segunda-feira, 3 de maio de 2010

AMAZÔNIA: DESAFIOS E CONTRIBUIÇÕES




Lucia Carvalho Pinto de Melo (*)

A Amazônia nos fascina. Mexe com todos nós. Tem relação com as nossas raízes culturais, tornando presente nossa memória ancestral. A Região nós coloca frente à essência da vida, com sua exuberância natural e diálogo perceptível com as forças que regem o equilíbrio maior do planeta.

A imensa floresta tem papel de destaque nos regimes hidrológicos e climatológicos de vastas frações do Brasil e do continente sul-americano. Abriga parte importante de nossa riqueza e diversidade biológica, com inúmeras espécies animais e vegetais, muitas ainda pouco conhecidas.

Mas a Amazônia é ainda mais que a floresta. É também um imponente mosaico de conjuntos geomorfológicos interligados, com suas planícies, maciços, várzeas, campos, cerrados, matas de densidade variada e outras formações, cujas partes interagem num delicado jogo de forças. E é ainda homem. Incrustados nas suas entranhas e com variados perfis sociais, índios, caboclos, migrantes etc., os homens estão à frente dos movimentos de ocupação, preservação e utilização das suas áreas, contribuindo ou não para sua reprodução sustentável.

Não há opção simples para o desenvolvimento da Região. Preservar a floresta implica construir caminhos capazes de gerar renda e qualidade de vida para suas populações.

Desenvolver a Amazônia obriga a produzir uma interação virtuosa entre forças sociais capazes de usar as riquezas derivadas da biodiversidade e outros recursos naturais regionais sem destruí-la. E isso não pode ser obtido pela replicação dos padrões atuais do que convencionamos chamar de desenvolvimento nas sociedades ocidentais.

O desenvolvimento exige exatamente algo que potencialize as transformações e induza opções realmente habilitadoras de um futuro mais promissor. Cabe valorizar as características socioculturais e ambientais existentes e as forças sociais vivas da Região, bem como promover maior articulação das estruturas regionais aos circuitos nacionais e internacionais, de forma a intensificar fluxos comerciais e financeiros e o intercambio cultural, cientifico e tecnológico. E cabe ainda considerar que as iniciativas de organização produtiva, numa região carente de infra-estruturar e outros meios necessários ao desenvolvimento ressente-se de um diferencial de rentabilidade que reflete tais condições mais frágeis de produção.

O estudo “Um projeto para a Amazônia no século 21: desafios e contribuições”, coordenado pela professora Bertha Koifmann Becker junto com os professores Wanderley Messias da Costa e Francisco de Assis Costa e o apoio de uma equipe de colaboradores especializados, busca exatamente encontrar uma resposta concreta para os desafios do desenvolvimento da Amazônia. Como defendem esses autores há muitos anos, a resposta, qualquer que seja, contém um ingrediente indispensável: a contribuição da ciência, tecnologia e inovação (CT&I).

Sem essa contribuição original, não há como colocar de pé uma trajetória distinta para o desenvolvimento da Região. Este livro avança ao propor uma revolução técnico-científica orientada tanto ao aproveitamento e difusão do uso dos produtos da biodiversidade, como para difusão de conhecimentos e padrões produtivos voltados a transformação das estruturas produtivas regionais preexistentes.

A dualidade entre o coração florestal – a floresta ombrófila densa, pouco afetada desde os tempos do descobrimento, a não ser pela porção nordeste do Estado do Pará, próximo a Belém – e as demais áreas já degradadas ou sob pressão antrópica atual, passa a ser a chave de uma proposição estratégica para o desenvolvimento da Amazônia.

Recomendam-se, para a primeira área, os conhecimentos necessários a implantação de cadeias de produção bioindustriais, orientadas para a fabricação de biocosméticos, fitoterápicos, nutracéuticos, produtos alimentares, bebidas etc. Para a segunda, aqueles dedicados ao adensamento técnico-científico de atividades como a extração da madeira e setores relacionados, a silvicultura e o manejo florestal, a agroenergia, entre outras. Permeia ambos os modelos de desenvolvimento sugeridos a construção de nexos que permitam, em âmbito internacional, forjar um espaço real de valoração dos serviços ambientais.

Manaus estaria convocada a exercer uma liderança enquanto nodo das redes globais que animam relações e circuitos financeiros aptos a sustentar essa atividade inovadora para o desenvolvimento regional.

O livro aprofunda nossa compreensão dos principais produtos regionais e as limitações e potencialidades das organizações produtivas dominantes; envereda pela discussão da questão fundiária, apontando alternativas para se alcançar a regularização e a defesa dos direitos de propriedade adequados; discute os caminhos da mineração em busca de novas formas institucionais que impulsionem empreendimentos minero-metalúrgicos sustentáveis; aborda a temática obrigatória da água e seus usos potenciais; enfrenta o debate sobre a transformação da indústria madeireira; e entra de cabeça na temática do extrativismo e dos desafios da gestão comunitária na Região.

Uma contribuição destacada do estudo reside na caracterização de seis trajetórias básicas de evolução da produção agropecuária e agroindustrial, três camponesas e três patronais. A ocupação da Amazônia e as perspectivas futuras de desenvolvimento estão muito atreladas às dinâmicas de desenvolvimento de cada uma dessas formações produtivas localizadas, com suas necessidades e implicações distintas.

Conformam assim um elemento essencial ao desenho de estratégias futuras de
desenvolvimento, transformando eventuais diretrizes gerais de tradicionais esforços de planejamento em agendas mais concretas e com maior potencial de efetiva realização. Assumir outra perspectiva de desenvolvimento importa em mudança de padrões produtivos e comerciais, em maior agregação de valor intraregional, em maior capacidade de retenção de riqueza na Região.

O “Norte” não é mais apenas um celeiro de matérias-primas, a disposição dos aventureiros de plantão. Tampouco está desprovido de uma população altiva, cheia de anseios, ciente de suas prerrogativas, num concerto democrático que se vem aprofundando pouco a pouco.

Desejos são criados e recriados a cada nova mensagem veiculada e replicada no imaginário nacional e global e, traduzidos para o contexto regional, ganham novas formas e conteúdos. Abrem novas expectativas para as populações nas diversas realidades vivenciadas, urbana, comunitária, ribeirinha, indígena etc.

Este livro da professora Bertha Becker e de seus parceiros, que foi originalmente demandado ao Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da Republica (SAE/PR) – e esteve na base de algumas das principais proposições do ministro chefe de então, Roberto Mangabeira Unger, permite dar um passo à frente no debate sobre o desenvolvimento da Região. Ele muda o patamar da discussão que, por exemplo, presidiu a confecção de planos governamentais como o Plano Amazônia Sustentável original, de outubro de 2003, abrindo novas questões para instruir as estratégias de desenvolvimento regionais.

O CGEE vem apoiando o aprofundamento de algumas dessas questões, como as que se relacionam a organização de redes de inovação associadas à biodiversidade regional, capazes de promover o adensamento de cadeias de pesquisa e produção voltadas a produtos da floresta – uma já esta em operação, na área de biocosméticos –, e a reflexão e articulação de iniciativa devotada ao fortalecimento do extrativismo, peça essencial da formação de uma base social de produção de matérias-primas regionais.

Um projeto para a Amazônia no século 21: desafios e contribuições - Brasília, DF: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2009. 426 p.; Il.; 24 cm.

(*) É Presidenta do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).

Nenhum comentário: