quarta-feira, 20 de junho de 2012


PANORAMA GEOGRÁFICO DA AMAZÔNIA NO SÉCULO XXI

Roberto Monteiro de Oliveira (*)

Ao longo de mais de quinhentos anos dos primeiros contatos com os europeus a visão dos descobridores posteriormente colonizadores/dominadores sobre a Amazônia vem sofrendo um processo de modernização conservadora sempre fiel a sua concepção original. Ainda hoje os que dominam a Amazônia contemporânea neste início do século XXI sobrepõem a razão capitalista sobre a sabedoria milenar dos povos amazônidas na sua relação com a natureza.

Ainda hoje para os dominadores a Amazônia é um vazio que deve ser objeto de empreendimentos lucrativos para atender mercados muito distantes dos locais de exploração e consumo. Alguns cientistas comprometidos com o projeto neoliberal atual afirmam explicitamente que a Amazônia é a última fronteira para grandes empreendimentos capitalistas incentivados pelo Estado brasileiro.

Assim como a expansão colonial foi subsidiada pelos estados monárquicos hoje a consolidação da dominação capitalista nas primitivas colônias deve receber incentivos fiscais dos estados e governos nacionais. Assim como na fase inicial da conquista e submissão das nações indígenas nativas as reais sociedades de ciências estavam a serviço dos projetos de seus soberanos atualmente os institutos de pesquisa da Amazônia entregues e dirigidos por estrangeiros atuam nesse sentido entregando aquilo que temos de mais precioso sobre a Amazônia que são os conhecimentos tradicionais em forma de informações científicas para serem privatizadas através de patentes sem que as populações nativas recebam qualquer benefício.

Os resultados das pesquisas são publicados em línguas estrangeiras para atingir mercados internacionais. O mesmo acontecendo com seminários que são realizados em que os falantes comunicam os resultados de suas pesquisas em idiomas que não são o idioma pátrio e sem que haja tradução simultânea pública em flagrante crime de lesapátria privando os nativos e a imprensa do acesso a essas informações e a esses conhecimentos.Passada a fase concorrencial do capitalismo hoje a Amazônia é percebida e gerenciada na sua totalidade. Está em pleno desenvolvimento o conceito de panamazônia desenvolvido pelos tecnocratas do governo brasileiro que em agosto do ano 2000, em Brasília patrocinou o encontro dos Chefes de Estados sulamericanos para propor o que ficou conhecido como IIRSA, Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana.

A Amazônia e o controle do Imperialismo

A partir da IIRSA a Amazônia passa a ser gerenciada tendo como modelo os “Estudos dos Eixos” delimitados e estruturados a partir de suas vocações produtivas. Concretamente hoje a América do Sul está sendo gerenciada em dez Eixos de Integração e Desenvolvimento os EID. Com apoio político e segurança jurídica o imperialismo segue se apossando dos recursos naturais explorando a força de trabalho dos nativos e de outros imigrantes ligando as cidades, municípios e localidades que interessam aos grandes investimentos de capital para uma produção que atenderá demandas externas distantes e alheias às populações locais.

Essa infraestrutura de energia, transporte e comunicação é bancada pelo tesouro dos estados nacionais sulamericanos e colocada a disposição das empresas nacionais e multinacionais. Dando continuidade a essa trajetória histórica e geográfica imposta pelos colonizadores desde seu descobrimento a Amazônia ainda é percebida pelos atuais dominadores deliberadamente como um vazio a ser preenchido por grandes investimentos.

Apesar dos rapidíssimos meios de comunicação disponíveis o conservadorismo neoliberal ainda considera a Amazônia uma região distante, longínqua embora contraditoriamente através desses poderosíssimos instrumentos de espionagem e comunicação controlem detalhadamente o solo, o subsolo, a floresta, os rios enfim toda a região. Não obstante existir na Amazônia vários centros de excelência e tecnologia de alta produtividade e engenharia de ponta para exploração de alguns recursos naturais e montagem de utilitários e supérfluos a região amazônica ainda é considerada preconceituosamente como uma região atrasada.

Apesar das incontáveis nações indígenas e inúmeras nações quilombolas no território amazônico, juntamente com incontáveis comunidades ribeirinhas a visão neoliberal é incapaz de enxergá-los considerando a Amazônia um vazio demográfico.

Estas características atuais são as mesmas criadas pelos dominadores nos primeiros embates com os nativos. Esta atualização neoconservadora feita pelos cientistas que vêem a Amazônia como novo eldorado para os cientistas que se colocam a serviço deste projeto econômico e político não mudou as bases de sustentação ideológica é sempre o predomínio da razão da civilização cristã ocidental sobre a “selvageria indígena”. É a transformação de todos os recursos naturais em mercadorias: orquídeas, cardinais, acarás e etc... que são transformados em commodities.

