domingo, 18 de julho de 2010

ENCONTRO DE SABERES INDÍGENAS NO AMAZONAS

No dia 03 de julho de 2010, foi realizado um grande evento na comunidade Cartucho, T. I. Médio Rio Negro II, a três horas (a montante do rio Negro) no município de Santa Isabel do Rio Negro (AM), denominado 1º Encontro Interétnico dos Saberes Indígenas, oportunizando a troca de conhecimentos sobre medicina tradicional entre pajés e raizeiros, tanto do Rio Negro, Brasil, como de outros países e estados vizinhos do Estado do Amazonas. O encontro teve início às 09h da manhã, na maloca construída pelos comunitários de Cartucho, especialmente para este evento. Estavam presentes dois representantes de cada uma das sete comunidades associadas a ACIR, quais sejam: Aruti, Massarabi, São João II, Castanheiro, Wacará, Cartucho e Wábada II. Também estavam presentes representantes de organizações indígenas locais: FOIRN - Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, ACIMRN -Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro, e ACIR - Associação das Comunidades Indígenas e Ribeirinhas, Indígenas e representantes da ACT.TRIO Suriname, na pessoa de Melvin, ACT Colombia, Javier Ortiz, a convidada da ACT Brasil, Bonny Meyer, patrocinadora do evento, o mestrando Aquiles Pinheiro, pesquisador do NCPAM, representante da comunidade acadêmica da UFAM (Universidade Federal do Amazonas) e demais indígenas dos povos Tiriyó da boca do Marapi, Tiriyó do Suriname, Miraña da Colômbia, Diahuy da comunidade Kwaiari no sul do Amazonas, e Waurá do Xingu.O encontro reuniu sábios indígenas e proporcionou intercâmbio cultural entre os povos da América do Sul

Objetivo do Encontro

O resultado das múltiplas influências da sociedade ocidental nas comunidades indígenas é também um reflexo da difícil história de colonização pelos quais esses povos enfrentaram. Com o passar dos anos, esse fato tem sujeitado e comprometido a integridade de diversas culturas e de territórios. Uma das conseqüências vem sendo a diminuição da importância do Pajé nas aldeias, figura responsável pelo equilíbrio entre os seres, pelas curas e pela recriação do cosmos por meio dos seus ritos. Em resposta ao problema, cerca de 60 indígenas participaram, de 3 a 5 de julho, do “Encontro de Saberes”, evento que reuniu sábios indígenas (pajés, taytas, e líderes espirituais) de várias etnias da América do Sul, na Aldeia do Cartucho, no Médio Rio Negro II, em Santa Izabel do Rio Negro.

Organizado pela Equipe de Conservação da Amazônia (ACT Brasil), o objetivo do Encontro é proporcionar um ambiente de trocas culturais entre os participantes, possibilitando que suas culturas sejam fortalecidas a partir deste intercâmbio. “O mais importante é que o Encontro proporciona condições para fortalecer a união espiritual entre os líderes indígenas. É também uma forma de ajudá-los a construir uma fortaleza simbólica contra a expropriação de seus recursos naturais e saberes tradicionais”, explica o antropólogo, Júlio Borges, que esteve presente em outras edições do Encontro. Os sábios pertencem a diferentes povos indígenas da América do Sul, como: Waurá (Xingu-Brasil), Surui-Paiter (Brasil), Tiriyó (Suriname-Brasil), Ingano (Colômbia), Baré, Tukano e Arapasso (Médio Rio Negro II- Brasil), entre outras. Para o evento, os índios do povo Baré construíram uma Casa Tradicional para receber os participante do Encontro.

Esta foi a quarta edição do encontro. O primeiro foi na Colômbia, em 2005, o segundo no Xingu, em 2006 e o terceiro no Suriname, em 2007. “As comunidades acharam que era hora de retomar os encontros, pois as trocas de experiências por parte das etnias são riquíssimas”, diz Júlio. Posteriormente, as histórias contadas e mostradas são repassadas por eles para as aldeias de cada um. “Os participantes compartilham a certeza de que é possível e necessário continuar praticando seus saberes e rituais porque, em outras partes do mundo, existem ‘irmãos de conhecimento’ vivendo em condições semelhantes às suas, sofrendo pressões e ameaças que eles mesmos sofrem e que, ainda assim, mantêm suas identidades indígenas”.

