Elza Souza (*)
Há algum tempo vi em um programa de televisão cenas bárbaras, num tempo em que o ser humano acha que é “o cara”. Diferente dos outros seres o homem se considera o mais inteligente, o mais moderno e o mais arrojado em suas atitudes. As lágrimas não caíram por muito pouco. Mas um nó se formou no meu peito e na minha alma. A apresentadora mostrou imagens de livros, documentos, de toda uma história jogada num obscuro canto esperando o fim pelas traças e pelo descaso. Assim como o acervo, as pessoas que trabalharam na Santa Casa de Misericórdia estão no mais completo abandono. Os depoimentos de alguns servidores que foram sumariamente deixados de lado, sem direito a receber nem o salário do tempo trabalhado muito menos as indenizações devidas, mostram claramente uma chaga sangrenta de nossa história que vem se arrastando não é de hoje. Intelectuais, juizes, empresários, advogados, artistas, todos têm um “pezinho” na Santa Casa.
Para ficar no âmbito do povo, tive meus três filhos nesse hospital num tempo em que o paciente podia se entregar de corpo e alma aos cuidados do médico e enfermeiros e o profissional da saúde era sinônimo de dedicação e eficiência. Na Santa Casa pude salvar dois dos meus três filhos, todos de gravidez de alto risco. A segurança do lugar e a competência do dr. Wallace de Oliveira foram essenciais naqueles momentos difíceis da minha trajetória.
Sempre que passo na rua 10 de Julho observo aquela árvore tão antiga na frente do prédio que, segundo o pintor Moacir Andrade, quando ele aí nasceu há 83 anos, ela e muitas outras, se espalhavam por ali majestosas. Pelo andar do bondinho, que também não existe mais e pelas árvores dizimadas do centro da cidade, logo, logo o prédio histórico e as lembranças de muita gente, virão abaixo derrubados pela incompetência.
Preservar tudo isso não interessa a ninguém. Nem aos governantes que gostam mesmo é de derrubar para renascer das cinzas. Nem aos empresários que precisam de um forte incentivo para isso. Muito menos a população que ignora, que fecha os olhos, que esquece sua própria história. Não devemos esquecer que muitos ajudaram, mas não puderam evitar a catástrofe do abandono. Na época que ainda atendia à população diziam que alguns funcionários desonestos levavam lençóis e remédios prejudicando já aquela altura o bom funcionamento do hospital.
Portanto, de uma maneira ou de outra, todos temos a nossa parcela de culpa. É triste ver o desenrolar dessa novela. Um empurrando para o outro a responsabilidade pela decadência de um hospital que foi tão importante em nossa sociedade. “Não tem dinheiro” como muitos alegam é uma desculpa digamos um tanto esfarrapada. Com a carência em nossa cidade dos serviços de saúde em toda sua extensão, o resgate da Santa Casa de Misericórdia é o mínimo que as autoridades poderiam fazer pelo povo que tanto amam quando precisam de voto.
Rodando um pouco a caboca, deixem essa conversa de copa no Brasil, boi bumbá, olimpíadas, carnaval, prosamim e utilizem corretamente uns caraminguás com a saúde da população, que está doente, sofrendo pelos corredores dos hospitais bem construídos, modernos, mas que não funcionam adequadamente. Só não sabe disso quem não usa. A palavra é revitalizar, aproveitar o que já tem e dar condições de funcionamento. Façam isso com a Santa Casa e não deixem passar a chance de registrar a sua atuação nessa vida numa causa nobre e autêntica da História do Amazonas.
(*) É jornalista e estudiosa da nossa cultura.
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