domingo, 8 de maio de 2011

JORNALISMO CULTURAL EM PAUTA

No texto de introdução do livro Jornalismo Cultural – Apontamentos, Resenhas e Críticas sobre Artes Plásticas (Pantemporâneo, 2010), o jornalista e crítico de arte Jorge Anthonio e Silva chama a atenção para a “difícil definição” da atuação do jornalista cultural. “Menos pela ação jornalística”, escreve, “do que pela complexa teia significante estabelecida no tempo pelo termo cultura (...)”.

Para Silva, em princípio, falar em “cultura” ou “cultural” seria referir-se aos feitos do homem no exercício de sua existência. É o que ele descobre, cultiva, difunde, passa de geração para geração, oralmente, por meio dos livros, do rádio, televisão, internet, satélites, teatro, música. “(...) é o resultado de observações da natureza (...), um fato social em constante mutação (...)”, define.

Só isso já acenderia a chama que revela a abrangência de assuntos sobre os quais se pode escrever sob a placa da editoria cultural de um jornal ou revista. E as discussões a respeito de sua qualidade – sobretudo depois de extintas as “redações de ouro”, de ensaístas do calibre de Décio de Almeida Prado (1917-2000), Antônio Cândido e Cláudio Abramo (1923-1987), entre outros – nascem justamente do suposto afastamento desses textos de sua função original, optando por uma cobertura de agenda, ou seja, aquela que para no lançamento do livro ou na estreia do filme.

“Muitas vezes o jornalismo cultural se aproximou de questões políticas, por exemplo, que foi uma coisa que o Quarto Caderno do [carioca] Correio da Manhã [que circulou de 1901 a 1974] fez de uma forma pioneira no Brasil lá nos anos de 1960”, afirma o jornalista Daniel Piza, colunista do jornal O Estado de S.Paulo e autor, entre outros livros, de Jornalismo Cultural (Contexto, 2003). “O Correio trouxe assuntos como a Guerra do Vietnã [entre 1959 e 1975] para o caderno cultural.”

Piza, que está entre os palestrantes do 3º Congresso Internacional de Jornalismo Cultural, a ser realizado no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, acrescenta à lista assuntos que, segundo ele, podem perfeitamente fazer parte desse segmento do jornalismo: “Gastronomia, moda e costumes em geral. Ou seja, na verdade, o jornalismo cultural é aquele que trata de artes, costumes e ideias”.

Análise cultural

A despeito dessa abrangência, no entanto, muitos especialistas – entre eles, os próprios Jorge Anthonio e Silva e Daniel Piza – concordam que existe um ponto que suscita as discussões sobre o tema: a abordagem das manifestações artísticas. “Os espaços destinados à análise cultural vêm diminuindo em todas as mídias na proporção em que a noção de tempo e de espaço se sobrepõe às medidas necessárias da crítica (...)”, escreve Silva.

Porém, para Piza, a falta de espaço não deve servir de desculpa para os eventuais problemas de qualidade dos textos. “Em alguns momentos, nem tão remotos, houve mais espaço [para o jornalismo de artes]”, analisa o colunista. “Mas na verdade hoje em dia ainda tem. Se você pegar, por exemplo, o Caderno 2 [d’O Estado de S.Paulo] e a Ilustrada, [da Folha de S.Paulo], eles não têm menos páginas do que a seção de arte do [norte-americano] The New York Times ou do [francês] Le Monde, então não é uma questão de falta de páginas ou de falta de tempo para escrever.”

Segundo o jornalista, a dificuldade está na escolha das abordagens. “Acho que primeiro as pessoas têm que parar um pouco de raciocinar em bloco, como se houvesse uma fórmula para todos os veículos e todos os registros que existem”, critica. “Outra coisa seria fazer um jornalismo cultural mais vivo, mais provocador, mais inovador, mais criativo, menos subserviente à agenda? cultural.”

O editor de cultura do jornal Valor Econômico, Robinson Borges, também convidado do seminário, segue nesse raciocínio e detecta uma “perda de influência” desse segmento do jornalismo na sociedade. “Talvez isso ocorra como efeito colateral de uma mediação, digamos, mais fragilizada entre o universo cultural e a sociedade”, explica.

“Essa discussão certamente se insere no amplo debate sobre o avanço das novas tecnologias, que tem exigido um reposicionamento de toda uma forma de fazer jornalismo.”Blockbusters e bestsellers Para Borges os paradigmas da produção e difusão da notícia já não são os mesmos. “Como diz Beatriz Sarlo, escritora e crítica literária argentina, com o mundo digital, assistimos a uma espécie de inflação cultural”, diz. “Por outro lado, ela afirma que abundam também ‘as perspectivas pessimistas sobre a capacidade atual da arte de transformar-se em um poderoso centro de reflexão sobre as condições presentes’.”

