Como recolocar o País nos
trilhos?
No Brasil, de acordo com o IBGE
(Estado, 19/6), 38% da vegetação nativa já desapareceu - 14% na Amazônia; 49,1%
no Cerrado; quase 90% na Mata Atlântica; 46% na Caatinga; 64% nos Pampas; e 15%
no Pantanal. Na Amazônia, apesar de ter havido redução, ainda perdemos mais 6,4
mil quilômetros quadrados no último levantamento.
Washington Novaes (*)
Diante da afirmação do
secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon - confirmada em alto e bom som na Rio+20
por vários chefes de Estado e de governo -, de que "o atual sistema
econômico no mundo está falido", que se pretende fazer? E com que acordos,
já que as transformações terão ou teriam de ser planetárias e na conferência
nem se conseguiu chegar a acordos setoriais sobre águas oceânicas,
biodiversidade, metas de desenvolvimento sustentável e combate à pobreza?
Melhor, então, ficar com a nossa
própria casa e ver por onde seria possível avançar. Embora, no momento em que
se apregoa que o País já tem um modelo de desenvolvimento sustentável, se
continuem praticando políticas que incentivam o consumo, até com isenções de
impostos em áreas problemáticas, e apesar de o próprio representante do
Instituto Ethos ter mencionado essa insustentabilidade, na conferência do Rio
de Janeiro (Valor, 15/6).
Pode-se começar pela questão do
consumo. Anteontem, este jornal (o Estadão) divulgou a estimativa do WWF
segundo a qual, se todas as pessoas no mundo tivessem o mesmo padrão de consumo
dos paulistanos, seriam necessários 2,5 planetas como a Terra para provê-lo. Se
o padrão fosse o da média dos paulistas, menor, ainda assim seriam necessários
2 planetas. A chamada "pegada ecológica" dos paulistanos (hectares
necessários para atender ao consumo de uma pessoa) seria de 4,38 hectares e a
dos paulistas, de 3,52 hectares - quando a média disponível no mundo é de 1,8
hectare por pessoa. Mas a pegada, aqui, varia por extrato social: 1,8 hectare para
quem recebe até dois salários mínimos; e 11,5 hectares, para acima de 25
salários mínimos.
Quando se vai para o Semiárido
brasileiro, vê-se que nada menos do que 12 milhões de pessoas (60% do total)
afetadas pela seca passam por fortes dificuldades. Não são diferentes de 2,1
bilhões de pessoas que já vivem em terras áridas no mundo - com a agravante de
que a desertificação avança 12 milhões de hectares (120 mil quilômetros
quadrados) a cada ano no planeta. Já se decidiu que 40% de R$ 1,2 bilhão
destinado ao plano estratégico de combate à desertificação que o País começa a
construir irá para o Semiárido. Mas será suficiente, se os últimos diagnósticos
do clima no País dizem que a região poderá perder, em poucas décadas, pelo
menos 20% das chuvas já escassas?
Mostrou-se, no Rio de Janeiro, que
85% dos estoques pesqueiros nos oceanos estão esgotados ou diminuindo
rapidamente. Por isso seria necessário pôr fim aos subsídios ao setor
pesqueiro, cerca de US$ 50 bilhões por ano, mas os países donos das maiores frotas
(Japão, Noruega, Estados Unidos, entre outros) se opõem com vigor. E menos de
1% das águas oceânicas está protegido. Também aqui, no Brasil, há subsídios e o
respectivo ministério fala em multiplicar por dez as capturas, ainda que os
estudos científicos mostrem toda a costa nacional, da Bahia ao Sul, com as
principais espécies capturadas já a caminho da extinção.
Na área da biodiversidade o panorama
também é melancólico. No mundo, as perdas ficam entre US$ 2 trilhões e US$ 4,5
trilhões por ano, como disse no Rio o secretário da Convenção de
Biodiversidade, Bráulio Dias. E há quase 20 mil espécies com risco de extinção,
segundo estudo da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos
Recursos Naturais. Seriam necessários US$ 18,8 bilhões anuais para enfrentar o
problema, criar áreas de conservação. Mas só 5 dos 92 países que assinaram o
respectivo protocolo em Nagoya (2010) o ratificaram.
No Brasil, de acordo com o IBGE
(Estado, 19/6), 38% da vegetação nativa já desapareceu - 14% na Amazônia; 49,1%
no Cerrado; quase 90% na Mata Atlântica; 46% na Caatinga; 64% nos Pampas; e 15%
no Pantanal. Na Amazônia, apesar de ter havido redução, ainda perdemos mais 6,4
mil quilômetros quadrados no último levantamento.
Apesar disso tudo, em matéria de
"capital natural" o Brasil ainda se situa em 5.º lugar entre os
países estudados pela Universidade da ONU e pelo Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (Pnuma). Mas essa não é a nossa prioridade, quando ainda
parecemos imersos numa mistura de desenvolvimento econômico a qualquer custo e
política externa independente, como se estivéssemos no fim do governo
Kubitschek e início do governo Jânio Quadros. O IBGE assegura que já estuda a
implantação da contabilidade ambiental nas contas nacionais, considerando os recursos
hídricos, florestais e energéticos - tal como fazem países como a Costa Rica, a
Colômbia, Filipinas, Botswana e Madagascar. Seria o discutido Produto Interno
Bruto (PIB) Verde, caminho pelo qual a Costa Rica, por exemplo, teria
triplicado o seu PIB.
Mas é um caminho difícil, já que
seria necessário calcular também as perdas de capital. E já se mencionou aqui o
levantamento da Universidade da ONU, que, ao estudar o período 1990-2008, viu o
aumento do PIB chinês (422% no período) cair para apenas 37%. O próprio PIB
brasileiro caiu para pouco mais de um terço do registrado no período, pelo
mesmo critério.
Há um impasse no mundo, diante do
diagnóstico de que o consumo global está 50% acima da disponibilidade e de que
se configura uma crise de finitude de recursos naturais. Sem caminhos
planetários aceitos por todos os países para enfrentá-la.
Mas isso não quer dizer que estejamos
condenados à inação. Ao contrário, países com capital natural abundante em
tantas áreas, como o Brasil, certamente têm uma vantagem comparativa que será
extraordinária nos tempos que se avizinham. Mas ela terá de ser acompanhada por
estratégias de produção e consumo compatíveis. Será essa a marca de uma
política que se pretenda sustentável no tempo e no espaço.
Que se fará, entretanto, nesta quadra
de tantas mesquinharias políticas, que ignora todas as grandes questões no
mundo e no País? É este o desafio para a sociedade: definir quem vai
representá-la para colocar o País nos trilhos adequados.
(*) É
jornalista, articulista do Estadão e um dos defensores do tombamento do
Encontro das Águas como Patrimônio Cultural brasileiro - E-mail:
wlrnovaes@uol.com.br
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