Nesta linha de raciocínio, os índios, negros, cabocos, mulatos e outras formas preconceituosas de se referir aos nativos e outros excluídos são considerados seres inferiores aos quais é necessário levar a salvação e a civilização. Alguns índios, negros, cabocos, mulatos e outros excluídos participarão desta civilização apenas como força de trabalho, e sempre numa situação de subalternidade. Alguns destes serão escolhidos para exercerem cargos de capatazia os demais se constituirão na grande massa de excluídos e viverão de bolsas.

Como no passado, no presente também se desorganiza a territorialidade nativa e se reorganiza uma outra territorialidade em função dos novos interesses. São portos, aeroportos, estradas, hidrovias, ferrovias, hidroelétricas e outras obras mais que estabelecem facilitam e aceleram a produção e a circulação de mercadorias entre os países amazônicos com o objetivo de atender mercados consumidores bem distantes.

É um novo padrão de ocupação territorial comandado pelas estradas que estabelece uma disputa entre as estradas e os rios, entre os tradicionais “motores de linha” e os ônibus, entre a canoa e o motor de popa entre as voadeiras e os automóveis. As comunidades vão se organizando a partir das “rodoviárias” dos postos de gasolina e não mais dos portos na beira dos rios. Fica muito claro que não se trata mais de um plano nacional de cada país amazônico, mas de um planejamento transnacional comandado pelos órgãos internacionais como FMI, Clube de Paris, Banco Mundial, Universidades americanas e europeias e com o concurso também de instituições nacionais dos países amazônicos. etc...

Fica muito claro que se trata de acordos multilaterais entre governos para permitir as multinacionais o domínio sobre os recursos naturais das Amazônias dando maior lucratividade aos investimentos, facilitando a exploração, a produção, a circulação e a exportação de mercadorias, sem que os governos locais tenham a mínima participação nessas decisões. É toda uma infraestrutura de energia, transporte, e comunicações entre regiões, cidades, municípios onde ocorrem recursos naturais de interesse de investidores que são oferecidos e bancados pelos governos nacionais para formarem redes ou pontos de apoio para a reprodução em grande escala dos capitais investidos.

Mas além das obras de infraestrutura as multinacionais, e outros grupos capitalistas exigem também algumas reformas superestruturais facilitadoras de sua expansão e dominação. Para controlar a classe trabalhadora exigem a reforma da legislação sindical, da legislação trabalhista e da legislação previdenciária.

Para facilitar a exploração dos recursos naturais exigem a flexibilização da legislação ambiental, reforma do código florestal, avanço progressivo nas terras indígenas e quilombolas. É o custo Brasil. Fica muito claro, portanto que os grandes detentores do capital exigem segurança jurídica e apoio político para o êxito de seus investimentos e para o controle dos trabalhadores, indígenas e quilombolas.

Trata-se, portanto de uma proposta transnacionalizada que não dispensa o poder de usar a violência policial na solução dos conflitos e dificuldades no processo de implementação dessas políticas. Os problemas sociais causados por essas grandes obras são tratados como problemas policiais. A violência da implantação do capitalismo na Amazônia continua, sobretudo contra as remanescentes e resistentes nações indígenas, contra os quilombolas, contra os trabalhadores rurais trazendo até ocorrências significativas de trabalho escravo.

Crimes ambientais gravíssimos são causados por obras dos próprios governos. Jamais o capitalismo adotará a sustentabilidade ambiental como um de seus fundamentos, pois é na exploração do trabalho, dos trabalhadores e dos recursos da natureza que estão os alicerces de sua sustentação. Sustentabilidade ambiental tornou-se apenas um discurso desprovido de qualquer fundamento na realidade. Como demonstramos existe sim todo um cuidado para dar sustentabilidade aos investimentos dos capitalistas, para dar sustentabilidade ao capital.

Para todas as pessoas crianças, jovens, adolescentes, idosos e para os trabalhadores interessa a sustentabilidade social: creches, escolas, universidades, hospitais, moradias, segurança pública, empregos, salários dignos e estabilidade no trabalho, sustentabilidade social que será a base para a sustentabilidade ambiental.

Essa violência do capitalismo na Amazônia só tende a se agravar devido a ausência das instituições do Estado na região. A Comissão Pastoral da Terra, organismo ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, informa que desde 1996 até 2010 foram executadas 212 pessoas dando uma média de 14 pessoas executadas por ano.

Toda vez que assassinam um trabalhador rural, um cacique, uma religiosa, um padre... há toda uma comoção, promessas de providências mas o que se vê é a cumplicidade do Estado e dos governos com esse estado de coisas uma vez que na grande maioria dos municípios não tem estrutura policial, não tem juízes nem promotores, não tem escritórios do IBAMA, do INCRA e etc... criando condições para a implantação da impunidade, de atividades econômicas ilegais como extração irregular de madeiras, produção de carvão, pesca predatória, garimpos clandestinos e etc...

Todos esses fatores são agravados com o modelo de desenvolvimento que vem sendo implementado na Amazônia desde a chamada Operação Amazônia que incentiva e privilegia grandes projetos que concentram a propriedade das terras com monoculturas em detrimento dos pequenos e médios produtores fomentando a grilagem das terras e a especulação fundiária enfim, a violência rural.

Em 2010 a Comissão Pastoral da Terra passou às mãos do governo levantamento efetuado entre os anos de 1985 a 2009. Segundo esta pesquisa nesse período foram assassinados 1.546 trabalhadores rurais. De 1.162 crimes apenas 88 foram a julgamento pela justiça, resultando na condenação de 9 executores e de 20 mandantes de crimes.

Ouvimos falar do assassinato de Chico Mendes, dos 19 trabalhadores rurais sem terra de Eldorado dos Carajás, da Irmã Dorothy Staang. Mas e aqueles que não ganham notoriedade na mídia? Segundo a Comissão Pastoral da Terra a implantação e expansão do capitalismo na Amazônia continua assassinando pelo menos um trabalhador rural, um líder indígena, um ribeirinho, um quilombola por semana pranteado apenas por suas mulheres, filhos e companheiros de resistência.

A Amazônia neste início do século XXI abriga em seu território 25 milhões de pessoas. Detém uma economia que engloba ainda atividades extrativas, pesca semiartesanal altamente predadora, exploração mineral altamente poluidora, uma agricultura de subsistência dando lugar às monoculturas do agronegócio incentivados pelos governos e o PIM, Pólo Industrial de Manaus constantemente ameaçado pela perda dos incentivos fiscais e das vantagens comparativas a chamada guerra fiscal que se trava entre os estados brasileiros.

A integração/subordinação, ou como dizem outros a integração subordinada da Amazônia à economia e à sociedade capitalista vem se dando de forma incentivada pelos governos através da exploração privatizada de seus recursos naturais, da entrega crescente de seu território aos investidores estrangeiros que se apropriam criminosamente de sua biodiversidade, aviltando e degradando a qualidade de vida das populações tanto na zona rural como nas periferias urbanas.

Atualmente sofremos na Amazônia as perversas conseqüências da “Operação Amazônia”. O que será da Amazônia após as obras do PAC, Programa de Aceleração do Crescimento? Quem viver verá....E sofrerá.

O Fazer Geografia na Amazônia

Saiba, que fazer Geografia é uma forma particular de interpretar, representar e construir o mundo. Cultivar a ciência geográfica é descobrir a dimensão sócio-espacial em qualquer ramo da atividade humana. Toda estrutura de poder tem uma dimensão sócio/espacial. Toda sociedade manifesta sua organização em um território.

O território é a síntese dinâmica do trabalho de uma sociedade. Há no território algo que se impõe à comunidade como um valor unificador. É a consciência de pertencer ao território vivido, construído e partilhado não só com os contemporâneos, mas também com os antepassados. Essa auto-imagem que a comunidade tem de si mesma, com o seu meio ambiente, com seu presente e com seu passado, é o que leva à consciência geográfica. Consciência no sentido de um saber integrado socialmente, uma ciência compartilhada que cada indivíduo e cada comunidade têm de si mesma.

É através dessa consciência que o homem se relaciona com tudo que o envolve: a natureza e a sociedade. É através desta consciência que o homem se situa diante da natureza, da sociedade e da vida é por ela que orienta e dá sentido à própria existência. A existência humana será marcada por essa contingência geográfica. Cada lugar tem as marcas das pessoas que ali nascem. Cada pessoa é natural de algum lugar. Cada pessoa carrega consigo a herança social do lugar onde nasceu, se criou e se desenvolveu.

A globalização, contraditoriamente, tem acentuado a tendência da auto-afirmação da identidade dos povos a nível regional e local. A experiência demonstra que a Geografia é um excelente instrumento para se conseguir vida digna, paz, esperança e fraternidade entre os povos.

(*) É pesquisador, professor com doutorado em geografia.

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