PANORAMA GEOGRÁFICO DA AMAZÔNIA
NO SÉCULO XXI
Roberto Monteiro de Oliveira (*)
Ao longo de mais de quinhentos anos dos primeiros
contatos com os europeus a visão dos descobridores posteriormente
colonizadores/dominadores sobre a Amazônia vem sofrendo um processo de
modernização conservadora sempre fiel a sua concepção original. Ainda hoje os
que dominam a Amazônia contemporânea neste início do século XXI sobrepõem a
razão capitalista sobre a sabedoria milenar dos povos amazônidas na sua relação
com a natureza.
Ainda
hoje para os dominadores a Amazônia é um vazio que deve ser objeto de
empreendimentos lucrativos para atender mercados muito distantes dos locais de
exploração e consumo. Alguns cientistas comprometidos com o projeto neoliberal
atual afirmam explicitamente que a Amazônia é a última fronteira para grandes
empreendimentos capitalistas incentivados pelo Estado brasileiro.
Assim
como a expansão colonial foi subsidiada pelos estados monárquicos hoje a
consolidação da dominação capitalista nas primitivas colônias deve receber
incentivos fiscais dos estados e governos nacionais. Assim como na fase inicial
da conquista e submissão das nações indígenas nativas as reais sociedades de ciências estavam a serviço dos projetos de
seus soberanos atualmente os institutos de pesquisa da Amazônia entregues e
dirigidos por estrangeiros atuam nesse sentido entregando aquilo que temos de
mais precioso sobre a Amazônia que são os conhecimentos tradicionais em forma
de informações científicas para serem privatizadas através de patentes sem que
as populações nativas recebam qualquer benefício.
Os
resultados das pesquisas são publicados em línguas estrangeiras para atingir
mercados internacionais. O mesmo acontecendo com seminários que são realizados
em que os falantes comunicam os resultados de suas pesquisas em idiomas que não
são o idioma pátrio e sem que haja tradução simultânea pública em flagrante
crime de lesapátria privando os nativos e a imprensa do acesso a essas
informações e a esses conhecimentos.Passada a fase concorrencial do capitalismo
hoje a Amazônia é percebida e gerenciada na sua totalidade. Está em pleno
desenvolvimento o conceito de panamazônia desenvolvido pelos tecnocratas do
governo brasileiro que em agosto do ano 2000, em Brasília patrocinou o encontro
dos Chefes de Estados sulamericanos para propor o que ficou conhecido como
IIRSA, Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana.
A Amazônia e o controle do
Imperialismo
A partir
da IIRSA a Amazônia passa a ser gerenciada tendo como modelo os “Estudos dos Eixos” delimitados e
estruturados a partir de suas vocações produtivas. Concretamente hoje a América
do Sul está sendo gerenciada em dez Eixos
de Integração e Desenvolvimento os EID. Com apoio político e segurança
jurídica o imperialismo segue se apossando dos recursos naturais explorando a
força de trabalho dos nativos e de outros imigrantes ligando as cidades,
municípios e localidades que interessam aos grandes investimentos de capital
para uma produção que atenderá demandas externas distantes e alheias às
populações locais.
Essa
infraestrutura de energia, transporte e comunicação é bancada pelo tesouro dos
estados nacionais sulamericanos e colocada a disposição das empresas nacionais
e multinacionais. Dando continuidade a essa trajetória histórica e geográfica
imposta pelos colonizadores desde seu descobrimento a Amazônia ainda é
percebida pelos atuais dominadores deliberadamente como um vazio a ser
preenchido por grandes investimentos.
Apesar
dos rapidíssimos meios de comunicação disponíveis o conservadorismo neoliberal
ainda considera a Amazônia uma região distante, longínqua embora
contraditoriamente através desses poderosíssimos instrumentos de espionagem e
comunicação controlem detalhadamente o solo, o subsolo, a floresta, os rios
enfim toda a região. Não obstante existir na Amazônia vários centros de
excelência e tecnologia de alta produtividade e engenharia de ponta para
exploração de alguns recursos naturais e montagem de utilitários e supérfluos a
região amazônica ainda é considerada preconceituosamente como uma região
atrasada.
Apesar
das incontáveis nações indígenas e inúmeras nações quilombolas no território
amazônico, juntamente com incontáveis comunidades ribeirinhas a visão
neoliberal é incapaz de enxergá-los considerando a Amazônia um vazio
demográfico.
Estas
características atuais são as mesmas criadas pelos dominadores nos primeiros
embates com os nativos. Esta atualização neoconservadora feita pelos cientistas
que vêem a Amazônia como novo eldorado para os cientistas que se colocam a serviço
deste projeto econômico e político não mudou as bases de sustentação ideológica
é sempre o predomínio da razão da
civilização cristã ocidental sobre a
“selvageria indígena”. É a transformação de todos os recursos naturais em
mercadorias: orquídeas, cardinais, acarás e etc... que são transformados em
commodities.
