Valéria Augusta C. de M. Weigel (*)
As formas como nós, humanos, estabelecemos relações com a natureza são constituídas por significações e valores criados por nós e que podem ser transformados no decorrer dos processos de mudanças em nossas culturas.
As diferentes culturas, em diferentes tempos, têm mostrado formas diversas de construir as relações homem/natureza, apresentando diferentes respostas para questões que estas relações implicam.
No âmbito dessas relações com a natureza estão aquelas que temos com os animais. Estas relações concorreram para que nós nos tornássemos sedentários e delimitássemos territórios, na medida em que domesticamos e passamos a criar certos animais, tanto para consumo – como bois, carneiros e bodes, por exemplo – outras vezes para realizar trabalhos – como cavalos, camelos e cães, etc. – entre outras utilizações.
No decorrer das três últimas décadas – cujo marco é a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada pela UNESCO em 1978 – em nossa sociedade de cultura ocidental, no âmbito das preocupações ambientais, vem ganhando espaço a discussão de questões concernentes às relações dos humanos com os animais, principalmente àquelas estabelecidas com animais domésticos de companhia – os cães e os gatos – em vista da necessidade premente de transformar antigos valores consolidados nas nossas relações com estes animais.
Introduzidos no meio humano ao longo dos séculos, estes animais tornaram-se dependentes de nós, pois para sobreviverem precisam do alimento, do abrigo e da afeição que lhes dispensamos.
As formas como nós, humanos, estabelecemos relações com a natureza são constituídas por significações e valores criados por nós e que podem ser transformados no decorrer dos processos de mudanças em nossas culturas.
As diferentes culturas, em diferentes tempos, têm mostrado formas diversas de construir as relações homem/natureza, apresentando diferentes respostas para questões que estas relações implicam.
No âmbito dessas relações com a natureza estão aquelas que temos com os animais. Estas relações concorreram para que nós nos tornássemos sedentários e delimitássemos territórios, na medida em que domesticamos e passamos a criar certos animais, tanto para consumo – como bois, carneiros e bodes, por exemplo – outras vezes para realizar trabalhos – como cavalos, camelos e cães, etc. – entre outras utilizações.
No decorrer das três últimas décadas – cujo marco é a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada pela UNESCO em 1978 – em nossa sociedade de cultura ocidental, no âmbito das preocupações ambientais, vem ganhando espaço a discussão de questões concernentes às relações dos humanos com os animais, principalmente àquelas estabelecidas com animais domésticos de companhia – os cães e os gatos – em vista da necessidade premente de transformar antigos valores consolidados nas nossas relações com estes animais.
Introduzidos no meio humano ao longo dos séculos, estes animais tornaram-se dependentes de nós, pois para sobreviverem precisam do alimento, do abrigo e da afeição que lhes dispensamos.
No universo urbano
Sejam cidades grandes ou pequenas – esta dependência dos animais tem se transformado em condição de sofrimento, devido a maus-tratos e crueldade que muitos de nós humanos lhes imputamos.
Observa-se que, de um lado, os animais de companhia são considerados como utilidades domésticas: os cães servem para guardar e vigiar a casa, os gatos servem para comer os ratos e “espantar mau olhado”, os filhotes de ambos servem como brinquedo para distrair crianças. Quando deixam de atingir estas finalidades, estes animais são simplesmente descartados como lixo nas vias públicas, sendo condenados a sofrer até morrer dolorosamente – doentes, famintos, tristes e sem abrigo.
De outro lado, os cães e gatos são classificados a partir de valores relacionados a interesses mercadológicos e de sinalização de status social, considerando-se para isso sua origem e raça. Em geral, aos que têm pedigree dá-se preferência e acolhimento completo, principalmente porque são vendidos/comprados a preço elevado, configurando-se, para o lojista, como lucrativo produto de comercialização e, para o comprador, como símbolo de pertencimento a um segmento social mais elevado.
Quanto aos animais mestiços ou sem-raça-definida/SRD, os chamados vira-latas, dá-se apenas desprezo, porque não têm nenhum valor comercial – por isso não geram lucro aos lojistas – sendo vistos como os animais dos pobres.
Embora estes valores estejam ainda consolidados nas representações e práticas sociais, já está em curso – como aponta Keith Thomas em sua obra O homem e o mundo natural – uma significativa mudança de atitude dos homens em relação aos animais, entre eles os domésticos de companhia – os cães e os gatos.