A programação do encontro foi toda definida pelos representantes indígenas. A proposta é permitir que os participantes tenham todas as condições para que a reunião ocorra da forma mais natural possível, permitindo que decidam o conteúdo das discussões e o momento em que deve ser feito. Em eventos passados, além da troca de experiências, foram discutidos temas como: a pressão que os brancos têm feito sobre suas terras indígenas e recursos naturais, a valorização das culturas tradicionais e a proteção de seus saberes ante a fúria capitalista.

Histórico

O crescente aumento de ameaças às Terras Indígenas motivou os pajés dos povos Waurá (Brasil) e Inga (Colômbia) a iniciarem uma série de intercâmbios com o objetivo de fortalecer os costumes, os saberes tradicionais de seus povos e praticantes. O primeiro passo nesse sentido foi a visita do Tayta (pajé) inga Luciano Mutumbajoy a aldeia Piyulaga, do povo Waurá, em 2004.

No ano seguinte, foi a vez dos Waurá irem à Colômbia para conhecer a União de Médicos Indígenas Yageceros da Amazônia Colombiana – UMIYAC, coordenada pelo Tayta Luciano. A UMIYAC tem desempenhado papel fundamental no processo de revalorização da medicina tradicional dos povos indígenas da Amazônia colombiana. Durante essa visita, o cacique e o pajé principal do povo Waurá, Atamai e Ysautaku respectivamente, e os Taytas decidiram realizar um encontro que reunisse sábios indígenas de várias etnias para partilharem suas práticas de cura e para refletirem sobre formas eficazes de proteção e reconhecimento dos seus saberes.

Como convidados, participaram os representantes das "Seis Nações", habitantes do território, hoje atravessado pela faixa de fronteira entre o Canadá e os Estados Unidos: Ojibway, Tuscarora, Cree, Mohawk, Onondaga e Lakota. Da Colômbia vieram os Taytas, termo que empregam para designar o Pajé, dos povos Kamsá, Inga e Siona. Da região fronteiriça entre Brasil e Suriname vieram membros dos povos Tiriyó (Brasil e Suriname) e Wayana. Assim, o Tiriyó (família lingüística Karib), o Waurá (família lingüística Aruak), o português, o espanhol e o inglês foram os idiomas falados durante os cinco dias em que os indígenas estiveram reunidos.

Além de participar dos rituais uns dos outros, os indígenas também compartilharam preocupações que lhes são comuns acerca da proteção dos seus saberes e do fortalecimento dos seus povos face às histórias de colonização vividas por cada um deles. Intérpretes teceram a fina rede da compreensão comum, facilitando o entendimento entre os presentes de que, a partir do intercâmbio entre os povos indígenas, pode-se construir uma fortaleza contra a expropriação dos seus saberes pelo "homem branco".

Depoimentos dos Indígenas

Pajé Ysautaku, Povo Waurá, Brasil:

“É bom que a gente tenha esse encontro. Podemos dar força uns aos outros. Sou pajé como vocês e por isso eu sonhei também, sonhei com alguém me dizendo em meu sonho: ‘nosso costume é o mesmo, é tudo igual’. Então queria ver a diferença. O espírito falou: ‘somos todos iguais’. Parente está dizendo que veio me ajudar mas eu queria ver a diferença que tem. Então quando tiver doente aqui, vou comunicar com vocês para os espíritos de vocês virem aqui na minha aldeia me ajudar, para trabalhar junto para me ajudar a curar aquela pessoa... e a mesma coisa com vocês: quando tiverem algum parente doente que não tem como homem branco curar, vocês me comuniquem para meu espírito ir até lá curar junto com vocês aquela pessoa. Eu acredito que todos vocês vão estar junto comigo, eu acredito. E o que está ocorrendo agora é isso. Estou muito feliz por essas coisas, por vocês estarem me ajudando. Vocês não virão pessoalmente... vão ser os espíritos de vocês que virão para me ajudar e a mesma coisa: eu não vou pessoalmente até sua casa para ajudar a curar, vai ser meu espírito”.

Tayta Juan Yaiguaje, Povo Siona, Colômbia:

“Em nossos sonhos estamos andando pela floresta. Esses sonhos estão mostrando que aqui há muitos remédios para muitos tipos de doenças e isso me impressiona muito. Me impressiona muito querer andar, andar por essas matas para mostrar os remédios que nós conhecemos e logo compartilhar com os pajés, com os demais, para que de imediato sigamos como irmãos de conhecimento, de coração, para que nós tenhamos boas visões. Esses sonhos me contavam isso, para estarmos sempre juntos, como estamos aqui”.

Fotos: Aquiles Pinheiro

Nenhum comentário: