Na sexta-feira (23), foi ao ar no programa Na Terra de Ajuricaba, pela TV UFAM, Canal 07 e 27 da NET Manaus, o debate sobre a implantação do Parque Tecnológico do Núcleo de Inovação Tecnológica da UFAM (NIT), com apresença da coordenadora Profa. Dra. Socorro Chaves e do prof. Sebastião Marcelice, onde se debateu, entre outros assuntos, a importância da implantação de um Parque Tecnológico na Universidade Federadl do Amazonas (UFAM). No Programa, entre outros pontos, Chaves destacou que a proposta foi concebida pelo NIT para coordenar projetos de inovação tecnológica, surgindo como instrumento catalisador de projetos no interior da UFAM, voltadas para inclusão social e geradora de tecnologias sociais. O Parque é, segundo informa sua coordenadora, o 2º do Brasil desta natureza, abrangendo 24 municípios amazonenses, que dialogam com varias frentes de trabalho. Dessa forma, a natureza metodológica do núcleo está centrada na participação das comunidades tradicionais que tenham projetos desenvolvidos ou em desenvolvimento com a UFAM, arregimentando ações que estejam sustentadas nas práticas de ensino, pesquisa e extensão, pilares básica da Universidade, pressupondo ainda, a participação interdisciplinar da comunidade acadêmica. Portanto, a fim de contribuir cada vez mais com o aprofundamento deste debate iniciado no programa Na Terra de Ajuricaba, postamos abaixo artigo desenvolvido pelo sociólogo Tiago Jacaúna, que, desde 2009 vem desenvolvendo trabalho nesta perspectiva. Esperamos, com este artigo, ampliar cada vez mais a discussão sobre a temática em direção ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia na UFAM, numa perspectiva das política públicas, respeitando, sobremaneira, o valor do conhecimento associado, que é patrimônio das comunidades tradicionais e dos povos indígenas.
REFLEXÕES SOBRE CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA AMAZÔNIA
Tiago da Silva Jacaúna (**)
O presente texto busca traçar um quatro explicativo para a grave constatação da baixa produção de ciência e tecnologia na Amazônia. Na era da “economia do conhecimento”, esse cenário é decisivo na explicação de problemas como desigualdade, pobreza, desemprego etc. Uma breve análise da economia global, se constata que os países que mais se destacam economicamente são aqueles que geram patentes e dominam tecnologias de ponta.
É através de conhecimento científico e tecnológico que se criam condições para a produção de bens e serviços que atendam as necessidades locais, regionais e globais, todavia, o seu uso inadequado ou a serviço de apenas alguns, pode acarretar problemas graves como desigualdades regionais, dominação econômica, degradação ambiental etc. Assim, quando não existe uma profunda sintonia entre ciência, tecnologia e sociedade, as conseqüências de uso de determinadas técnicas podem ser funestas.
O cenário atual de crise ecológica vem provocando mudanças tecnológicas significantes no intuito de dirimir os impactos ambientais, entretanto, os mecanismos criados pela economia de mercado não conseguiram diminuir sugestivamente a degradação. Nesse sentido, surge a necessidade de se criar novas tecnologias e novos modelos de desenvolvimento. A Amazônia assume papel de destaque na medida em que apresenta uma produtividade ecológica imensa. Porém, a criação de tecnologias que possam utilizar racionalmente e sustentavelmente os recursos naturais da região não é incentivada e, torna-se indispensável o investimento em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Partindo desse cenário, a região amazônica pode contribuir significativamente com o desenvolvimento nacional, uma vez que possui um potencial ecotecnológico [1] expressivo.
As alternativas para incrementar a produção de conhecimento na região atrelada à geração de emprego, renda e inclusão social na Amazônia parte da vontade política, do respeito aos conhecimentos tradicionais e as dinâmicas ecológicas. Para esse fim, a ideia da criação de Parques Científicos e Tecnológicos (PCTs), modelo já realizado em outros países, parece adequado se for pensado como local de produção de ciência e tecnologia condizentes com a realidade regional.
A presença da C&T na história regional
Historicamente, a região nunca conseguiu criar um sistema que pudesse caracterizar um campo de C&T na região. Os primeiros contatos das oligarquias regionais com empreendimentos de C&T foram apenas simbólicos. Costa (1998) mostra que a formação de um aparato científico na região como o Museu Paraense Emilio Goelde, foi mais uma atitude exibicionista das elites locais para demonstrar traços de refinamento cultural para o Brasil ou para o mundo do que iniciativas que buscassem desenvolver conhecimento, tecnologia e desenvolvimento na região.
O Museu e seus quadros científicos eram, assim, caros às elites econômicas locais, mas como um adorno, um luxo com o qual podiam regalar-se em seu período áureo. Como tal, o empreendimento científico não teve nenhuma organicidade com os fundamentos estruturais de sua existência (COSTA, 1998, p. 113).
Num segundo momento, as oligarquias regionais se viram necessitadas de aparatos de C&T, seja por motivos de inserção da Amazônia em seus projetos políticos, seja por susto diante dos interesses estrangeiros na região. Assim, em meados do século XX, formam-se institutos como o Instituto Agrônomo do Norte (IAN), o novo Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG) e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia ( INPA ), ambos criados dentro de sistemas nacionais, o primeiro pertencente ao Ministério da Agricultura, enquanto os dois últimos coordenados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Contudo, a criação destes empreendimentos de C&T não advém de demandas locais e sociais concretas ou de necessidades politicamente organizadas, isto é, não havia uma formulação local sistematizada de quadros de necessidades que fossem capazes de ser auxiliadas pela atividade científica. “De modo geral, poderíamos assumir que também nessa fase, a atitude das oligarquias locais foi bastante passiva diante de uma série de empreendimentos de C&T que pouco lhes diziam respeito” (COSTA, 1998, p. 114).
