segunda-feira, 25 de maio de 2009

ESCRAVOS LIBERTOS EM MANAUS



Vários líderes republicanos e abolicionistas, como José do Patrocínio, foram presos e confinados num quartel do exército em Cucuy, na fronteira com a Colômbia. Assim, o gesto dos amazonenses não foi pequeno e se abateu como um relâmpago em meio à política de postergação da monarquia. O avançava, enquanto no Pará a questão do negro era tratada com sobressaltos, por relembrar o período revolucionário. Num relatório de outubro de 1848, o presidente do Pará, conselheiro Jerônimo Francisco Coelho, se referia ao problema tachando os escravos fugidos de criminosos.


Márcio Souza*

O dia 24 de maio marcou uma data gloriosa para a cidade de Manaus. Com tanto feriado municipal idiota e sem propósito, eis uma data que merecia ser relembrada com festas e feriado. É a data da libertação dos escravos, quando a cidade, irmanando-se ao Ceará, emitiu um forte clarão de liberdade e dignidade para o Brasil escravista. Aqui viviam cerca 1.500 escravos, segundo os registros. Imediatamente as sociedades libertadoras se multiplicam nas cidades do interior, como Itacoatiara, Manacapuru, Coari, Codajás e Manicoré.

As elites intelectuais e políticas do Norte sempre demonstraram repugnância pelo estatuto da escravidão. Formadas pelo iluminismo francês e pelas idéias republicanas e liberais que se entranhou no Grão-Pará, a questão abolicionista foi considerada uma prioridade. A escravidão esteve presente desde o primeiro minutos em que os europeus pisaram em solo amazônico, levando ao processo de destribalização e extinção em massa dos povos indígenas.

Mesmo com a derrota do Grão-Pará, os ideais se mantiveram acesos. A Bolívia tinha feito sua abolição em 1826, a Colômbia 1851, o Peru e a Venezuela 1854. O regime dos Cabanos extingue a infâmia em 1853, mas por pouco tempo.

O império do Brasil se tornou o derradeiro país do mundo a abandonar a prática, 1888 a população de escravos na Amazônia era pequena, se comparada com as de outras regiões brasileiras, por isso mesmo um certo desdém sempre aparece quando se evoca a precoce abolição amazonense. Mas a luta pela erradicação da escravidão não estava vinculada a questões demográficas ou apenas econômicas, era uma opção ideológica que pregava a igualdade e a fraternidade, além de se confundir, nos últimos anos, com a pregação pela República e a instalação de uma democracia representativa, baseada no estado de direito. Por isso, em determinado momento a agitação abolicionista se tornou ameaçadora, levando a monarquia a recrudescer nos atos repressivos.

Vários líderes republicanos e abolicionistas, como José do Patrocínio, foram presos e confinados num quartel do exército em Cucuy, na fronteira com a Colômbia. Assim, o gesto dos amazonenses não foi pequeno e se abateu como um relâmpago em meio à política de postergação da monarquia. O avançava, enquanto no Pará a questão do negro era tratada com sobressaltos, por relembrar o período revolucionário. Num relatório de outubro de 1848, o presidente do Pará, conselheiro Jerônimo Francisco Coelho, se referia ao problema tachando os escravos fugidos de criminosos.

No dia 10 de julho de 1884, o governador amazonense Theodoreto Souto reúne a sociedade amazonense no largo de São Sebastião e, ao meio dia em ponto, quando o sol não faz sombra, assinou um ato em que declarou ser “em homenagem à Civilização e à Pátria, em nome do povo Amazonense, que pela vontade soberana do mesmo povo e em virtude de suas leis, não mais existam escravos no território desta Província, ficando, assim, e de hoje para sempre, abolida a escravidão e proclamada a igualdade dos direitos de todos os seus habitantes”.

Lembro esta data para afirmar que nem sempre fomos mesquinhos, medíocres e atrasados, e nem sempre tivemos políticos adesistas, corruptos e fisiológicos. No final do século 19, havia homens como Theodoreto Souto em Manaus, que deu às futuras gerações esta lição de grandeza intelectual e coragem política.

*Renomado escritor e dramaturgo amazonense, articulista de A Crítica, em Manaus.

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