domingo, 16 de maio de 2010

O MALANDRO E O POLÍTICO FANFARRÃO


Ademir Ramos (*)

Noite adentro ele se vai como se soubesse o que procura, tomando um gole aqui outro ali ele continua perseguindo a sua presa. Para ele nada é mais importante do que está presente na cena, é o Zeca Malandro que chega contando história e fazendo acontecer, contagiando o ambiente com seu comportamento extrovertido cheio de si e doido pra ser reconhecido no pedaço.

Zeca Malandro, conhecido pela ginga e pelo tombo, é continuo de uma repartição pública, onde se relaciona com os “doutores da lei” com quem aprendeu a falar bonito, usando os termos do Direito no mais torto propósito de amealhar para família o bem bom da classe média. Por hábito da malandragem faz uso de uma carteira do poder judiciário comprada no marreteiro da esquina, que estufa no bolso como expressão de seu poderio. Quando possível faz uso também do carro oficial fazendo ver que ele é o cara e quem está com ele “está com Deus”.

Zeca é o rei da simpatia, contador de história, solícito, não deixando sem resposta os seus “preclaros”. O que mata o Malandro é não saber ler, mas, ele é safo e, em muitos casos, alega ausência dos óculos, fazendo com que a mensagem seja enunciada em tempo real pelo “porta-voz que está inquirindo” e assim vai levando, segundo ele, no balanço do samba. E por falar no samba, o Zeca é o canarinho do asfalto com talento reconhecido.

Além de cantar é compositor e faz rima de arrepiar os bons costumes dos homens públicos, não perdoando a traição e a puxada de tapete. Conta que já fez vários sambas para políticos candidatos, mas quando eles não cumprem com o acertado, o samba é refeito e passa ser cantado no terreiro dos adversários e nos botequins politizados. Nesse reduto faz pose e quando o “preclaro” insiste na sua participação no “boca de ferro”, o Malandro pede contrapartida para garantir o seu “direito de mobilidade”, fazendo mover o seu automóvel em alto estilo.

Malandro, não entra em contenda moral e nem ideológica, na roda presente sempre concorda com as idéias do maioral, buscando agradá-lo na sua inteireza. O seu campo de atuação por excelência é o político, mostrando o quanto circula nesse meio, podendo mediar os contatos e quem sabe abrir porta, facilitando a entrada do interessado. Contudo, a todo momento faz referência ao “jabá”, deixando “o preclaro” sempre ciente da contrapartida reclamada. - Estou prestando um serviço. Por isso, os meus “honorários” devem ser depositados em mãos.

Zeca Malandro faz questão de dizer ainda, que não é político, mas, se fosse a situação seria muito melhor. Estaria cantando Bossa e não Samba, mas, tenha certeza o canarinho aqui só canta quando é solicitado, só versa quando é contratado. Por isso, faço da situação minha oportunidade de negócio, esperando “o preclaro” se manifestar favorável a “propositura” apresentada. Ao contrário, bato em retirada buscando a “sustentabilidade dos meus propósitos” - o que se negocia é o “intangível” tal como fazem os políticos. Só que eu apresento resposta aos fatos enquanto eles oferecem possibilidades a longo prazo, convencendo o “incauto” de que ele, se ganhar, servirá de escada para o eleitor e assim ambos estarão numa boa no paraíso político.

Zeca Malandro é um personagem vivo da novela do cotidiano, podendo encontrá-lo no exercício de seus afazeres a qualquer momento, assim como também o político, que sem cerimônia parte pra cima prometendo “mundos e fundos” sem medir conseqüência, visando unicamente à contabilidade eleitoral. O Malandro, todos sabem, é o rei do tombo, mas além de cantar, compõe e samba. O político, por sua vez, quer que o povo dance, mas não oferece os meios necessários para que a festa seja completa. Dessa feita, a cultura exalta o Malandro e nas urnas o povo condena o político fanfarrão ao ostracismo.

(*) É professor, antropólogo e coordenador geral do NCPAM/UFAM.

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