Economia verde: afinal, de que se trata?
Paulo
Haddad (*)
Nas últimas semanas, em
função da Rio+20, um dos conceitos mais comentados pelos meios de comunicação é
o de economia verde. A experiência mostra que, quando todo mundo fala de um
assunto novo, as pessoas provavelmente podem estar falando de coisas
diferentes. Podem-se distinguir pelo menos três das principais interpretações
que têm sido dadas à economia verde. É possível identificar a primeira
interpretação de uma versão mais limitada do que seja a economia verde.
Trata-se da tentativa de estender o sistema de preços aos serviços e aos ativos
ambientais, mesmo considerando-se que a sua valorização não signifique que
esteja transformando-os em mercadorias.
O sistema de
preços é considerado um mecanismo tão eficiente, democrático e econômico de
resolver os problemas econômicos fundamentais de uma sociedade (o que produzir,
como produzir, onde produzir, como produzir e para quem produzir) que acaba por
estimular um esforço intelectual muito expressivo para preservar o seu uso nas
políticas ambientais. É o caso, por exemplo, de situações em que ocorrem
externalidades ambientais (poluição hídrica, avanço da especulação imobiliária
sobre os mangues, desmatamento, etc.), quando se procura definir
apropriadamente um valor econômico para os recursos ambientais, simulando as
condições de mercado para a sua disponibilidade e a sua utilização, a fim de se
identificarem as perdas e os danos para a sociedade.
Os mercados
funcionam adequadamente na alocação de bens privados, os quais são
caracterizados pela exclusividade (quem não desejar pagar o preço de mercado é
excluído do seu consumo) e pela rivalidade no consumo (o bem pode ser
subdividido, de tal forma que quem consome pode excluir os outros dos seus
benefícios). Os bens ambientais tendem a ser não excludentes e divisíveis
(exemplo: reservas de águas subterrâneas), excludentes e indivisíveis (exemplo:
acesso às áreas fechadas de reservas naturais) ou indivisíveis e não
excludentes (exemplos: paisagens cênicas; ar puro). Assim, muitos bens
ambientais, por se assemelharem mais a bens públicos (não excludentes,
indivisíveis, sem rivalidades) do que a bens privados, não conseguem
desenvolver ou simular mercados para avaliações monetárias apropriadas e
consistentes.
Uma segunda
concepção de economia verde está ligada ao desenvolvimento de modelos de
planejamento econômico-ambiental que incorporam os conceitos de insumos ecológicos,
processos ecológicos e produtos ecológicos. Trata-se de uma tentativa de melhor
compreender a interdependência entre o sistema ecológico e o sistema econômico.
Esses modelos permitem que se analisem, por exemplo, os impactos dos
investimentos previstos no PAC sobre a pegada ecológica (relativa às áreas de
terra produtiva e aos ecossistemas aquáticos), sobre a pegada de carbono
(emissão de gases de efeito estufa) e sobre a pegada hídrica (uso direto e
indireto de água). Esbarram, contudo, em enormes dificuldades para obter dados
sobre o subsistema ecológico, desde o cálculo de simples coeficientes que
relacionem a quantidade de poluentes de diversos tipos emitidos por unidades de
produção em cada setor produtivo até informações sobre as características
específicas de diferentes processos ecológicos.
Essas duas
concepções de economia verde se situam, contudo, dentro de uma visão
tradicional da Ciência Econômica. Na visão tradicional, a economia é vista como
um sistema isolado, sem trocas de matéria e energia com o meio ambiente. Nesta
visão, muitas vezes, não se vislumbram insumos ecológicos ou produtos
ecológicos enquanto se produz (exemplos: captação de água ou emissão de dejetos
industriais em uma bacia hidrográfica), enquanto se consome (exemplo: emissão
de monóxido de carbono de veículos automotivos) ou enquanto se acumula capital
(investimentos) na sociedade.
O ecossistema
é considerado apenas como um setor extrativo e de disposição de resíduos da
economia. Mesmo que esses serviços se tornem escassos (capacidade de suporte de
uma bacia hidrográfica ou limitações de oferta de um recurso natural não
renovável relevante), o crescimento econômico pode se manter para sempre porque
a tecnologia permite a substituição de capital natural por capital man-made. O
único limite ao crescimento, na visão tradicional, é a tecnologia e, desde que
se desenvolvam novas tecnologias (produção de etanol ligno-celulósico para o
aproveitamento do bagaço da cana ou de resíduos de madeiras, a descoberta de
novos materiais, a miniaturização de bens duráveis de consumo, etc.), não há
limites para o crescimento econômico.
Por outro
lado, a visão contemporânea de desenvolvimento sustentável inclui a economia
como um subsistema aberto do ecossistema. Desde que o ecossistema permaneça
constante em escala enquanto a economia cresce, é inevitável que, a economia se
torne maior em relação ao ecossistema ao longo do tempo, ou seja, a economia
torna-se maior em relação ao ecossistema que a contém. O capital natural
remanescente passa a ser o fator limitativo do crescimento econômico num
ecossistema congestionado (com estresse ou em regime de coma ecológico) onde
prevalecem as leis da termodinâmica, a de conservação de matéria e energia e a
lei da entropia.
(*) É professor do IBMEC/MG, articulista do Estadão,
foi ministro do planejamento e da fazenda do governo Itamar Franco.
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