quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

EM DISCUSSÃO A BATALHA DO CHILE


Valter Pomar (*)

A oposição de direita, no Brasil, está exultante: a eleição chilena seria a demonstração de que é possível derrotar uma candidatura apoiada por um governo bem avaliado por mais de 80% da população.

A direita européia também está contente: a eleição de Piñera (e, antes dele, do presidente do Panamá) demonstra que o modelo sarkozy-berlusconiano está fazendo escola. Filhote do pinochetismo e enriquecido pela privataria, Piñera é uma demonstração do que os capitalistas entendem por “igualdade de oportunidades”.

A direita latina e norteamericana está igualmente feliz: derrotados desde 1998 na maioria das eleições do subcontinente e recém derrotados nas disputas presidenciais ocorridas no Uruguai e Bolívia, os conservadores podem apresentar o caso chileno como demonstração de que é possível reverter, nas urnas, “civilizadamente”, sem golpes, a hegemonia da centro esquerda sulamericana.

Mas felizes mesmo estão os “gorilas” chilenos, que comemoraram ruidosamente, inclusive agitando nas ruas fotografias do falecido ditador, a derrota da Concertación. É a primeira vez, desde a década dos 1950, que a direita chilena consegue maioria eleitoral.

Eles têm motivos para felicidade. E a esquerda deve botar as barbas de molho.

Em primeiro lugar, porque a vitória de Piñera fortalece o bloco de governos alinhados com os Estados Unidos e opositores da integração continental. Colômbia e Peru ganham, assim, um aliado importante.

Em segundo lugar, porque esta vitória não é um fato isolado. Ela faz parte de uma contra ofensiva desencadeada pela direita latinoamericana, apoiada pelo governo dos Estados Unidos e pela direita da União Européia. Esta contra ofensiva inclui os ataques contra os “elos fracos” da rede de governos progressistas, como é o caso de Honduras; inclui o fortalecimento e a extensão da presença militar estadounidense na região, a exemplo das bases na Colômbia e da quarta frota; e inclui uma provocação permanente contra a Venezuela.

Em terceiro lugar, mas principalmente, porque a derrota chilena foi produto combinado dos acertos da direita, com os erros da esquerda.

Já se falou muito no mais óbvio destes erros: a esquerda chilena participou do primeiro turno das eleições dividida entre três candidaturas presidenciais.

E, no segundo turno, uma destas candidaturas titubeou no apoio a Eduardo Frei.Também já se falou de outro erro óbvio: ao contrário da eleição anterior, quando percebeu a necessidade de mudança e lançou Bachelet, desta vez a Concertación foi hiper conservadora. Escolheu como candidato um democrata cristão, ex presidente chileno, com idéias radicalmente moderadas, abrindo uma imensa brecha para que a campanha de Piñera pudesse ter como slogan a palavra: “mudança”.

Os erros acima têm relação, é óbvio, com a estratégia geral seguida pelos setores majoritários da esquerda chilena. Esta estratégia foi eficaz no quesito “governabilidade”, mas ineficaz nas “mudanças estruturais”. Isso se expressou, por um lado, na incapacidade de alterar os parâmetros constitucionais herdados do período Pinochet. E, por outro lado, numa política econômica que não foi capaz de superar a desigualdade social.

A influência desta estratégia moderada explica muito, mas não explica tudo. Afinal, foram cinco eleições e quatro vitórias. Neste sentido, há que considerar os acertos da direita (sempre forte e desta vez unificada), a fadiga de material (quatro governos seguidos) e algumas mudanças político sociológicas ocorridas na sociedade chilena.

Há um quarto elemento, contudo, que deve ser estudado com atenção. Em 1973, o golpe não surpreendeu ninguém. Em 2009-2010, a derrota estava visível no horizonte. As situações são profundamente distintas, mas vale questionar por qual motivo – nos dois casos- a esquerda chilena, mais exatamente seu setor majoritário, foi incapaz de fazer uma correção de rumo.

Entre os vários motivos, cito um que pode ser encontrado nos mais diferentes países e matizes da esquerda: certa tendência a maximizar os feitos e minimizar os defeitos. Cuja acumulação, como sabemos, transforma quantidade em qualidade.

Para além do balanço acerca da derrota, é preciso preparar a resistência contra os vitoriosos. Há alguns dias, uma decisão judicial cassou a atuação legal do Partido Comunista do Chile, colocando em questão inclusive a posse de três parlamentares recém eleitos. Isso é um sinal do que vem por aí.

A batalha do Chile continua, lá e em toda a América Latina. Outubro, no Brasil, será um momento absolutamente decisivo. Aprendamos com as derrotas, para saber como evitá-las.

(*) É secretário de relações internacionais do Partido dos Trabalhadores.

Fonte: http://carosamigos.terra.com.br/

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