Nesta
linha de raciocínio, os índios, negros, cabocos, mulatos e outras formas
preconceituosas de se referir aos nativos e outros excluídos são considerados
seres inferiores aos quais é necessário levar a salvação e a civilização. Alguns
índios, negros, cabocos, mulatos e outros excluídos participarão desta civilização
apenas como força de trabalho, e sempre numa situação de subalternidade. Alguns
destes serão escolhidos para exercerem cargos de capatazia os demais se
constituirão na grande massa de excluídos e viverão de bolsas.
Como no
passado, no presente também se desorganiza a territorialidade nativa e se
reorganiza uma outra territorialidade em função dos novos interesses. São
portos, aeroportos, estradas, hidrovias, ferrovias, hidroelétricas e outras
obras mais que estabelecem facilitam e aceleram a produção e a circulação de
mercadorias entre os países amazônicos com o objetivo de atender mercados
consumidores bem distantes.
É um novo
padrão de ocupação territorial comandado pelas estradas que estabelece uma
disputa entre as estradas e os rios, entre os tradicionais “motores de linha” e os ônibus, entre a canoa e o motor de popa entre as voadeiras e os automóveis. As
comunidades vão se organizando a partir das “rodoviárias” dos postos de
gasolina e não mais dos portos na beira dos rios. Fica muito claro que não se
trata mais de um plano nacional de cada país amazônico, mas de um planejamento
transnacional comandado pelos órgãos internacionais como FMI, Clube de Paris,
Banco Mundial, Universidades americanas e europeias e com o concurso também de
instituições nacionais dos países amazônicos. etc...
Fica
muito claro que se trata de acordos multilaterais entre governos para permitir
as multinacionais o domínio sobre os recursos naturais das Amazônias dando
maior lucratividade aos investimentos, facilitando a exploração, a produção, a
circulação e a exportação de mercadorias, sem que os governos locais tenham a
mínima participação nessas decisões. É toda uma infraestrutura de energia,
transporte, e comunicações entre regiões, cidades, municípios onde ocorrem
recursos naturais de interesse de investidores que são oferecidos e bancados
pelos governos nacionais para formarem redes ou pontos de apoio para a
reprodução em grande escala dos capitais investidos.
Mas além
das obras de infraestrutura as multinacionais, e outros grupos capitalistas
exigem também algumas reformas superestruturais facilitadoras de sua expansão e
dominação. Para controlar a classe trabalhadora exigem a reforma da legislação
sindical, da legislação trabalhista e da legislação previdenciária.
Para
facilitar a exploração dos recursos naturais exigem a flexibilização da
legislação ambiental, reforma do código florestal, avanço progressivo nas
terras indígenas e quilombolas. É o custo Brasil. Fica muito claro, portanto
que os grandes detentores do capital exigem segurança jurídica e apoio político
para o êxito de seus investimentos e para o controle dos trabalhadores,
indígenas e quilombolas.
Trata-se,
portanto de uma proposta transnacionalizada que não dispensa o poder de usar a
violência policial na solução dos conflitos e dificuldades no processo de
implementação dessas políticas. Os problemas sociais causados por essas grandes
obras são tratados como problemas policiais. A violência da implantação do
capitalismo na Amazônia continua, sobretudo contra as remanescentes e
resistentes nações indígenas, contra os quilombolas, contra os trabalhadores
rurais trazendo até ocorrências significativas de trabalho escravo.
Crimes
ambientais gravíssimos são causados por obras dos próprios governos. Jamais o
capitalismo adotará a sustentabilidade ambiental como um de seus fundamentos,
pois é na exploração do trabalho, dos trabalhadores e dos recursos da natureza
que estão os alicerces de sua sustentação. Sustentabilidade ambiental tornou-se
apenas um discurso desprovido de qualquer fundamento na realidade. Como
demonstramos existe sim todo um cuidado para dar sustentabilidade aos
investimentos dos capitalistas, para dar sustentabilidade ao capital.
Para
todas as pessoas crianças, jovens, adolescentes, idosos e para os trabalhadores
interessa a sustentabilidade social: creches, escolas, universidades,
hospitais, moradias, segurança pública, empregos, salários dignos e
estabilidade no trabalho, sustentabilidade social que será a base para a
sustentabilidade ambiental.
Essa
violência do capitalismo na Amazônia só tende a se agravar devido a ausência
das instituições do Estado na região. A Comissão Pastoral da Terra, organismo
ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, informa que desde 1996 até
2010 foram executadas 212 pessoas dando uma média de 14 pessoas executadas por
ano.
