Márcio Souza*
Mas a pressão humana está totalmente estabelecida e consolidada pelos projetos de colonização e as investidas dos grupos agropecuários. Os impactos ambientais nessas áreas são mais intensos que nas fronteiras de ocupação por causa da maior fragmentação da floresta e das atividades industriais urbanas. No final dos anos 70, a fronteira amazônica já se encontrava fechada, com as melhores terras ocupadas, extensos latifúndios em mãos de especuladores e grupos agropecuários gozando dos incentivos fiscais.
Com o fim da ditadura, o governo da “Nova República” poderia ter realizado a Reforma Agrária, expropriando as terras das mãos dos especuladores, na maioria sem titulação legal ou até mesmo falsa.
Seguiu-se a velha omissão e o oportunismo do poder público brasileiro, que não cuidou de evitar o caráter destrutivo da expansão agrícola, se absteve de realizar um efetivo controle social permitindo que os desmatamentos prosseguissem.
Provavelmente a mais séria das omissões foi a falta de controle sobre o processo de ocupação. Já no começo dos anos 80 as melhores terras estavam registradas em nome dos latifundiários e dos especuladores. Para as terras restantes os colonos precisavam ter a disposição novas tecnologias que impactassem menos o meio ambiente, porém o governo brasileiro não apenas foi negligente quanto em muitos casos, foi contrário às novas medidas.
Se o Brasil é geralmente dado no exterior como um país de emoções, de irracionalidade, um país primitivo ou até folclórico, não podemos nos esquecer, no entanto, que ele herdou da colonização portuguesa uma grande capacidade de organização e planejamento, assim como uma preocupação afirmada com os detalhes. Os portugueses sempre fixaram objetivos para si mesmos. Previam cada um de seus passos no continente latino-americano.
Não consta na crônica da conquista a existência de portugueses em busca da fonte da juventude, tampouco puseram um pé na água para declarar, como fizeram os espanhóis, que se tinham apossado do Oceano Atlântico inteiro. Se o Império não tivesse tido que se haver com a Amazônia, ou, como disse José Honório Rodrigues, se não tivesse passado o tempo inteiro reprimindo revoltas, podemos estar certos de que o processo de expansão territorial do Brasil teria atingido as margens do Pacífico.
A Amazônia passou, portanto, a ser uma fronteira entre uma zona de cultura brasileira predominante e um sub-continente onde se fala Frances, holandês, espanhol, português. Além disso, 32 idiomas são praticados no Rio Negro, idiomas esses que são verdadeiras línguas e não dialetos.
Temos de um lado dessa fronteira uma cultura brasileira em plena expansão, e do outro, culturas originais, pré-colombianas, vivas até hoje, culturas essas que, vale lembrar, estiveram muito tempo na frente das outras, em particular do ponto de vista da técnica, antes de serem submersas pelo processo de integração.
Mas a tragédia da região não poderá ser também a sua redenção? A oposição arcaísmo modernidade não estaria sendo vista ao avesso? A experiência da modernidade já foi feita na região. Mas os tecnocratas e o governo central foram incapazes de favorecer a aceitação de experiências locais no processo de integração econômica. Isso aparece claramente com o exemplo da criação de gado: a chegada do boi só foi uma tal catástrofe para a Amazônia porque o modelo agropecuário foi imposto a um estado, o Acre, onde não havia tradição de criação de gado, e que por causa disso perdeu sua cobertura florestal tradicional.
Porque não usaram em vez disso as zonas tradicionais de pasto, como as existentes no baixo amazonas, cuja superfície é à de todos os pastos europeus reunidos? Esse é exatamente um caso em que a integração econômica foi feita em detrimento da história e da tradição locais.
(*) É escritor, dramaturgo e articulista de a Crítica.
Mas a pressão humana está totalmente estabelecida e consolidada pelos projetos de colonização e as investidas dos grupos agropecuários. Os impactos ambientais nessas áreas são mais intensos que nas fronteiras de ocupação por causa da maior fragmentação da floresta e das atividades industriais urbanas. No final dos anos 70, a fronteira amazônica já se encontrava fechada, com as melhores terras ocupadas, extensos latifúndios em mãos de especuladores e grupos agropecuários gozando dos incentivos fiscais.
Com o fim da ditadura, o governo da “Nova República” poderia ter realizado a Reforma Agrária, expropriando as terras das mãos dos especuladores, na maioria sem titulação legal ou até mesmo falsa.
Seguiu-se a velha omissão e o oportunismo do poder público brasileiro, que não cuidou de evitar o caráter destrutivo da expansão agrícola, se absteve de realizar um efetivo controle social permitindo que os desmatamentos prosseguissem.
Provavelmente a mais séria das omissões foi a falta de controle sobre o processo de ocupação. Já no começo dos anos 80 as melhores terras estavam registradas em nome dos latifundiários e dos especuladores. Para as terras restantes os colonos precisavam ter a disposição novas tecnologias que impactassem menos o meio ambiente, porém o governo brasileiro não apenas foi negligente quanto em muitos casos, foi contrário às novas medidas.
Se o Brasil é geralmente dado no exterior como um país de emoções, de irracionalidade, um país primitivo ou até folclórico, não podemos nos esquecer, no entanto, que ele herdou da colonização portuguesa uma grande capacidade de organização e planejamento, assim como uma preocupação afirmada com os detalhes. Os portugueses sempre fixaram objetivos para si mesmos. Previam cada um de seus passos no continente latino-americano.
Não consta na crônica da conquista a existência de portugueses em busca da fonte da juventude, tampouco puseram um pé na água para declarar, como fizeram os espanhóis, que se tinham apossado do Oceano Atlântico inteiro. Se o Império não tivesse tido que se haver com a Amazônia, ou, como disse José Honório Rodrigues, se não tivesse passado o tempo inteiro reprimindo revoltas, podemos estar certos de que o processo de expansão territorial do Brasil teria atingido as margens do Pacífico.
A Amazônia passou, portanto, a ser uma fronteira entre uma zona de cultura brasileira predominante e um sub-continente onde se fala Frances, holandês, espanhol, português. Além disso, 32 idiomas são praticados no Rio Negro, idiomas esses que são verdadeiras línguas e não dialetos.
Temos de um lado dessa fronteira uma cultura brasileira em plena expansão, e do outro, culturas originais, pré-colombianas, vivas até hoje, culturas essas que, vale lembrar, estiveram muito tempo na frente das outras, em particular do ponto de vista da técnica, antes de serem submersas pelo processo de integração.
Mas a tragédia da região não poderá ser também a sua redenção? A oposição arcaísmo modernidade não estaria sendo vista ao avesso? A experiência da modernidade já foi feita na região. Mas os tecnocratas e o governo central foram incapazes de favorecer a aceitação de experiências locais no processo de integração econômica. Isso aparece claramente com o exemplo da criação de gado: a chegada do boi só foi uma tal catástrofe para a Amazônia porque o modelo agropecuário foi imposto a um estado, o Acre, onde não havia tradição de criação de gado, e que por causa disso perdeu sua cobertura florestal tradicional.
Porque não usaram em vez disso as zonas tradicionais de pasto, como as existentes no baixo amazonas, cuja superfície é à de todos os pastos europeus reunidos? Esse é exatamente um caso em que a integração econômica foi feita em detrimento da história e da tradição locais.
(*) É escritor, dramaturgo e articulista de a Crítica.
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