terça-feira, 3 de maio de 2011

O MELHOR DE NOSSA GENTE

Como diz o caboclo 'farinha pouca, meu pirão primeiro'. Como todo amazonense que gosta de saborear um peixe assado, não mando ninguém comprar a minha farinha d’água ou puba, eu mesmo vou até a taberna, escolho e compro dois frascos para o almoço. Era assim em Parintins, minha cidade natal, mas na capital tudo vem pronto.

O relato é o do próprio pesquisador e fotógrafo Valter Calheiros, que em seu trabalho de campo na Zona Leste de Manaus, no entorno do Encontro das Águas, se deparou com práticas do trabalho cotidiano de um grupo indígenas rionegrino falante do nheengatu, que planta, colhe e beneficia os produtos da mandioca, principalmente a farinha, que é o pão nosso dos amazonenses como bem se referiu Calheiros indagado sobre a foto em tela.

"Quando vi o forno cheio de tucupi (ver foto) pensei que era para aproveitar o fogo e ferver o tucupi, mas logo percebi que o tucupi não era a estrela principal da cena. Eles estavam tirando a massa ou goma branca da tapioca que serve para fazer farinha, tapioquinha ou biju". Mas, o tucupi, por ser um veneno tem que ser fervido, feito esse procedimento que os "brancos" passaram a chamar de tecnologia social" se torna um excelente ingrediente na culinária amazônica. Na verdade, da mandioca nada se perde até as folhas são aproveitadas numa gostosa maniçoba, que digam os paraenses.

Também pensei, explica o pesquisador, "que o tacho cheio de tucupi fosse para fazer cachaça da mandioca, também conhecida como caiçuma, tarubá ou caxire. Na cidade de Juruti e em outras localidades do baixo Amazonas a cachaça também é conhecida como pagiroba. A cachaça é consumida no puxirum ( no trabalho comunitário). Quando a bebida está nova é doce e com o passar dos dias ela vai ficando mais forte - azedando ou apurando. Quando a cachaça é consumida sem moderação, o caboclo fica porre, doidão, tubado, bodado, bebum, embriagado, sem dono e sem rumo, pé-enchado, valente, chorão, chato, lombrado, ligado, fartudo, conhece todo mundo, milionário ou podre de rico, bacana, pau-d´agua. Tudo isso eu vi e ouvi acontecer também na pequena comunidade de Ubim, no município de Faro, no estado do Pará".

Nesse campo de trabalho, segundo os pesquisadores tarimbados, quando convidado a deliciar uma dessas iguarias culturais, nunca pergunte como é feito, coma e se delicie, depois muito depois se lhe interessar procure conhecer tanto o que foi consumido e sobretudo como foi feito. O que vale também para alguns restaurantes dos bacanas das grandes cidades. Enfim as aparências enganam.

A foto de Valter Calheiros é riquíssima em dados etnográficos. Veja, por exemplo, a qualidade do forno, feito de forma artesanal e com certeza resultado do puxirum ou mutirão que reúne os homens e mulheres para o trabalho comunal. A casa de farinha é sempre um lugar de encontro por ser quentinha. Na foto também pode-se ver o braço do tipiti, prensa que alguns povos indígenas usam para extrair o tucupi, deixando a massa da mandioca quase pronta para a fornalha da farinha, que exala um cheiro tão bom que faz lembrar o que somos, o melhor de nossa gente.

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