Valter Calheiros (*)
A NARRATIVA FAZ PARTE DO PROJETO DE INTERLOCUÇÃO ENTRE O SABER LOCAL E O CONHECIMENTO ACADÊMICO, QUALIFICANDO SEUS ATORES NA PERSPECTIVA DO ENCONTRO TAL COMO SE MANIFESTA AS ÁGUAS DOS RIOS NEGRO E SOLIMÕES NA FORMAÇÃO DAS CORREDEIRAS DO AMAZONAS A DESAGUAR NO MAR, PROMOVENDO DOMÍNIO DO CONHECIMENTO SOBRE A NOSSA AMAZÔNIA. MANOEL JOSÉ DO NASCIMENTO, 76 ANOS, CONHECIDO COMO MANOEL MANSINHO OU MANOEL DO LEITE, NASCEU NO SERINGAL CANABUIM, NA REGIÃO DO RIO JURUÁ, DISTANTE QUATRO DIAS DE MOTOR (DE SUBIDA) E TRÊS DIAS (DE DESCIDA) DA SEDE DO MUNICÍPIO DE EIRUNEPÉ.
[...]. Eu e minha família saímos do Seringal Bom Jardim no dia 9 de maio de 1952, viajando de canoa com destino a Manaus. Vim com a mamãe trazer a minha irmã para internar no leprosário da Colônia de Hansenianos. Na viagem trouxemos outras duas senhoras para se internar no leprosário. Eu era solteiro e vim para acompanhar o tratamento de minha irmã.
A viagem do Seringal até o município de Coari durou quatro meses e quatro dias, viemos em uma canoa grande com tolda de palha de Ubim. A canoa foi comprada pela família especialmente para a viagem, pois os barcos dos comerciantes conhecidos como regatões, não realizavam transporte de hansenianos, os donos dos barcos tinham medo dos doentes. A canoa vinha com um pano preto, indicando que transportava doentes de lepra. De Coari até Manaus viemos a reboque em um barco regatão. Chegamos a Manaus às 9 horas do dia 30 de setembro de 1952.
Nós moramos em vários lugares do lago da Colônia e no final do ano de 1958 passamos para a outra margem do rio e finalmente na restinga do lago do Aleixo, conhecido como Igarapé da Lenha.
Quando eu cheguei no Lago do Aleixo e Igarapé da Lenha tudo isso aqui era só mato, aqui em cima, onde hoje é a Comunidade Bela Vista, não havia ninguém morando. Na época era muito bom, íamos buscar água nas cabeceiras do rio, aqui dentro do Igarapé. Vivíamos muito animados, fazíamos festas com os próprios moradores nas casas em terra. Arrendava a terra, limpava a terra para plantar e fazíamos à colheita. A terra era boa para plantação de mandioca, fazíamos farinha e era assim a nossa vida aqui no Igarapé da Lenha.
Nas capoeiras existiam muitos animais como a cutia, paca, tatu, cobras, macacos com gola branca que rompiam as fruteiras das ingás, aquela ingá comprida que chamamos de rabo de macaco. Esses animais viviam em grande quantidade às margens do Lago, dos Igarapés e nas capoeiras.
A pesca era feita com vara de caniço e espinhel. Aqui era farto de peixe, pescávamos de tudo, pois havia pouca presença e perseguição de outros pescadores no Igarapé, mas o tempo foi passando e apareceram os pescadores com malhadeiras e bombas.
No Lago do Aleixo e no Igarapé da Lenha tinha muitos tipos de peixes, como o tambaqui ou ruelo, dourado, pirarara, pacu, tucunaré, surubim, matrinchã, no mês de maio tinha cardume de jaraqui que enchia canoas, pirarucu dos grandes, peixe boi, tracajá, tartaruga e tantos outros. O lago era fechado com mato e árvores de araçá e de cipó maracarana. Hoje as pessoas talvez não conheçam e nunca ouviram falar destas árvores, não existe mais a vegetação na beira do lago, tudo isso foi morrendo e a natureza foi acabando. Agora está tudo poluído, cheio de toras de madeiras, lixo, resto de combustível dos barcos e isso não é bom para os peixes, eles ficaram sem a sua moradia.
A Comunidade Bela Vista era um tucumanzal muito grande, a formação da atual comunidade começou com uma invasão. No início da comunidade, para sobreviver eu vendia leite, coalhada, queijo e tucumã, vivia pelas ruas vendendo meus produtos. Hoje graças a Deus eu e minha mulher somos aposentados e dá pra gente comer!
No nosso terreno plantei café, ingá, mangueira, cupu, tucumã, abacate, araticum, pitomba, açaí e vários pés de andirobeira. Os pés de açaí estão muito altos e não há ninguém para subir e apanhar, então as frutas caem e os bichos comem.
Hoje, eu e minha esposa, uma filha e cinco netos, que chegamos aqui morando em um flutuante, construímos nossa casa e somos felizes morando no mesmo lugar em que iniciamos nossas vidas e onde criamos os nossos 11 filhos. Graças a Deus!
E sobre a vontade de se construir o Porto da Lajes, eu sou totalmente contra!
O porto representa a morte do lago!
Quero ver o lago preservado para nossos filhos e netos!
(*) É fotógrafo e um dos coordenadores do projeto de articulação do saber local com o conhecimento acadêmico promovido pelo Movimento S.O.S Encontro das Águas.