Durante o governo militar no país (1964-1985) os investimentos e a produção já existente da C&T na região foi totalmente desprezado pelas políticas de desenvolvimento do governo. O afã modernizador de tais políticas implementou e incentivou a expansão da fronteira agrícola na região por meio da pecuária e da agricultura, além de ter criado modelos industriais de desenvolvimento com a criação da Superintendência da Zona Franca de Manaus que, nem demandam nem produzem C&T, pois já aportam na região com seus padrões tecnológicos. Isso possibilitou a entrada de tecnologias nocivas ao ecossistema da região como os estímulos ao uso de fertilizantes, a agrotóxicos nos solos da região, o incentivo ao monocultivo etc. “Tais políticas, a rigor, tornaram o investimento em inovação, com raras exceções, irracional na Amazônia, onde a racionalidade empresarial materializou-se nas queimadas, na pecuária extensiva e no empreendimento madeireiro sem critério” (COSTA, 1998, p. 117).
Os avanços da ciência e da tecnologia dentro dos padrões atuais de desenvolvimento, contribuíram para o uso dos recursos naturais de maneira insustentável, contudo, produziram grandes avanços no campo da biotecnologia, microeletrônica, engenharia genética etc., gerando conhecimentos que podem ser aplicados em processos altamente produtivos não necessitando de altos investimentos em capital, recursos naturais e insumos industriais.
Estes recursos científicos podem ser orientados no sentido do desenvolvimento de novos potenciais naturais e tecnológicas, no aproveitamento de fontes alternativas de energia, na descentralização das atividades produtivas e na delineação de novos produtos,
Para Costa (1998) a idéia de um desenvolvimento sustentável ou ecodesenvolvimento presentes nos documentos oficiais é delegada a C&T, dessa forma, são os avanços nesse campo que possibilitarão o tão almejado desenvolvimento sustentável, principalmente na Amazônia. De acordo com o relatório Brasil (1995) apud Costa (1998, p. 124):
[...] a promoção do desenvolvimento sustentável na Região Amazônica requer um grau de conhecimento cuja pré-condição indispensável consiste na realização de um amplo programa de estudos e pesquisas e o intenso intercâmbio no campo das ciências e da tecnologia, a serem realizadas pelas instituições científicas e acadêmicas de que dispõe a Região [...]. O uso racional e sustentável dos recursos ambientais na Amazônia depende da aplicação de tecnologia avançada desenvolvida ou adaptada às suas condições peculiares.
O pensador amazônico Djalma Batista em seu artigo intitulado Ciência e tecnologia no desenvolvimento da Amazônia (1967) publicado no jornal Folha de São Paulo, já argumentava da necessidade de se investir e produzir conhecimento atrelado à realidade social, cultural e natural da região, pois, para ele, a raiz do subdesenvolvimento da região não estava relacionado a fatores como posição geográfica, clima ou vegetação, o problema do subdesenvolvimento era de ordem sociocultural, então, era necessário investimentos em educação, ciência e tecnologia para aproveitar racionalmente o potencial ecológica na região e assim, gerar desenvolvimento.
O autor percebe a urgência de investimentos em C&T ao constatar o desconhecimento dos recursos naturais na Amazônia e o uso de técnicas arcaicas para o cultivo da terra, para a colheita dos bens naturais etc., fazendo-se, deste modo, o uso predatório dos bens naturais. Então, segundo Djalma Batista, os métodos da ciência e da tecnologia devem ser empregados visando:
1) O conhecimento sistemático do que realmente a Amazônia possui, isto é, o inventário de seus recursos naturais.
2) Utilização racional de tais recursos naturais, o que importa na mobilização da riqueza da região. (BATISTA, 1967, p.162).
Segundo o autor, a utilização dos métodos da ciência e da tecnologia,
[...] haverão de criar condições satisfatória para melhorar a vida dos habitantes atuais e para a vinda de uma imigração mais intensa e bem conduzida permitindo ao homem viver bem e construir uma sociedade estável e progressista. (BATISTA, 1967, p.162).
O estudioso dá grande importância às instituições de pesquisa atuantes na região, são elas: Museu Goeldi, Instituto Evandro Chagas, Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuária do Norte (IPEAN), Instituto de Pesquisa da Amazônia (INPA) e o Instituto Regional de Desenvolvimento do Amapá (IRDA); todas elas, segundo o autor, fazendo grandes trabalhos no campo da pesquisa, propiciando o desenvolvimento da região; porém não contribuem de maneira mais incisiva por enfrentarem graves problemas institucionais, como a escassez de pessoal, pouca verba etc. Para que a ciência e a tecnologia possam ter êxito, ele propõe algumas medidas para as instituições de pesquisa funcionarem devidamente:
a) tratamento especial para a Amazônia;
b) doações financeiras vultosas e pagas a tempo;
c) libertações das peias burocráticas em que vivem enredadas as instituições de pesquisa;
d) estabelecimento de novos níveis de salários, de acordo com o mercado de trabalho técnico do Brasil e o custo de vida da região;
e) intensificação do programa de formar pesquisadores selecionados entre os filhos da Amazônia, com o compromisso de honra a voltarem à região. (BATISTA, 1967, p.162).
Em sua concepção, a pesquisa assume um papel preponderante para o desenvolvimento da região amazônica, é através dela que esta parte do país encontrará o melhor caminho a ser traçado.
A situação recente da CT&I na Amazônia
A relação entre ciência e tecnologia na Amazônia, como foi descrito, não possuía bases nas demandas locais, isso se devia:
[...] ou em função de inclinações decisivamente universalista de algumas de suas instituições, ou como resultado da inclinação que demonstram aquelas com características finalistas de conformação a ditames estratégicos orientados por necessidades estranhas às especificidades regionais. Além do mais, tais empreendimentos desenvolveram-se com baixa complementaridade, suas instituições e pesquisas apresentando baixíssima comunicação e comutatividade (COSTA, 1998, p.108).
Contudo, as atuais crises ecológicas e a importância que a conservação ambiental em nível internacional vem ganhando, podem influenciar significativamente a produção em C&T em busca do desenvolvimento sustentável na Amazônia.
