganda bem feita só funciona uma vez.

E o mercadão que há anos está fechado para reforma. Como pode um local tão importante para qualquer cidade e para o turismo ser abandonado assim à vista de todos sem uma explicação. Parece que tem um conchavo para deixar acabar tudo nessa cidade e daí fazer ressurgir uma metrópole moderna e futurista.

Me arrepiei quando ouvi falar em polo de navegação. Não sou contra progresso e bons empregos para a cidade. Sou contra a enganação, os projetos mirabolantes e nefastos ao povo e à natureza. Sou a favor de projetos feitos às claras, inteligentes, feitos para a sociedade local e interligado ao moderno conceito de sustentabilidade. Tantos polos poderiam ser feitos na região amazônica baseados em nossas riquezas e de acordo com os estudiosos de nossas peculiaridades e não pegando certas idéias alheias de quem vem de fora pensando só em se dar bem no pedaço. Que sejam bem vindos quem tiver boas intenções. Tanto de um lado quanto do outro que é quem governa essas paragens.

Achei que estão cercando a área do Encontro das Águas e empesteando tudo ao seu redor. Como posso acreditar nas boas intenções de projetos megalomaníacos se são tantos “botos brancos” (pra não dizer elefante branco) abandonados na orla. O tão necessário Terminal Pesqueiro por exemplo que nunca foi inaugurado e está à míngua consumido pelo tempo e consumindo as verbas públicas, ou seja as economias do povo. Para um pólo de navegação no rio Negro precisa de muito estudo e seriedade.  Não pode é sair implantando idéias que vão mexer tão fundo com as características de um lugar sem ouvir a sociedade e os cientistas.

Saí desencantada do passeio que fiz à orla da cidade. Corre a máxima que “quem gosta de passado é museu”. Eu adoro passado, presente e futuro pois fazem parte da vida de qualquer ser humano. A única certeza que temos (além da morte claro) é que todos temos um passado, uma história já vivida e que precisamos preservar. O presente, dado à sua efemeridade, não conta e posso dizer que quem vive de futuro é tolo pois o futuro é o depois e nunca chega pois ao chegar já virou passado.

São essas coisas inexplicáveis de nossa curta existência que é melhor deixar para depois ou para o futuro. Não podemos, baseados no futuro, no progresso, no desenvolvimento, é sair detonando tudo o que nos foi legado pelo Criador sem nenhum critério como se abundássemos na sabedoria. Os resultados estão aí, na terra, no rio, nas florestas e nos povos dizimados. Se isso é sabedoria e progresso prefiro viver do passado com as minhas lembranças que alimentam a minha mente e o meu coração. E deixar de lado essa história de que o Brasil é o país do futuro. Um futuro que nunca chega para seu povo.

(*) É escritora, jornalista e articulista do NCPAM/UFAM.

3 comentários:

Anônimo disse...

Há um único projeto comprometido em ser um marco para a reordenação da orla, o Porto das Lajes.
Por que no lugar de se lamentar, você não dedica tempo em conhcer o projeto e seus empreendedores, e, se achar que a idéia e boa e sincera passa a apoiá-la?
Anônimo Convicto

Anônimo disse...

Os afogados ainda não morreram e continuam apostando nesta boia criminosa que é o porto das lajes. Só os desesperados ainda acreditam nesta medida que por ora a União tomou para si a responsabilidade chamando a retidão do processo para STF longe muito longe das influencias do Eduardo, Omar e seus patrocinadores. Fora porto das Lajes, busquemos outra alternativa pra resolver o problema da logística sem matar a beleza do encontro das águas.

Anônimo disse...

Esse aí tá a serviço do passarão.