A NARRATIVA FAZ PARTE DO PROJETO DE INTERLOCUÇÃO ENTRE O SABER LOCAL E O CONHECIMENTO ACADÊMICO, QUALIFICANDO SEUS ATORES NA PERSPECTIVA DO ENCONTRO TAL COMO SE MANIFESTA AS ÁGUAS DOS RIOS NEGRO E SOLIMÕES NA FORMAÇÃO DAS CORREDEIRAS DO AMAZONAS A DESAGUAR NO MAR, PROMOVENDO DOMÍNIO DO CONHECIMENTO SOBRE A NOSSA AMAZÔNIA. MANOEL JOSÉ DO NASCIMENTO, 76 ANOS, CONHECIDO COMO MANOEL MANSINHO OU MANOEL DO LEITE, NASCEU NO SERINGAL CANABUIM, NA REGIÃO DO RIO JURUÁ, DISTANTE QUATRO DIAS DE MOTOR (DE SUBIDA) E TRÊS DIAS (DE DESCIDA) DA SEDE DO MUNICÍPIO DE EIRUNEPÉ.
[...]. Eu e minha família saímos do Seringal Bom Jardim no dia 9 de maio de 1952, viajando de canoa com destino a Manaus. Vim com a mamãe trazer a minha irmã para internar no leprosário da Colônia de Hansenianos. Na viagem trouxemos outras duas senhoras para se internar no leprosário. Eu era solteiro e vim para acompanhar o tratamento de minha irmã.
A viagem do Seringal até o município de Coari durou quatro meses e quatro dias, viemos em uma canoa grande com tolda de palha de Ubim. A canoa foi comprada pela família especialmente para a viagem, pois os barcos dos comerciantes conhecidos como regatões, não realizavam transporte de hansenianos, os donos dos barcos tinham medo dos doentes. A canoa vinha com um pano preto, indicando que transportava doentes de lepra. De Coari até Manaus viemos a reboque em um barco regatão. Chegamos a Manaus às 9 horas do dia 30 de setembro de 1952.
Nós moramos em vários lugares do lago da Colônia e no final do ano de 1958 passamos para a outra margem do rio e finalmente na restinga do lago do Aleixo, conhecido como Igarapé da Lenha.
Quando eu cheguei no Lago do Aleixo e Igarapé da Lenha tudo isso aqui era só mato, aqui em cima, onde hoje é a Comunidade Bela Vista, não havia ninguém morando. Na época era muito bom, íamos buscar água nas cabeceiras do rio, aqui dentro do Igarapé. Vivíamos muito animados, fazíamos festas com os próprios moradores nas casas em terra. Arrendava a terra, limpava a terra para plantar e fazíamos à colheita. A terra era boa para plantação de mandioca, fazíamos farinha e era assim a nossa vida aqui no Igarapé da Lenha.
Nas capoeiras existiam muitos animais como a cutia, paca, tatu, cobras, macacos com gola branca que rompiam as fruteiras das ingás, aquela ingá comprida que chamamos de rabo de macaco. Esses animais viviam em grande quantidade às margens do Lago, dos Igarapés e nas capoeiras.
A pesca era feita com vara de caniço e espinhel. Aqui era farto de peixe, pescávamos de tudo, pois havia pouca presença e perseguição de outros pescadores no Igarapé, mas o tempo foi passando e apareceram os pescadores com malhadeiras e bombas.
No Lago do Aleixo e no Igarapé da Lenha tinha muitos tipos de peixes, como o tambaqui ou ruelo, dourado, pirarara, pacu, tucunaré, surubim, matrinchã, no mês de maio tinha cardume de jaraqui que enchia canoas, pirarucu dos grandes, peixe boi, tracajá, tartaruga e tantos outros. O lago era fechado com mato e árvores de araçá e de cipó maracarana. Hoje as pessoas talvez não conheçam e nunca ouviram falar destas árvores, não existe mais a vegetação na beira do lago, tudo isso foi morrendo e a natureza foi acabando. Agora está tudo poluído, cheio de toras de madeiras, lixo, resto de combustível dos barcos e isso não é bom para os peixes, eles ficaram sem a sua moradia.
A Comunidade Bela Vista era um tucumanzal muito grande, a formação da atual comunidade começou com uma invasão. No início da comunidade, para sobreviver eu vendia leite, coalhada, queijo e tucumã, vivia pelas ruas vendendo meus produtos. Hoje graças a Deus eu e minha mulher somos aposentados e dá pra gente comer!
No nosso terreno plantei café, ingá, mangueira, cupu, tucumã, abacate, araticum, pitomba, açaí e vários pés de andirobeira. Os pés de açaí estão muito altos e não há ninguém para subir e apanhar, então as frutas caem e os bichos comem.
Hoje, eu e minha esposa, uma filha e cinco netos, que chegamos aqui morando em um flutuante, construímos nossa casa e somos felizes morando no mesmo lugar em que iniciamos nossas vidas e onde criamos os nossos 11 filhos. Graças a Deus!
E sobre a vontade de se construir o Porto da Lajes, eu sou totalmente contra!
O porto representa a morte do lago!
Quero ver o lago preservado para nossos filhos e netos!
(*) É fotógrafo e um dos coordenadores do projeto de articulação do saber local com o conhecimento acadêmico promovido pelo Movimento S.O.S Encontro das Águas.
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