quinta-feira, 28 de maio de 2009

“PIRUETAS, MALABARISMO, RODO E SABÃO”

É uma realidade dolorida e cruel de se ver nas ruas, crianças sujas, abandonadas, mal alimentadas, verdadeiros farrapos pedindo comida, trocando favores, usadas e totalmente vulneráveis a todos os tipos de moléstias decorrentes de uma relação desigual e injusta, procedentes de famílias vitimadas pela falta de medidas coesas de planejamentos condizentes com a realidade, que levem em consideração as especificidades locais, de propósitos e pessoas comprometidas, que não os reservem o malogro, a vala social.

Lena Andréa Lima Muniz*

O propósito central deste artigo é discorrer sobre o novo segmento de mercado que vem alcançando grande amplitude nos principais cruzamentos da cidade de Manaus, a grande oferta de mão-de-obra de limpadores de pára-brisas que a cada dia tem se multiplicado nos principais cruzamentos da cidade.

Não tem hora é pela manhã, à tarde, à noite e até na madrugada. Fechou o sinal, surgem os malabaristas (senhores, jovens e até crianças), você não sabe de onde eles vêm, são rápidos e manipulam suas ferramentas de trabalho (garrafinha com água, detergente e rodo) com tamanha agilidade que bota muita linha de produção no bolso.

Você fica sem reação, eles chegam, molham o pára-brisa, ensaboam e limpam, mesmo que você diga não, já era, já ta molhado, agora é terminar!

Fazem piruetas entre os carros tentando alcançar a máxima eficiência do serviço, pois além de concorrer entre si, existem os vendedores ambulantes, de jornais, água, frutas, brinquedos, entregadores de panfletos, hippies circenses, vindos sabe lá de onde, fazendo peripécias com facões (que você jura que vai ser vitimada), engolindo e cuspindo fogo bem perto dos veículos e todos contam com o implacável senhor do tempo, o semáforo.

Chega a ser engraçado, não fosse deprimente, pois em sua grande maioria são crianças, entre 7 a 16 anos, uns são tão pequenos que chegam a ficar na pontinha dos pés e quase se penduram no capô do carro para alcançar a totalidade do vidro.

Eu sempre me pergunto: Cadê os pais dessas crianças? Cadê a família? E os órgãos fiscalizadores?

Afinal de contas lugar de criança não é na escola?!

Até onde somos responsáveis? Como contribuímos? Afinal de contas a pobreza não é um espelho, no qual percebemos a nossa própria fragilidade e a nossa própria miséria, portanto, não é a pobreza um pouco de cada um?

Estas indagações revelam que a evasão escolar tem crescido, e é cada vez maior a quantidade de pessoas excluídas, vivendo à revelia dos planejamentos, o que evidencia o alto nível de pobreza, e a falta de medidas racionais que assegurem uma vida mais saudável aos cidadãos.

É uma realidade dolorida e cruel de se ver nas ruas, crianças sujas, abandonadas, mal alimentadas, verdadeiros farrapos pedindo comida, trocando favores, usadas e totalmente vulneráveis a todos os tipos de moléstias decorrentes de uma relação desigual e injusta, procedentes de famílias vitimadas pela falta de medidas coesas de planejamentos condizentes com a realidade, que levem em consideração as especificidades locais, de propósitos e pessoas comprometidas, que não os reservem o malogro, a vala social.

O limpador de pára-brisas assim como os demais concorrentes no mercado do trânsito é o efeito claro da dissonância na administração e na distribuição dos recursos.

E aí como proceder, incentivar dando um tostão, ou a recusa, o não?!

É complicado, pois situações como essa mexem com a cabeça, com os valores, não dá para fingir que não está acontecendo, aceitar numa boa aquela máxima de que uns nascem para sorrir e outros para chorar, que é tudo normal, e ainda, que não se possa ter crescimento econômico sem o sacrifício de uns para benefício de outros, que tudo é parte do pacote, que é assim mesmo, etc.

Se for assim, esse pacote é na realidade uma verdadeira caixa de pandora, e jamais deveria ser aberto, é o anacronismo social, o descaso, o reflexo do famigerado sistema, que tem sua base apoiada em relações de desigualdades, e somos parte dele, pois o alimentamos.

*Professora, economista e colaboradora do NCPAM.

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