Os estudos científicos têm contribuído para desconstruir esses valores e fortalecer novas atitudes dos homens, a fim de torná-los, gradativamente, capazes de superar a crueldade em relação aos animais. Com base nesses estudos, a Organização Mundial de Saúde/OMS passou a considerar cães e gatos como seres sencientes, isto é, como seres vivos que apresentam sentimentos – sentem medo, dor, ciúme, amor, raiva... – e têm um nível de consciência ou de raciocínio – são seres capazes de aprender usando observação e memória.
A constatação de que cães e gatos são seres sencientes dá uma nova conotação às suas relações com os humanos, porque demonstra ser o animal partícipe e não somente objeto desta relação. Em outras palavras, o animal cria sentimentos em relação ao dono, o que torna o abandono e o afastamento mais dolorosos e cruéis. Além disso, a qualidade senciente atribuída a estes animais corrobora a necessidade de os homens repensarem os critérios éticos com os quais têm estruturado seu modo de representar estes animais, passando a concebê-los como seres merecedores de respeito e cuidados.
Por outro lado, consolida-se na área jurídica, em várias sociedades, o campo do Direito Animal, com determinações legais que regulam a posse, a criação, o transporte, a comercialização, e o manejo de animais, entre outros processos.
No Brasil, a ramificação do Direito Animal foi criada pelo jurista Alexandre Garcia no final da década de 90 do século XX, incluindo-a no conjunto das onze ramificações jurídicas já existentes. Seu trabalho resultou no “Código de Direito Animal” (2003).
Mostra este autor que os animais – entre eles cães e gatos – são protegidos por leis federais, estaduais e municipais e, portanto, têm direitos garantidos por essas leis. Aos direitos dos animais correspondem obrigações ou deveres dos humanos, seus donos e responsáveis, sendo o descumprimento desses direitos dos animais passível de penalidade civil, com detenção e multa. Maus-tratos e crueldade contra cães e gatos são previstos como crimes ambientais contra a fauna, definidos na Lei Federal nº 9605/98, na Seção I do Capítulo V.
Desse modo, setores da sociedade civil – instituições de ensino, organizações não-governamentais, órgãos de proteção aos animais, como o Grupo de Proteção aos Animais/GPA-Manaus – trabalham, atualmente, o conceito de posse responsável de animais.
Com relação a cães e gatos, a posse responsável define-se pela atenção e cuidados em manter o bem-estar do animal. Isto requer assumir o animal como ser vivo, com especificidades e características próprias, Isto é, para estar bem o animal precisa viver como outros de sua espécie, em termos de mobilidade, alimentação, abrigo e saúde.
Neste sentido, no caso dos cães, o direito a um espaço adequado é um direito básico e uma condição essencial para o seu bem-estar. O espaço em que vive o cão precisa ser proporcional ao seu tamanho, para que ele possa se movimentar. Assim, nos casos em que o cão fica sempre acorrentado, a falta de mobilidade vai deixá-lo estressado, infeliz e agressivo.
Além de espaço adequado e alimentação, os donos responsáveis devem proporcionar abrigo adequado ao seu animal, no qual ele esteja protegido de sol, chuva e vento, e de modo que o animal possa deitar-se confortavelmente. Para garantir a saúde, um cuidado essencial é a vacinação periódica, contra as doenças próprias da espécie.
Outro cuidado importante da posse responsável diz respeito à esterilização do animal – cães e gatos, de ambos os sexos – a fim de evitar as crias indesejáveis, as quais muitas vezes, são abandonadas em feiras e vias públicas, contribuindo tanto para a multiplicação da crueldade em relação aos animais, quanto para o aumento do contingente populacional canino e felino nas ruas, sem a devida supervisão humana.
Com relação ao controle dessa população no meio urbano, a OMS recomenda a esterilização, reconhecendo-a como medida mais eficaz para esse controle. Estudos comprovam que o extermínio de animais operado pelos Centros de Controle de Zoonoses/CCZ, além de serem mais onerosos aos cofres públicos, não conseguem diminuir o contingente de cães e gatos, nem em curto, nem em longo prazo.