Apesar disso, os investimentos em ciência e tecnologia na região são insatisfatórios. A falta de uma cultura empresarial local em pesquisa, desenvolvimento e inovação, aliada a políticas oficiais de incentivos fragmentadas e intermitentes levadas a efeito nas últimas décadas, mostra um quadro bastante precário.
Como resultado, observa-se o fraco desempenho do estado do Amazonas. Quando o assunto é “patentes”, a contribuição regional é pouco significativa no conjunto do país. O estado tem participado, em média nos últimos anos com apenas 4,7% do total nacional.
Observa-se que no ano de 2003, das 219 patentes registradas, o estado do Amazonas contribuiu apenas com 11, isto é, 5%. Em 2004, o Brasil registrou 278 patentes, sendo o Amazonas nenhuma. Já em 2005 e 2006, o estado voltou a contribuir com o número de patentes do Brasil, com 7,4% e 2,7% respectivamente. Em 2007 o estado também não contribuiu.
Os resultados levam-nos a uma dúvida: o que explica a baixa participação do estado do Amazonas e/ou da região norte em registros de patentes no Brasil?
Analisando os dispêndios dos governos estaduais em C&T em 2004, constata-se que os estados da Amazônia pouco investem em ciência e tecnologia. No gráfico, os estados amazônicos aparecem apenas na categoria “outros”, demonstrando o descaso desses governos com C&T. Do total de dispêndios dos estados, São Paulo é o que mais destina recursos ao “conhecimento”, isso é uma variável importante para explicar a sua importância econômica para o Brasil.
Esse panorama comprova as discussões feitas por Costa (1998) onde demonstra que a região amazônica nunca teve sistemas organizados de C&T e, quando teve, não foi pautado nas demandas regionais. As instituições de pesquisas na região não são suficientes nem dispõem de recursos humanos satisfatoriamente.
Com relação a instituições de pesquisa, em 2000 apenas 6% delas estava presente na região, em 2002 o número sobe um ponto percentual em relação ao ano anterior, 2004 e 2006 a região apresenta apenas 9% das instituições de pesquisa. A região que conta com maior número de instituições de pesquisa nos anos relacionados é o Sudeste com 56%, 52%, 52%, 52% respectivamente.
Com relação à presença de grupos de pesquisa o cenário é idêntico. A região Norte á a que menos conta com a consolidação de grupos de pesquisa. Em 2000 apenas 3% dos grupos estavam na Amazônia, em 2002, 2004 e 2006 a presença destes grupos é de 4%.
Assim, o número insignificante de instituições e grupos de pesquisa inviabiliza a produção de C&T na região. Embora a Amazônia represente um manancial de recursos naturais a serem conhecidos e explorados, o interesse científico nacional ainda não despertou para isso.
A proposta de trabalhar a produtividade ecológica da região esbarra na incipiente presença de ciência e tecnologia. Os investimentos nesse particular, então, tornam-se fundamentais numa proposta de política pública de desenvolvimento socioeconômico na Amazônia.
A idéia de se investir em C&T, como já foi dito, não é nova na Amazônia. Djalma Batista em 1967, ano de criação da ZFM, já mencionava a necessidade de investimentos nesses fatores de produção [2] (tecnologia, recursos humanos).
A seguir traça-se uma proposta de produção de C&T na Amazônia baseado no promissor modelo de Parques Científicos e Tecnológicos (PCTs) e na idéia de sistemas de inovação.
Parques Científicos e Tecnológicos (PCTs): proposta prática para a produção de ecotecnologias na Amazônia
O estabelecimento de marcos que possam contribuir para a criação de mecanismos de C&T na região que possam aproveitar racionalmente a biodiversidade amazônica torna-se urgente na busca para um desenvolvimento auto-sustentado e socio-ambientalmente responsável [3]. Nesse ínterim, as propostas a seguir são baseadas em experiências e conceitos já difundidos e que, se aplicados ao contexto regional, pode favorecer ao desenvolvimento regional.
Um dos conceitos que vem se discutindo bastante é o de sistemas de inovação. Para Lastres e Cassiolato (2003) apud Araújo Filho et al (2008, p.264), sistemas de inovação podem ser definidos como “um conjunto de instituições distintas que contribuem para o desenvolvimento da capacidade de inovação e aprendizado de um país, região ou localidade”. Assim, este conceito permite orientar as políticas públicas para o estímulo à interação entre instituições e aos processos interativos no trabalho de criação de conhecimento e em sua difusão e aplicação.
Baseado nessa idéia se propõe criar na Amazônia sistemas de inovação que possam abranger os seguintes atores sociais:
• Instituições públicas – nos níveis federal e estadual – para atuar na formulação de políticas e no fomento de projetos relacionados a temática da inovação;
• Instituições de ensino técnico e superior com capacidade para formar mão-de-obra especializada em seus diversos níveis;
• Instituições públicas e privadas dedicadas a atividades de P&D;
• Agências federais e estaduais de apoio a projetos de pesquisa, desenvolvimento e formação de recursos humanos qualificados em alto nível;
• Um parque industrial baseado no bionegócio, com empresas capazes de concretizar um esforço conjunto para inovação;
• Um ambiente favorável, fortemente representado na crescente consciência dos atores quanto à importância da CT&I para a sustentabilidade do desenvolvimento local.
Um dos meios eficazes de produzir essa sinergia de atores é através da criação de Parques Científicos e Tecnológicos (PCT’s). Os Parques são um fenômeno que se iniciou na costa oeste dos EUA na década de 50, e tem se expandido para todos os continentes, no ano de 2002 superaram os 600 (CASTRO, 2003).
Os PCT’s funcionam em dimensões reduzidas desenvolvidos, geralmente, por universidades, focados da geração de novas empresas. Dessa forma, o papel das universidades para a geração dos PCT’s é crucial. Para Castro (2003, p.89), entre outros aspectos as empresas estrangeiras e outros potenciais usuários do Parque serão atraídos,
No solamente por los buenos serviços y comunicaciones del entorno sino por su proximidad y relación con una universidad y su potencial docente e investigador, consesuado este con una apuesta social que considera, además, una serie de incentivos fiscales, legales, etc., y que apunta con solidez hacia el futuro.
