Jose Henrique Cortez (*)
Passada a fase mais aguda da crise de energia ainda não discutimos a suas verdadeiras causas e as soluções mais eficazes. Desde o início da crise acompanhamos as críticas, sugestões e opiniões dos inúmeros especialistas diante de nossa inacreditável crise energética. A imensa maioria dos especialistas atribuiu a crise à falta de investimentos em geração, transmissão, distribuição e às privatizações.
Tudo bem, mas já que os especialistas em energia expressaram as suas opiniões, também acho que posso contribuir enquanto ambientalista. Neste momento, assim como outros ambientalistas que atuam em questões hidroambientais, estou seriamente preocupado com o preço ambiental que será pago diante da crise de energia.
Nossa matriz energética é majoritariamente baseada em energia hidrelétrica (87%) e, por mais incrível que possa parecer, a água é a principal matéria-prima desta energia. Em abril de 2001 tínhamos uma capacidade instalada de 73 mil Mw para um recorde de demanda de 54 mil Mw.
A crise aconteceu porque os reservatórios estavam vazios. A energia ficou escassa porque estava faltando água, mas os especialistas continuam insistindo no aumento da geração, no aumento dos investimentos em geração e distribuição e na redução do consumo.
E a água?
Ora, há anos sabemos que os períodos de chuva estão cada vez mais irregulares e insuficientes. O esgotamento dos mananciais e a superexploração das bacias e reservatórios extrai muito mais água do que a natureza consegue repor, esgotando os estoques dos reservatórios.
A região metropolitana de São Paulo, em 2000,amargou um severo racionamento por oito meses exatamente por isto. Bem, lamento discordar dos especialistas, mas temos a oportunidade de repensar o modelo e as alternativas de forma mais responsável do que simplesmente aumentar a oferta através de novos megaprojetos.
Senão vejamos:
Primeiro, não existe energia limpa. Ela pode ser mais ou menos impactante, mas não é limpa. Assim devemos ter a responsabilidade de compreender que devemos usar de forma sustentável todas as alternativas possíveis: Hidrelétrica, Termoelétrica, Biomassa, Fotovoltaica, Eólica, Células de Hidrogênio, etc. E sem o discurso que energia alternativa é cara porque é infinitamente mais barata do que não ter energia.
Segundo, o desmatamento é o principal fator da redução pluviométrica nas áreas de recarga (cabeceiras) dos rios que abastecem as represas. O rio São Francisco é um grande exemplo da nossa irresponsabilidade, porque o desmatamento de sua cabeceira e afluentes, a perda das matas ciliares, a retirada sem controle de grandes volumes de água para irrigação e consumo rebaixaram o seu nível, assorearam o seu leito e causaram a salinização de sua foz. E, conseqüentemente perda de volume nos reservatórios das suas hidrelétricas.
Terceiro, as usinas termelétricas a gás podem ser necessárias, mas não são a solução. Elas usam um recurso finito (gás), são grandes emissoras de gases que contribuem para o efeito estufa e massivas consumidoras de água. Uma termelétrica de grande porte, como o Projeto Carioba 2 no seu projeto original, consumiria por hora o equivalente a uma cidade de 140.000 habitantes. Insisto que o problema atual foi causado por falta de água e acho incrível que os especialistas não tenham notado que em longo prazo as termoelétricas podem agravar o problema. Investir em termelétricas a óleo e carvão é irracional.
Quarto, a energia eólica é ideal para energia distribuída por geração localizada, ou seja, para geração e consumo em áreas específicas. Poderíamos usa-la para abastecer a Ilha Grande no Rio de Janeiro e a eletrificação rural e áreas isoladas em que tivéssemos ventos adequados. O nordeste brasileiro possui um potencial confirmado de 15 mil Mw o que supera a capacidade de Itaipu.
Quinto, a energia fotovoltaica pode ser intensamente usada em casas, edifícios residenciais e condomínios, aliviando todo o sistema.
Não existe energia limpa
As usinas hidrelétricas construídas no clima de “Brasil Grande” foram e continuam sendo grandes desastres socioambientais. Hoje temos maiores conhecimentos técnicos e científicos para planejar e projetar novas hidrelétricas, mitigando ao máximo os seus impactos, mas, ainda assim com enormes custos. Por falar nisso, que tal repotenciar as usinas mais antigas, isto é, modernizar o seu conjunto gerador, permitindo produzir mais energia com o mesmo volume de água. É mais rápido, barato e eficiente.
Os reservatórios são de uso múltiplo e geração de energia é apenas um dos usos. O gerenciamento das bacias de suporte dos reservatórios deve ser feito por toda a sociedade. A implantação eficaz dos Comitês de Bacias e o desenvolvimento de programas de recuperação hidroambiental são fundamentais para garantir a eficiência dos reservatórios.
A experiência do racionamento demonstrou a importância dos programas de eficiência energética, que devem ser amplamente adotados. A fase da energia barata acabou.
E a água? Se não implantarmos um competente gerenciamento de bacias, repensarmos a superexploração dos mananciais, não racionalizarmos o consumo e não iniciarmos a imediata recuperação hidroambiental das bacias hidrográficas teremos uma imensa crise de água. É hora de agir com responsabilidade e visão de longo prazo.
Temo que esta inacreditável crise sirva de justificativa para um imenso desastre ambiental. Os investimentos em geração e distribuição talvez garantam o fornecimento de energia pelos próximos anos, mas ao custo da qualidade de vida da próxima geração.
Fonte: http://www.camaradecultura.org/Nao%20existe%20energia%20limpa.pdf
(*) É ambientalista e vice-presidente da Câmara de Cultura.
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