sábado, 29 de maio de 2010

RACIONALIDADE E O FOGO DA PAIXÃO NA POLÍTICA

Ademir Ramos (*)

A vida pública se transformou num espetáculo das multidões projetando seus atores nos céus da comunicação ou no inferno familiar da vida privada. O tema é recorrente, fragilizando os homens e os deuses do Olimpo, que há muito disputam o poder de mando dos territórios conquistados, na perspectiva de assegurar domínio político sobre o lugar e as nações.

A cultura cristã tentou minimizar esse impacto quando imputa a Deus a competência dos ungidos para o exercício do poder secular. No entanto, a tese do livre arbítrio aristotélico fez o homem responsável pela opção de seus atos, respondendo perante o povo pela corrupção dos valores objetivos e subjetivos sob a luz do Direito.

O pecado na política é de natureza dos homens bem ao feitio da cultura grecoromana. Na escolástica cristã, ao contrário, os santos não disputam o poder e comparados aos eunucos projetam no Absoluto os seus desejos com eterna obediência. Contudo, o realismo político converteu os homens em “lobo do homem” matando e mentindo em nome da propriedade e domínio do Estado.

Este desencantamento fez com que a política se tornasse um campo minado, permitindo aos homens recorrerem aos instrumentos variados para afirmação e reconhecimento do seu poderio. Nessa guerra por território centrada na luta pelo poder, o vale tudo tem sido usual mesmo nos Estados Democráticos de Direito.

Na circunstância, é o fim que determina o comportamento e a estratégia instituída pelos concorrentes no certame das eleições. Para o fim esperado, os atores dessa tragédia, em seu melhor estilo, transitam do doméstico familiar ao público, apostando unicamente na hegemonia do poder.

No passado recente, na cultura oligárquica nacional, os senhores proprietários dos “sertões do Brasil” destinavam filhos e filhas para os internatos religiosos para não oferecerem dotes e muito menos repartirem herança com seus agregados afins.

Na política partidária não tem sido diferente. O patronato tudo tem feito para se apoderar dos instrumentos de Estado e dominar seus meios em favor dos interesses particulares, minimizando dessa feita, o interesses público da Sociedade Civil.

A oligarquia inaugura o controle patriarcal reduzindo a família ao seu interesse bélico. No entanto, nas páginas da história a tal racionalidade política tem sido vítima da paixão, dando tombo aos guerreiros – em sua maioria – que, como mortais nada mais são do que objeto de seus impulsos, traídos nas alcovas ou no cenário eleitoral pelo fogo da sedução, capaz de queimar e destruir o castelo edificante da hegemonia política.

Nessa fricção da paixão de corpos e almas, o fogo pode servir de postulado para novas formas de organização, possibilitando aos homens e mulheres inaugurarem processos criativos, reinventando a prática política e o fazer democrático sob a matriz de novos valores republicanos promotores também da felicidade pública.

(*) É Professor, antropólogo e coordenador do NCPAM/UFAM.

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