Numa proposta para a Amazônia os PCT’s funcionariam como o lócus do sistema de inovação acima mencionado. Através não apenas das universidades, mas também das instituições de pesquisa. Esse sistema deverá produzir a articulação entre instituições que desenvolvem P&D, empresas de C&T e a sociedade civil que necessita de soluções para seus problemas. A sinergia entre esses atores é o caminho proposto para a elaboração de ecotecnologias atreladas às demandas locais e comprometida com o desenvolvimento regional.
Conclusão
A C&T assume papel indispensável para o desenvolvimento regional, é através da inovação tecnológica que novos produtos podem ser criados gerando desenvolvimento econômico e social. Entretanto, os padrões tecnológicos atuais vêm comprometendo o futuro da humanidade, pois, utiliza recursos naturais de forma intensiva e extensiva, e gera um conjunto de externalidades ambientais nocivas. Nesse particular, nas regiões onde a vida natural conseguiu ser mantida, torna-se necessária a adoção de novos padrões tecnológicos para utilizar os recursos naturais de forma racional e sustentada.
Nesse contexto, a região amazônica com sua produtividade ecológica potencial, assume papel estratégico para o país. O uso racional de seus recursos, com tecnologias ecologicamente corretas e adaptadas, condizentes com a realidade sociocultural da região, pode gerar um nível de produtividade elevada, capaz de erguer a economia regional dentro dos preceitos de sustentabilidade e inclusão social.
Para tal empreitada, o conceito de Leff (2000) de produtividade ecotecnológica assenta como uma luva no ecossistema amazônico. A noção de ecotecnologias pressupõe o conhecimento dos níveis de produtividade ecológica, do uso produtivo realizado pelas populações tradicionais da região e pela produção de tecnologias que possam aproveitar e aumentar a produtividade ecológica além de ter a capacidade de serem absorvidas pela sociedade. Através da interdependência desses níveis de conhecimento (interação ecotécnica) pode ser pensado um modelo alternativo de desenvolvimento baseado nos preceitos do ecodesenvolvimento e/ou autodesenvolvimento.
O investimento em C&T para a região amazônica precisa ser intensificado, no sentido de se criar tecnologias apropriadas que possam conter o vício nacional de ser apenas consumidor do que produtor de tecnologias. A mudança desse costume arraigado torna-se urgente no que tange a necessidade de criar tecnologias capazes de trabalhar racionalmente e sustentavelmente com os recursos naturais na região.
Todavia, a produção de ecotecnologias exige um conhecimento interdisciplinar da realidade local, onde as ciências naturais e sociais possam manter uma relação de interdependência. Assim, os investimentos em biotecnologias, engenharia genética, mecânica, antropologia, sociologia, economia, ciências agrárias etc., são estruturantes numa proposta de produtividade ecotecnológica para a Amazônia.
Portanto, a operacionalidade dos princípios ecotecnológicos necessita de novos conhecimentos científicos, tecnológicos e novos instrumentos de planejamento, bem como um ordenamento jurídico ambiental orientado por uma visão de seus objetivos em longo prazo (LEFF, 2000). Para Costa (1998) os empreendimentos em C&T na região devem pautar-se na idéia de interdisciplinaridade, e na imprescindível sinergia entre os agentes sociais envolvidos, pois os esforços para produzir conhecimento na Amazônia necessitam de uma visão ampla.
Dessa forma, torna-se necessário que se criem sistemas de inovação que possibilitam a interação e cooperação entre instituições de pesquisa e ensino, agências governamentais e empresas. Para isso, a criação de Parques Científicos e Tecnológicos (PCT’s) torna-se importante, pois permitem a articulação entre os diversos atores interessados na inovação, possibilitando assim, a construção de um aparato em CT&I comprometidos com as demandas sociais e a sustentabilidade ambiental.
A empreitada para a construção de um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia inicia-se através da criação de sistemas de inovação que possibilitem a interação ecotécnica, isto é, a interação entre as diversas áreas do conhecimento científico, o conhecimento tradicional e o uso produtivo desses elementos.
Os PCT’s, dessa forma, seriam o lócus da produção de ecotecnologias, onde se realizaria as três etapas do processo de inovação: pesquisa básica, pesquisa aplicada e o desenvolvimento tecnológico.
Esse conjunto de fatores, articulados com a vontade política e com investimentos maciços em CT&I podem mudar o atual cenário do desenvolvimento regional, criando condições para um modelo sustentável e compatível com os interesses e as demandas locais.
Notas
(1) A ideia de uma produtividade ecotecnológica fundamenta-se em três processos interdependentes e que estabelecem níveis correspondentes de produtividade. O primeiro é um nível de produtividade cultural, esse se baseia no conhecimento tradicional dos recursos naturais e do uso produtivo desses recursos. Em segundo está um nível de produtividade ecológica, baseada na conservação da fertilidade dos solos e na manutenção de certas estruturas funcionais dos ecossistemas das quais dependem, a longo prazo, suas condições de estabilidade e renovação e que, através de tecnologias permitem que possam ser ampliadas. Finalmente, um nível de produtividade tecnológica, que dependem da eficiência dos processos de transformação de um conjunto de meios mecânicos, químicos, bioquímicos e termodinâmicos de produção (Leff, 2000).
(2) Na moderna economia os fatores de produção são: capital, tecnologia, recursos humanos e recursos naturais
(3) No caso da economia do estado do Amazonas, a criação de uma economia baseada no bionegócio ainda é mais urgente, haja vista a dependência ao Pólo Industrial de Manaus onde os incentivos terminam em 2023.
Referências
ARAÚJO FILHO, G. et al. A emergência de um sistema de inovação no Estado do Amazonas: fortalecimento pela governança. Parcerias Estratégicas, nº 26, Brasília DF, p. 261-281, jun. 2008.
BATISTA, D. Ciência e Tecnologia no Desenvolvimento da Amazônia. Folha de São Paulo. São Paulo, 16 mar. 1967. Suplementos da Amazônia. p. 162-163.