Toda vez
que assassinam um trabalhador rural, um cacique, uma religiosa, um padre... há
toda uma comoção, promessas de providências mas o que se vê é a cumplicidade do
Estado e dos governos com esse estado de coisas uma vez que na grande maioria
dos municípios não tem estrutura policial, não tem juízes nem promotores, não tem
escritórios do IBAMA, do INCRA e etc... criando condições para a implantação da
impunidade, de atividades econômicas ilegais como extração irregular de
madeiras, produção de carvão, pesca predatória, garimpos clandestinos e etc...
Todos
esses fatores são agravados com o modelo de desenvolvimento que vem sendo
implementado na Amazônia desde a chamada Operação
Amazônia que incentiva e privilegia grandes projetos que concentram a
propriedade das terras com monoculturas em detrimento dos pequenos e médios produtores
fomentando a grilagem das terras e a especulação fundiária enfim, a violência
rural.
Em 2010 a
Comissão Pastoral da Terra passou às mãos do governo levantamento efetuado
entre os anos de 1985 a 2009. Segundo esta pesquisa nesse período foram assassinados
1.546 trabalhadores rurais. De 1.162 crimes apenas 88 foram a julgamento pela
justiça, resultando na condenação de 9 executores e de 20 mandantes de crimes.
Ouvimos
falar do assassinato de Chico Mendes, dos 19 trabalhadores rurais sem terra de
Eldorado dos Carajás, da Irmã Dorothy Staang. Mas e aqueles que não ganham
notoriedade na mídia? Segundo a Comissão Pastoral da Terra a implantação e
expansão do capitalismo na Amazônia continua assassinando pelo menos um
trabalhador rural, um líder indígena, um ribeirinho, um quilombola por semana
pranteado apenas por suas mulheres, filhos e companheiros de resistência.
A
Amazônia neste início do século XXI abriga em seu território 25 milhões de
pessoas. Detém uma economia que engloba ainda atividades extrativas, pesca
semiartesanal altamente predadora, exploração mineral altamente poluidora, uma
agricultura de subsistência dando lugar às monoculturas do agronegócio
incentivados pelos governos e o PIM, Pólo Industrial de Manaus constantemente
ameaçado pela perda dos incentivos fiscais e das vantagens comparativas a
chamada guerra fiscal que se trava entre os estados brasileiros.
A
integração/subordinação, ou como dizem outros a integração subordinada da
Amazônia à economia e à sociedade capitalista vem se dando de forma incentivada
pelos governos através da exploração privatizada de seus recursos naturais, da
entrega crescente de seu território aos investidores estrangeiros que se
apropriam criminosamente de sua biodiversidade, aviltando e degradando a
qualidade de vida das populações tanto na zona rural como nas periferias
urbanas.
Atualmente
sofremos na Amazônia as perversas conseqüências da “Operação Amazônia”. O que
será da Amazônia após as obras do PAC, Programa de Aceleração do Crescimento?
Quem viver verá....E sofrerá.
O Fazer Geografia na Amazônia
Saiba,
que fazer Geografia é uma forma particular de interpretar, representar e
construir o mundo. Cultivar a ciência geográfica é descobrir a dimensão
sócio-espacial em qualquer ramo da atividade humana. Toda estrutura de poder
tem uma dimensão sócio/espacial. Toda sociedade manifesta sua organização em um
território.
O
território é a síntese dinâmica do trabalho de uma sociedade. Há no território
algo que se impõe à comunidade como um valor unificador. É a consciência de
pertencer ao território vivido, construído e partilhado não só com os
contemporâneos, mas também com os antepassados. Essa auto-imagem que a
comunidade tem de si mesma, com o seu meio ambiente, com seu presente e com seu
passado, é o que leva à consciência geográfica. Consciência no sentido de um
saber integrado socialmente, uma ciência compartilhada que cada indivíduo e
cada comunidade têm de si mesma.
É através
dessa consciência que o homem se relaciona com tudo que o envolve: a natureza e
a sociedade. É através desta consciência que o homem se situa diante da
natureza, da sociedade e da vida é por ela que orienta e dá sentido à própria
existência. A existência humana será marcada por essa contingência geográfica.
Cada lugar tem as marcas das pessoas que ali nascem. Cada pessoa é natural de
algum lugar. Cada pessoa carrega consigo a herança social do lugar onde nasceu,
se criou e se desenvolveu.
A
globalização, contraditoriamente, tem acentuado a tendência da auto-afirmação
da identidade dos povos a nível regional e local. A experiência demonstra que a
Geografia é um excelente instrumento para se conseguir vida digna, paz,
esperança e fraternidade entre os povos.
(*) É
pesquisador, professor com doutorado em geografia.
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