Por fim, é importante ressaltar que, nos centros urbanos, a convivência dos animais domésticos com os humanos é uma questão que diz respeito tanto aos cidadãos, quanto ao poder público. Aos cidadãos compete cumprir as prescrições legais e éticas que regulam as suas relações com os animais, atuando com responsabilidade e respeito tanto pelo bem-estar do seu animal, quanto por evitar que seu animal fique solto na rua ou passeie sem coleira e guia, impedindo, assim que seu animal possa ocasionar lesões em terceiros.
Quanto ao poder público, cabe, de um lado, fiscalizar o cumprimento da legislação já existente, fazendo valer o Código de Direitos dos Animais. De outro lado, cabe-lhe desenvolver políticas que possam propiciar as condições necessárias ao bem-estar animal e ao controle da população canina e felina, porque desse modo estará também contribuindo para a elevação da qualidade da vida humana.
E juntos, cidadãos organizados em suas entidades e o poder público através dos setores competentes, podem investir na principal estratégia para a transformação de valores e atitudes negativas quanto aos animais: a educação de amplos setores da sociedade. Certamente, pelo convencimento operado por ações educativas poder-se-ão transformar formas cruéis como ainda hoje muitos humanos se relacionam com os animais domésticos de companhia.
Observa-se que, de um lado, os animais de companhia são considerados como utilidades domésticas: os cães servem para guardar e vigiar a casa, os gatos servem para comer os ratos e “espantar mau olhado”, os filhotes de ambos servem como brinquedo para distrair crianças. Quando deixam de atingir estas finalidades, estes animais são simplesmente descartados como lixo nas vias públicas, sendo condenados a sofrer até morrer dolorosamente – doentes, famintos, tristes e sem abrigo.
De outro lado, os cães e gatos são classificados a partir de valores relacionados a interesses mercadológicos e de sinalização de status social, considerando-se para isso sua origem e raça. Em geral, aos que têm pedigree dá-se preferência e acolhimento completo, principalmente porque são vendidos/comprados a preço elevado, configurando-se, para o lojista, como lucrativo produto de comercialização e, para o comprador, como símbolo de pertencimento a um segmento social mais elevado.
Quanto aos animais mestiços ou sem-raça-definida/SRD, os chamados vira-latas, dá-se apenas desprezo, porque não têm nenhum valor comercial – por isso não geram lucro aos lojistas – sendo vistos como os animais dos pobres.
Embora estes valores estejam ainda consolidados nas representações e práticas sociais, já está em curso – como aponta Keith Thomas em sua obra O homem e o mundo natural – uma significativa mudança de atitude dos homens em relação aos animais, entre eles os domésticos de companhia – os cães e os gatos.
Os estudos científicos têm contribuído para desconstruir esses valores e fortalecer novas atitudes dos homens, a fim de torná-los, gradativamente, capazes de superar a crueldade em relação aos animais. Com base nesses estudos, a Organização Mundial de Saúde/OMS passou a considerar cães e gatos como seres sencientes, isto é, como seres vivos que apresentam sentimentos – sentem medo, dor, ciúme, amor, raiva... – e têm um nível de consciência ou de raciocínio – são seres capazes de aprender usando observação e memória.
A constatação de que cães e gatos são seres sencientes dá uma nova conotação às suas relações com os humanos, porque demonstra ser o animal partícipe e não somente objeto desta relação. Em outras palavras, o animal cria sentimentos em relação ao dono, o que torna o abandono e o afastamento mais dolorosos e cruéis. Além disso, a qualidade senciente atribuída a estes animais corrobora a necessidade de os homens repensarem os critérios éticos com os quais têm estruturado seu modo de representar estes animais, passando a concebê-los como seres merecedores de respeito e cuidados.
Por outro lado, consolida-se na área jurídica, em várias sociedades, o campo do Direito Animal, com determinações legais que regulam a posse, a criação, o transporte, a comercialização, e o manejo de animais, entre outros processos.
No Brasil, a ramificação do Direito Animal foi criada pelo jurista Alexandre Garcia no final da década de 90 do século XX, incluindo-a no conjunto das onze ramificações jurídicas já existentes. Seu trabalho resultou no “Código de Direito Animal” (2003).