CASTRO, F. Los Parques Científicos y Tecnológicos: origenes, desarrollo y perspectivas. In: Ciencia, Tecnología y Sociedad, Editorial Científico-Técnica, Ciudad de La Habana, 2003.
COSTA, F. A. Ciência, Tecnologia e Sociedade na Amazônia. Belém: Cejup, 1998.
LEFF, E. Ecologia, capital e cultura. Tradução de Jorge Esteves da Silva. Blumenal: Edifurb, 2000.
NR Este texto é uma compilação de artigos apresentados no XIV Congresso Brasileiro de Sociologia, 2009 e no VI Congreso de La Asociación Latinoamericana de Sociología del Trabajo. Uma nova versão está sendo tecida com dados mais recentes e incorporando novas ideias fruto dos debates nos congressos apresentados.
(*) Sociólogo e Economista. Mestre em Sociologia pela UFAM. Doutorando em Ciências Sociais na UNICAMP.
REFLEXÕES SOBRE CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA AMAZÔNIA
Tiago da Silva Jacaúna (**)
O presente texto busca traçar um quatro explicativo para a grave constatação da baixa produção de ciência e tecnologia na Amazônia. Na era da “economia do conhecimento”, esse cenário é decisivo na explicação de problemas como desigualdade, pobreza, desemprego etc. Uma breve análise da economia global, se constata que os países que mais se destacam economicamente são aqueles que geram patentes e dominam tecnologias de ponta.
É através de conhecimento científico e tecnológico que se criam condições para a produção de bens e serviços que atendam as necessidades locais, regionais e globais, todavia, o seu uso inadequado ou a serviço de apenas alguns, pode acarretar problemas graves como desigualdades regionais, dominação econômica, degradação ambiental etc. Assim, quando não existe uma profunda sintonia entre ciência, tecnologia e sociedade, as conseqüências de uso de determinadas técnicas podem ser funestas.
O cenário atual de crise ecológica vem provocando mudanças tecnológicas significantes no intuito de dirimir os impactos ambientais, entretanto, os mecanismos criados pela economia de mercado não conseguiram diminuir sugestivamente a degradação. Nesse sentido, surge a necessidade de se criar novas tecnologias e novos modelos de desenvolvimento. A Amazônia assume papel de destaque na medida em que apresenta uma produtividade ecológica imensa. Porém, a criação de tecnologias que possam utilizar racionalmente e sustentavelmente os recursos naturais da região não é incentivada e, torna-se indispensável o investimento em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Partindo desse cenário, a região amazônica pode contribuir significativamente com o desenvolvimento nacional, uma vez que possui um potencial ecotecnológico [1] expressivo.
As alternativas para incrementar a produção de conhecimento na região atrelada à geração de emprego, renda e inclusão social na Amazônia parte da vontade política, do respeito aos conhecimentos tradicionais e as dinâmicas ecológicas. Para esse fim, a ideia da criação de Parques Científicos e Tecnológicos (PCTs), modelo já realizado em outros países, parece adequado se for pensado como local de produção de ciência e tecnologia condizentes com a realidade regional.
A presença da C&T na história regional
Historicamente, a região nunca conseguiu criar um sistema que pudesse caracterizar um campo de C&T na região. Os primeiros contatos das oligarquias regionais com empreendimentos de C&T foram apenas simbólicos. Costa (1998) mostra que a formação de um aparato científico na região como o Museu Paraense Emilio Goelde, foi mais uma atitude exibicionista das elites locais para demonstrar traços de refinamento cultural para o Brasil ou para o mundo do que iniciativas que buscassem desenvolver conhecimento, tecnologia e desenvolvimento na região.
O Museu e seus quadros científicos eram, assim, caros às elites econômicas locais, mas como um adorno, um luxo com o qual podiam regalar-se em seu período áureo. Como tal, o empreendimento científico não teve nenhuma organicidade com os fundamentos estruturais de sua existência (COSTA, 1998, p. 113).
Num segundo momento, as oligarquias regionais se viram necessitadas de aparatos de C&T, seja por motivos de inserção da Amazônia em seus projetos políticos, seja por susto diante dos interesses estrangeiros na região. Assim, em meados do século XX, formam-se institutos como o Instituto Agrônomo do Norte (IAN), o novo Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG) e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia ( INPA ), ambos criados dentro de sistemas nacionais, o primeiro pertencente ao Ministério da Agricultura, enquanto os dois últimos coordenados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Contudo, a criação destes empreendimentos de C&T não advém de demandas locais e sociais concretas ou de necessidades politicamente organizadas, isto é, não havia uma formulação local sistematizada de quadros de necessidades que fossem capazes de ser auxiliadas pela atividade científica. “De modo geral, poderíamos assumir que também nessa fase, a atitude das oligarquias locais foi bastante passiva diante de uma série de empreendimentos de C&T que pouco lhes diziam respeito” (COSTA, 1998, p. 114).
Durante o governo militar no país (1964-1985) os investimentos e a produção já existente da C&T na região foi totalmente desprezado pelas políticas de desenvolvimento do governo. O afã modernizador de tais políticas implementou e incentivou a expansão da fronteira agrícola na região por meio da pecuária e da agricultura, além de ter criado modelos industriais de desenvolvimento com a criação da Superintendência da Zona Franca de Manaus que, nem demandam nem produzem C&T, pois já aportam na região com seus padrões tecnológicos. Isso possibilitou a entrada de tecnologias nocivas ao ecossistema da região como os estímulos ao uso de fertilizantes, a agrotóxicos nos solos da região, o incentivo ao monocultivo etc. “Tais políticas, a rigor, tornaram o investimento em inovação, com raras exceções, irracional na Amazônia, onde a racionalidade empresarial materializou-se nas queimadas, na pecuária extensiva e no empreendimento madeireiro sem critério” (COSTA, 1998, p. 117).
Os avanços da ciência e da tecnologia dentro dos padrões atuais de desenvolvimento, contribuíram para o uso dos recursos naturais de maneira insustentável, contudo, produziram grandes avanços no campo da biotecnologia, microeletrônica, engenharia genética etc., gerando conhecimentos que podem ser aplicados em processos altamente produtivos não necessitando de altos investimentos em capital, recursos naturais e insumos industriais.