Jorge Anthonio e Silva, em seu livro, é ainda mais direto. Para ele, o motivo para os grandes jornais diários não disporem “de bom terreno para a análise cultural” é o fato de “seu território e sobrevivência” estarem “infectados pela necessidade de atender à publicidade”. Isso nos faz retornar à chamada agenda cultural, que ao focar lançamentos e estreias traz consigo a força de grandes estúdios de cinema, grandes estrelas, blockbusters e bestsellers – termo que, vale lembrar, significa algo como “melhores vendedores”.

“Há uma forte tendência do jornalismo cultural de hoje de ser um jornalismo de serviço, o que é mais do que necessário”, pondera Robinson Borges. Na sua opinião, falar das peças que estreiam, dos filmes lançados, dos livros publicados faz parte da missão do jornalismo. O problema seria a forma como isso se dá. “Muitos dos temas que são tratados por nós, jornalistas de cultura, são de uma agenda passiva, proposta pelos produtores culturais”, salienta.

Ainda segundo o editor de cultura do Valor, não se trata de criticar a cultura de mercado, mas sim de mostrar menos fascínio diante do consumo nessa seara. “Hoje, muitas vezes, fazemos tão-somente uma cobertura das commodities culturais.”

TV e revistas

Segundo o jornalista Daniel Piza, ao falar de falta de espaço, vale mais lembrar a baixa quantidade de revistas culturais. Piza cita a si mesmo como exemplo de “jornalista cultural que se ressente da falta desse tipo de revista, nas quais se pode fazer textos mais longos e aprofundados”. O ensaio de Jorge Anthonio e Silva também aponta o formato como alternativa para a urgência que tira o fôlego do jornalismo cultural diário.

“A imprensa semanal, em geral revistas, amplia essas informações”, escreve. “Porque não são tão pressionadas pelo imediatismo com que as mídias concorrem com os meios eletrônicos.” Mas mesmo esses, de acordo com Piza, ainda que sejam concorrentes, acabam não preenchendo a lacuna. “A TV, por exemplo, seria um poderoso meio de chegar à maioria do público brasileiro”, avalia. “Mas a TV Cultura é o único canal aberto que faz isso. Raramente vejo jornalismo cultural na televisão.”

O jornalista finaliza dizendo que a telinha seria um meio de chegar ao grande público “em um país onde o jornal mais vendido não chega a 400 mil exemplares”.

Vários Diapasões

Unidade Vila Mariana abriga 3º Congresso Internacional de Jornalismo Cultural realizado em parceria entre o Sesc São Paulo e a revista Cult, o 3º Congresso Internacional de Jornalismo Cultural, de 17 a 20 de maio, na unidade Vila Mariana, vai reunir acadêmicos, jornalistas, escritores e artistas para um debate sobre a realidade cultural e seus possíveis caminhos.

O objetivo do evento é suscitar reflexões a respeito da produção contemporânea e do exercício do jornalismo voltado à área em várias mídias. O cineasta alemão Werner Herzog abrirá o congresso. “Hoje, você vai a uma faculdade [de jornalismo] e pergunta para os estudantes quem quer fazer jornalismo cultural, pelo menos metade da classe vai levantar a mão”, afirma o jornalista Daniel Piza, colunista do jornal O Estado de S.Paulo, autor, entre outros livros, de Jornalismo Cultural (Contexto, 2003) e um dos participantes do encontro.

“Há hoje uma oferta cultural, há uma facilidade de acesso à cultura do presente e do passado que antes não havia”, diz. “E acho que isso ajudou muito a atrair o interesse pelo debate cultural, pelo jornalismo cultural.”Durante os quatro dias de programação, convidados estrangeiros e brasileiros abordarão temas ligados às relações das linguagens artísticas com o jornalismo, além de questões como responsabilidade da imprensa, o papel da televisão no âmbito da cultura, a formação para a carreira jornalística, e a relevância das mídias digitais.

Entre os palestrantes, encontram-se nomes como o do editor de cultura do jornal Valor Econômico, Robinson Borges, do poeta e crítico literário Alcir Pécora, do dramaturgo Felipe Hirsch, do escritor Pedro Juan Gutiérrez, do crítico de cinema Ismail Xavier, do cineasta Hector Babenco e da ensaísta e escritora norte-americana Camille Paglia.

Destaque também para mediadores como o jornalista Alcino Leite Neto,o filósofo Vladimir Safatle, cineasta e videoartista Joel Pizzini e o jornalista Xico Sá, entre outros. Confira a lista completa de participantes no no Cartaz (foto).

Fonte:http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/revistas_link.cfm?Edicao_Id=403&Artigo_ID=6141&IDCategoria=7077&Reftype=2

Um comentário:

Ellza Souza disse...

Estamos precisando muito na Amazônia de uma revista cultural, social, que aborde com mais profundidade temas interessantes, histórias de vida, a História de nosso povo, as pesquisas que estão sendo feitas sobre os produtos da região, os costumes, tudo. Tem muita coisa interessante para abordar. Sugiro que a própria Ufam crie esse veículo com o compromisso de levar a informação a todos, Brasil e mundo mas começando por nossa gente, amazonenses e brasileiros em geral que desconhecem de verdade o que é e onde fica essa civilização chamada Amazônia. Ellza Souza//