Mostra este autor que os animais – entre eles cães e gatos – são protegidos por leis federais, estaduais e municipais e, portanto, têm direitos garantidos por essas leis. Aos direitos dos animais correspondem obrigações ou deveres dos humanos, seus donos e responsáveis, sendo o descumprimento desses direitos dos animais passível de penalidade civil, com detenção e multa. Maus-tratos e crueldade contra cães e gatos são previstos como crimes ambientais contra a fauna, definidos na Lei Federal nº 9605/98, na Seção I do Capítulo V.
Desse modo, setores da sociedade civil – instituições de ensino, organizações não-governamentais, órgãos de proteção aos animais, como o Grupo de Proteção aos Animais/GPA-Manaus – trabalham, atualmente, o conceito de posse responsável de animais.
Com relação a cães e gatos, a posse responsável define-se pela atenção e cuidados em manter o bem-estar do animal. Isto requer assumir o animal como ser vivo, com especificidades e características próprias, Isto é, para estar bem o animal precisa viver como outros de sua espécie, em termos de mobilidade, alimentação, abrigo e saúde.
Neste sentido, no caso dos cães, o direito a um espaço adequado é um direito básico e uma condição essencial para o seu bem-estar. O espaço em que vive o cão precisa ser proporcional ao seu tamanho, para que ele possa se movimentar. Assim, nos casos em que o cão fica sempre acorrentado, a falta de mobilidade vai deixá-lo estressado, infeliz e agressivo.
Além de espaço adequado e alimentação, os donos responsáveis devem proporcionar abrigo adequado ao seu animal, no qual ele esteja protegido de sol, chuva e vento, e de modo que o animal possa deitar-se confortavelmente. Para garantir a saúde, um cuidado essencial é a vacinação periódica, contra as doenças próprias da espécie.
Outro cuidado importante da posse responsável diz respeito à esterilização do animal – cães e gatos, de ambos os sexos – a fim de evitar as crias indesejáveis, as quais muitas vezes, são abandonadas em feiras e vias públicas, contribuindo tanto para a multiplicação da crueldade em relação aos animais, quanto para o aumento do contingente populacional canino e felino nas ruas, sem a devida supervisão humana.
Com relação ao controle dessa população no meio urbano, a OMS recomenda a esterilização, reconhecendo-a como medida mais eficaz para esse controle. Estudos comprovam que o extermínio de animais operado pelos Centros de Controle de Zoonoses/CCZ, além de serem mais onerosos aos cofres públicos, não conseguem diminuir o contingente de cães e gatos, nem em curto, nem em longo prazo.
Por fim, é importante ressaltar que, nos centros urbanos, a convivência dos animais domésticos com os humanos é uma questão que diz respeito tanto aos cidadãos, quanto ao poder público. Aos cidadãos compete cumprir as prescrições legais e éticas que regulam as suas relações com os animais, atuando com responsabilidade e respeito tanto pelo bem-estar do seu animal, quanto por evitar que seu animal fique solto na rua ou passeie sem coleira e guia, impedindo, assim que seu animal possa ocasionar lesões em terceiros.
Quanto ao poder público, cabe, de um lado, fiscalizar o cumprimento da legislação já existente, fazendo valer o Código de Direitos dos Animais. De outro lado, cabe-lhe desenvolver políticas que possam propiciar as condições necessárias ao bem-estar animal e ao controle da população canina e felina, porque desse modo estará também contribuindo para a elevação da qualidade da vida humana.
E juntos, cidadãos organizados em suas entidades e o poder público através dos setores competentes, podem investir na principal estratégia para a transformação de valores e atitudes negativas quanto aos animais: a educação de amplos setores da sociedade. Certamente, pelo convencimento operado por ações educativas poder-se-ão transformar formas cruéis como ainda hoje muitos humanos se relacionam com os animais domésticos de companhia.
(*) Professora da Faculdade de Educação/UFAM, Presidente do Grupo de Proteção aos Animais/GPA.
Da Redação: O tema em pauta será objeto de discussão do programa Na Terra de Ajuricaba, nessa quarta-feira (24) às 19h pela TVUFAM, quando iremos aprofundar a matéria na perspectiva Homem/Natureza/Cultura - Sociedade e sua complexa Organização Social - Vida proteção ou rejeição dos animais no Amazonas. Questões dessa natureza fazem parte da vida das cidades que devem ser explicitadas para melhor se compreender os homems em sociedades centrados no biocentrismo existencial do mundo na sua totalidade relacional.
Nenhum comentário:
Postar um comentário