Estes recursos científicos podem ser orientados no sentido do desenvolvimento de novos potenciais naturais e tecnológicas, no aproveitamento de fontes alternativas de energia, na descentralização das atividades produtivas e na delineação de novos produtos,
Para Costa (1998) a idéia de um desenvolvimento sustentável ou ecodesenvolvimento presentes nos documentos oficiais é delegada a C&T, dessa forma, são os avanços nesse campo que possibilitarão o tão almejado desenvolvimento sustentável, principalmente na Amazônia. De acordo com o relatório Brasil (1995) apud Costa (1998, p. 124):
[...] a promoção do desenvolvimento sustentável na Região Amazônica requer um grau de conhecimento cuja pré-condição indispensável consiste na realização de um amplo programa de estudos e pesquisas e o intenso intercâmbio no campo das ciências e da tecnologia, a serem realizadas pelas instituições científicas e acadêmicas de que dispõe a Região [...]. O uso racional e sustentável dos recursos ambientais na Amazônia depende da aplicação de tecnologia avançada desenvolvida ou adaptada às suas condições peculiares.
O pensador amazônico Djalma Batista em seu artigo intitulado Ciência e tecnologia no desenvolvimento da Amazônia (1967) publicado no jornal Folha de São Paulo, já argumentava da necessidade de se investir e produzir conhecimento atrelado à realidade social, cultural e natural da região, pois, para ele, a raiz do subdesenvolvimento da região não estava relacionado a fatores como posição geográfica, clima ou vegetação, o problema do subdesenvolvimento era de ordem sociocultural, então, era necessário investimentos em educação, ciência e tecnologia para aproveitar racionalmente o potencial ecológica na região e assim, gerar desenvolvimento.
O autor percebe a urgência de investimentos em C&T ao constatar o desconhecimento dos recursos naturais na Amazônia e o uso de técnicas arcaicas para o cultivo da terra, para a colheita dos bens naturais etc., fazendo-se, deste modo, o uso predatório dos bens naturais. Então, segundo Djalma Batista, os métodos da ciência e da tecnologia devem ser empregados visando:
1) O conhecimento sistemático do que realmente a Amazônia possui, isto é, o inventário de seus recursos naturais.
2) Utilização racional de tais recursos naturais, o que importa na mobilização da riqueza da região. (BATISTA, 1967, p.162).
Segundo o autor, a utilização dos métodos da ciência e da tecnologia,
[...] haverão de criar condições satisfatória para melhorar a vida dos habitantes atuais e para a vinda de uma imigração mais intensa e bem conduzida permitindo ao homem viver bem e construir uma sociedade estável e progressista. (BATISTA, 1967, p.162).
O estudioso dá grande importância às instituições de pesquisa atuantes na região, são elas: Museu Goeldi, Instituto Evandro Chagas, Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuária do Norte (IPEAN), Instituto de Pesquisa da Amazônia (INPA) e o Instituto Regional de Desenvolvimento do Amapá (IRDA); todas elas, segundo o autor, fazendo grandes trabalhos no campo da pesquisa, propiciando o desenvolvimento da região; porém não contribuem de maneira mais incisiva por enfrentarem graves problemas institucionais, como a escassez de pessoal, pouca verba etc. Para que a ciência e a tecnologia possam ter êxito, ele propõe algumas medidas para as instituições de pesquisa funcionarem devidamente:
a) tratamento especial para a Amazônia;
b) doações financeiras vultosas e pagas a tempo;
c) libertações das peias burocráticas em que vivem enredadas as instituições de pesquisa;
d) estabelecimento de novos níveis de salários, de acordo com o mercado de trabalho técnico do Brasil e o custo de vida da região;
e) intensificação do programa de formar pesquisadores selecionados entre os filhos da Amazônia, com o compromisso de honra a voltarem à região. (BATISTA, 1967, p.162).
Em sua concepção, a pesquisa assume um papel preponderante para o desenvolvimento da região amazônica, é através dela que esta parte do país encontrará o melhor caminho a ser traçado.
A situação recente da CT&I na Amazônia
A relação entre ciência e tecnologia na Amazônia, como foi descrito, não possuía bases nas demandas locais, isso se devia:
[...] ou em função de inclinações decisivamente universalista de algumas de suas instituições, ou como resultado da inclinação que demonstram aquelas com características finalistas de conformação a ditames estratégicos orientados por necessidades estranhas às especificidades regionais. Além do mais, tais empreendimentos desenvolveram-se com baixa complementaridade, suas instituições e pesquisas apresentando baixíssima comunicação e comutatividade (COSTA, 1998, p.108).
Contudo, as atuais crises ecológicas e a importância que a conservação ambiental em nível internacional vem ganhando, podem influenciar significativamente a produção em C&T em busca do desenvolvimento sustentável na Amazônia.
Apesar disso, os investimentos em ciência e tecnologia na região são insatisfatórios. A falta de uma cultura empresarial local em pesquisa, desenvolvimento e inovação, aliada a políticas oficiais de incentivos fragmentadas e intermitentes levadas a efeito nas últimas décadas, mostra um quadro bastante precário.
Como resultado, observa-se o fraco desempenho do estado do Amazonas. Quando o assunto é “patentes”, a contribuição regional é pouco significativa no conjunto do país. O estado tem participado, em média nos últimos anos com apenas 4,7% do total nacional.
Observa-se que no ano de 2003, das 219 patentes registradas, o estado do Amazonas contribuiu apenas com 11, isto é, 5%. Em 2004, o Brasil registrou 278 patentes, sendo o Amazonas nenhuma. Já em 2005 e 2006, o estado voltou a contribuir com o número de patentes do Brasil, com 7,4% e 2,7% respectivamente. Em 2007 o estado também não contribuiu.
Os resultados levam-nos a uma dúvida: o que explica a baixa participação do estado do Amazonas e/ou da região norte em registros de patentes no Brasil?
