segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

MORADA DOS ENCANTADOS

Ademir Ramos (*)

Seu moço, esse rio tem dono e eles são poderosos. É a legião dos encantados que durante o dia descansa na profundeza de suas águas, mas pela noite fica acesa, vigiando toda sua extensão para não ser traída pelos homens afoitos de riqueza e vícios.

É verdade que o Amazonas é grande, mas, muito maior é a força dessa gente das águas, que se transforma em pedra, em árvores, em ar, confundindo os tolos que acham que só eles existem e por isso podem fazer o que bem entendem contra as águas e as florestas.

Não, não podem porque os encantados além de povoar as águas do Amazonas também ocupam a mente das pessoas, lumiando para que não deixem nunca acabar o que a natureza presenteou para todos.

Foi assim e tem sido para que tanto a floresta quanto o Rio das Amazonas e todos que se abraçam entorno dele pudessem viver até hoje e sempre.

O rio é grande, a floresta é grande, mas, o espírito dessa gente das águas é muito maior porque é ele que protege essa natureza, brincando às vezes de rei e rainha para seduzir a todos para o reinado dos encantados, que tem morada no belo jardim do Encontro das Águas porque é lá que inicia tudo, somando força para vencer os males que há muito vem ameaçando a vida e toda sua beleza.

Saiba seu moço se isso não acontecesse o mundo seria triste, os homens seriam tristes e o mundo seria feio e as águas seriam amargas e a vida teria fim.

Eu explico! A vida é fonte de luz, para que ela possa brilhar é preciso que aja força em forma de movimento, assim como as águas correntes do rio. É por isso que o rio corre, as águas inundam as florestas e o vento sopra acelerando esse movimento, criando campo de força para que os homens possam viver e tirar proveito para o seu sustento.

Ora, isso não ocorrendo tudo teria fim. Por essa razão, os homens de bem também são cúmplice dessa jornada participando direta ou indiretamente desse ajuri dos encantados da Amazônia.

Quanto à sua morada no Encontro das Águas, eu também explico. É porque o Encontro se faz movido por forças geradoras de luz, berçário de vida e outras manifestações dos encantados que guardam segredos que muito incomodam aqueles que querem só pra si o que foi feito para todos.

O certo é que, quanto mais os rios se encontrarem novos campos de força serão criados, gerando luz e vida para o mundo e principalmente para os homens que vivem na escuridão da gruta da ignorância, da ganância e do vício do querer mais, ameaçando a vida por todo o mundo, enquanto morada dos homens e dos encantados que povoam as nossas mentes nas belas histórias que os velhos contavam para embalar o sono das crianças e para acordar os homens e mulheres do perigo que ameaça a todos.

(*) É antropólogo e por mais de 30 anos trabalha junto aos povos indígenas do Amazonas. A narrativa apresentada faz parte do seu caderno de campo revisitado pelo autor e foi recolhida entre os Baniwa do Rio Içana, no Alto Rio Negro, em terras do Amazonas.

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