Analisando os dispêndios dos governos estaduais em C&T em 2004, constata-se que os estados da Amazônia pouco investem em ciência e tecnologia. No gráfico, os estados amazônicos aparecem apenas na categoria “outros”, demonstrando o descaso desses governos com C&T. Do total de dispêndios dos estados, São Paulo é o que mais destina recursos ao “conhecimento”, isso é uma variável importante para explicar a sua importância econômica para o Brasil.
Esse panorama comprova as discussões feitas por Costa (1998) onde demonstra que a região amazônica nunca teve sistemas organizados de C&T e, quando teve, não foi pautado nas demandas regionais. As instituições de pesquisas na região não são suficientes nem dispõem de recursos humanos satisfatoriamente.
Com relação a instituições de pesquisa, em 2000 apenas 6% delas estava presente na região, em 2002 o número sobe um ponto percentual em relação ao ano anterior, 2004 e 2006 a região apresenta apenas 9% das instituições de pesquisa. A região que conta com maior número de instituições de pesquisa nos anos relacionados é o Sudeste com 56%, 52%, 52%, 52% respectivamente.
Com relação à presença de grupos de pesquisa o cenário é idêntico. A região Norte á a que menos conta com a consolidação de grupos de pesquisa. Em 2000 apenas 3% dos grupos estavam na Amazônia, em 2002, 2004 e 2006 a presença destes grupos é de 4%.
Assim, o número insignificante de instituições e grupos de pesquisa inviabiliza a produção de C&T na região. Embora a Amazônia represente um manancial de recursos naturais a serem conhecidos e explorados, o interesse científico nacional ainda não despertou para isso.
A proposta de trabalhar a produtividade ecológica da região esbarra na incipiente presença de ciência e tecnologia. Os investimentos nesse particular, então, tornam-se fundamentais numa proposta de política pública de desenvolvimento socioeconômico na Amazônia.
A idéia de se investir em C&T, como já foi dito, não é nova na Amazônia. Djalma Batista em 1967, ano de criação da ZFM, já mencionava a necessidade de investimentos nesses fatores de produção [2] (tecnologia, recursos humanos).
A seguir traça-se uma proposta de produção de C&T na Amazônia baseado no promissor modelo de Parques Científicos e Tecnológicos (PCTs) e na idéia de sistemas de inovação.
Parques Científicos e Tecnológicos (PCTs): proposta prática para a produção de ecotecnologias na Amazônia
O estabelecimento de marcos que possam contribuir para a criação de mecanismos de C&T na região que possam aproveitar racionalmente a biodiversidade amazônica torna-se urgente na busca para um desenvolvimento auto-sustentado e socio-ambientalmente responsável [3]. Nesse ínterim, as propostas a seguir são baseadas em experiências e conceitos já difundidos e que, se aplicados ao contexto regional, pode favorecer ao desenvolvimento regional.
Um dos conceitos que vem se discutindo bastante é o de sistemas de inovação. Para Lastres e Cassiolato (2003) apud Araújo Filho et al (2008, p.264), sistemas de inovação podem ser definidos como “um conjunto de instituições distintas que contribuem para o desenvolvimento da capacidade de inovação e aprendizado de um país, região ou localidade”. Assim, este conceito permite orientar as políticas públicas para o estímulo à interação entre instituições e aos processos interativos no trabalho de criação de conhecimento e em sua difusão e aplicação.
Baseado nessa idéia se propõe criar na Amazônia sistemas de inovação que possam abranger os seguintes atores sociais:
• Instituições públicas – nos níveis federal e estadual – para atuar na formulação de políticas e no fomento de projetos relacionados a temática da inovação;
• Instituições de ensino técnico e superior com capacidade para formar mão-de-obra especializada em seus diversos níveis;
• Instituições públicas e privadas dedicadas a atividades de P&D;
• Agências federais e estaduais de apoio a projetos de pesquisa, desenvolvimento e formação de recursos humanos qualificados em alto nível;
• Um parque industrial baseado no bionegócio, com empresas capazes de concretizar um esforço conjunto para inovação;
• Um ambiente favorável, fortemente representado na crescente consciência dos atores quanto à importância da CT&I para a sustentabilidade do desenvolvimento local.
Um dos meios eficazes de produzir essa sinergia de atores é através da criação de Parques Científicos e Tecnológicos (PCT’s). Os Parques são um fenômeno que se iniciou na costa oeste dos EUA na década de 50, e tem se expandido para todos os continentes, no ano de 2002 superaram os 600 (CASTRO, 2003).
Os PCT’s funcionam em dimensões reduzidas desenvolvidos, geralmente, por universidades, focados da geração de novas empresas. Dessa forma, o papel das universidades para a geração dos PCT’s é crucial. Para Castro (2003, p.89), entre outros aspectos as empresas estrangeiras e outros potenciais usuários do Parque serão atraídos,
No solamente por los buenos serviços y comunicaciones del entorno sino por su proximidad y relación con una universidad y su potencial docente e investigador, consesuado este con una apuesta social que considera, además, una serie de incentivos fiscales, legales, etc., y que apunta con solidez hacia el futuro.
Numa proposta para a Amazônia os PCT’s funcionariam como o lócus do sistema de inovação acima mencionado. Através não apenas das universidades, mas também das instituições de pesquisa. Esse sistema deverá produzir a articulação entre instituições que desenvolvem P&D, empresas de C&T e a sociedade civil que necessita de soluções para seus problemas. A sinergia entre esses atores é o caminho proposto para a elaboração de ecotecnologias atreladas às demandas locais e comprometida com o desenvolvimento regional.
Conclusão
A C&T assume papel indispensável para o desenvolvimento regional, é através da inovação tecnológica que novos produtos podem ser criados gerando desenvolvimento econômico e social. Entretanto, os padrões tecnológicos atuais vêm comprometendo o futuro da humanidade, pois, utiliza recursos naturais de forma intensiva e extensiva, e gera um conjunto de externalidades ambientais nocivas. Nesse particular, nas regiões onde a vida natural conseguiu ser mantida, torna-se necessária a adoção de novos padrões tecnológicos para utilizar os recursos naturais de forma racional e sustentada.
Nesse contexto, a região amazônica com sua produtividade ecológica potencial, assume papel estratégico para o país. O uso racional de seus recursos, com tecnologias ecologicamente corretas e adaptadas, condizentes com a realidade sociocultural da região, pode gerar um nível de produtividade elevada, capaz de erguer a economia regional dentro dos preceitos de sustentabilidade e inclusão social.
Para tal empreitada, o conceito de Leff (2000) de produtividade ecotecnológica assenta como uma luva no ecossistema amazônico. A noção de ecotecnologias pressupõe o conhecimento dos níveis de produtividade ecológica, do uso produtivo realizado pelas populações tradicionais da região e pela produção de tecnologias que possam aproveitar e aumentar a produtividade ecológica além de ter a capacidade de serem absorvidas pela sociedade. Através da interdependência desses níveis de conhecimento (interação ecotécnica) pode ser pensado um modelo alternativo de desenvolvimento baseado nos preceitos do ecodesenvolvimento e/ou autodesenvolvimento.
O investimento em C&T para a região amazônica precisa ser intensificado, no sentido de se criar tecnologias apropriadas que possam conter o vício nacional de ser apenas consumidor do que produtor de tecnologias. A mudança desse costume arraigado torna-se urgente no que tange a necessidade de criar tecnologias capazes de trabalhar racionalmente e sustentavelmente com os recursos naturais na região.
Todavia, a produção de ecotecnologias exige um conhecimento interdisciplinar da realidade local, onde as ciências naturais e sociais possam manter uma relação de interdependência. Assim, os investimentos em biotecnologias, engenharia genética, mecânica, antropologia, sociologia, economia, ciências agrárias etc., são estruturantes numa proposta de produtividade ecotecnológica para a Amazônia.
Portanto, a operacionalidade dos princípios ecotecnológicos necessita de novos conhecimentos científicos, tecnológicos e novos instrumentos de planejamento, bem como um ordenamento jurídico ambiental orientado por uma visão de seus objetivos em longo prazo (LEFF, 2000). Para Costa (1998) os empreendimentos em C&T na região devem pautar-se na idéia de interdisciplinaridade, e na imprescindível sinergia entre os agentes sociais envolvidos, pois os esforços para produzir conhecimento na Amazônia necessitam de uma visão ampla.
Dessa forma, torna-se necessário que se criem sistemas de inovação que possibilitam a interação e cooperação entre instituições de pesquisa e ensino, agências governamentais e empresas. Para isso, a criação de Parques Científicos e Tecnológicos (PCT’s) torna-se importante, pois permitem a articulação entre os diversos atores interessados na inovação, possibilitando assim, a construção de um aparato em CT&I comprometidos com as demandas sociais e a sustentabilidade ambiental.
A empreitada para a construção de um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia inicia-se através da criação de sistemas de inovação que possibilitem a interação ecotécnica, isto é, a interação entre as diversas áreas do conhecimento científico, o conhecimento tradicional e o uso produtivo desses elementos.
Os PCT’s, dessa forma, seriam o lócus da produção de ecotecnologias, onde se realizaria as três etapas do processo de inovação: pesquisa básica, pesquisa aplicada e o desenvolvimento tecnológico.
Esse conjunto de fatores, articulados com a vontade política e com investimentos maciços em CT&I podem mudar o atual cenário do desenvolvimento regional, criando condições para um modelo sustentável e compatível com os interesses e as demandas locais.
Notas
(1) A ideia de uma produtividade ecotecnológica fundamenta-se em três processos interdependentes e que estabelecem níveis correspondentes de produtividade. O primeiro é um nível de produtividade cultural, esse se baseia no conhecimento tradicional dos recursos naturais e do uso produtivo desses recursos. Em segundo está um nível de produtividade ecológica, baseada na conservação da fertilidade dos solos e na manutenção de certas estruturas funcionais dos ecossistemas das quais dependem, a longo prazo, suas condições de estabilidade e renovação e que, através de tecnologias permitem que possam ser ampliadas. Finalmente, um nível de produtividade tecnológica, que dependem da eficiência dos processos de transformação de um conjunto de meios mecânicos, químicos, bioquímicos e termodinâmicos de produção (Leff, 2000).
(2) Na moderna economia os fatores de produção são: capital, tecnologia, recursos humanos e recursos naturais
(3) No caso da economia do estado do Amazonas, a criação de uma economia baseada no bionegócio ainda é mais urgente, haja vista a dependência ao Pólo Industrial de Manaus onde os incentivos terminam em 2023.
Referências
ARAÚJO FILHO, G. et al. A emergência de um sistema de inovação no Estado do Amazonas: fortalecimento pela governança. Parcerias Estratégicas, nº 26, Brasília DF, p. 261-281, jun. 2008.
BATISTA, D. Ciência e Tecnologia no Desenvolvimento da Amazônia. Folha de São Paulo. São Paulo, 16 mar. 1967. Suplementos da Amazônia. p. 162-163.
CASTRO, F. Los Parques Científicos y Tecnológicos: origenes, desarrollo y perspectivas. In: Ciencia, Tecnología y Sociedad, Editorial Científico-Técnica, Ciudad de La Habana, 2003.
COSTA, F. A. Ciência, Tecnologia e Sociedade na Amazônia. Belém: Cejup, 1998.
LEFF, E. Ecologia, capital e cultura. Tradução de Jorge Esteves da Silva. Blumenal: Edifurb, 2000.
NR Este texto é uma compilação de artigos apresentados no XIV Congresso Brasileiro de Sociologia, 2009 e no VI Congreso de La Asociación Latinoamericana de Sociología del Trabajo. Uma nova versão está sendo tecida com dados mais recentes e incorporando novas ideias fruto dos debates nos congressos apresentados.
(*) Sociólogo e Economista. Mestre em Sociologia pela UFAM. Doutorando em Ciências Sociais na UNICAMP.
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