segunda-feira, 9 de agosto de 2010

AS VÁRZEAS DA AMAZÔNIA E SUA PROTEÇÃO AMBIENTAL

Roberto dos Santos Vieira (*)

O ecossistema e a vegetação das várzeas amazônica deixaram de ser compreendidos, expressamente, no conjunto das áreas de preservação permanente previstas no art. 2°, da Lei 4.771, de 15.9.65 (Código Florestal), após a introdução de alterações no Código, pela Lei 7.803, de 18.7.89.

As várzeas estão, no entanto, sob a proteção genérica da Constituição Federal de 1988 (art. 225), do Código d Águas (Decreto 24.643/34), da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) e em várias Resoluções do CONAMA.

As várzeas podem ainda, - e até deveriam – sob decisão de qualquer dos níveis de Governo – federal, estadual e municipal – ser consideradas como áreas sob proteção especial, em regulamentos mais pormenorizados.

Não pode a cobertura vegetal das várzeas ser considerada, rigorosamente, como Reserva Ecológica, na forma do que prescreve o art. 18 da Lei 6.938/81 combinado com o que estabelece e o Decreto 89.336, de 31.1.84, que dispõe sobre a s Reservas Ecológicas e Áreas de Relevante Interesse Ecológico.

De outra sorte, se a vegetação das várzeas não se encontra expressamente protegida, é verdade que desde o advento do Código de Águas (Decreto 24.643/34) essas espécies de terras foram colocadas sob regime especial, e assim subordinadas a regras bastante claras e exigentes, relativamente à tolerância quanto ao seu uso, especialmente quanto ao tamanho das propriedades que poderão ser autorizadas e nelas se estabelecer, ou a dimensão das práticas econômicas. Todas estas deverão estar subordinadas ao interesse público, presidido pela necessidade de se utilizar o meio ambiente sem destruí-lo.

Antes de tudo, trata-se de atender ao clamar generalizado para que a legislação em vigor seja efetivamente implantada adotando-se, no entanto, regulamentos que especifiquem de forma mais pormenorizada as condições de uso das várzeas, absorvendo-se a contribuição técnico-científica disponível.

Antes de se constituir em regulamentação a ser objeto do cuidado das autoridades federais, ou do Parlamento Nacional, trata-se de matéria no âmbito da competência dos Estados. Efetivamente, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a competência é comum à União e as unidades da federação, para legislar e cuidar administrativamente da proteção ao meio ambiente e da preservação das florestas, da fauna e da flora (CF, art. 23, VII). Concorrentemente à União, podem ainda os Estados legislar e cuidar do uso das florestas, da caça, da pesca, da fauna, da conservação da natureza, da defesa do solo e dos recursos naturais (CF, art. 24 VI).

Os Estados podem, assim, cuidar dessas matérias devendo, prioritariamente, considerar a preservação da vegetação de várzea como indispensável a atenuar e prevenir erosão, garantir suprimentos de alimentos à fauna aquática, assegurar condições de bem-estar público, e submeter o uso antrópico, inclusive a pesca , a critérios especiais de autorização sob princípios de conservação da natureza.

Ressalte-se, todavia, que a União Federal poderá, utilizando-se de competência que lhe é privativa, legislar sobre águas (CF, art. 22, IV), e vir a estabelecer normas relativas à proteção das margens, dos álveos e dos terrenos de aluvião, abrangendo assim os usos possíveis das várzeas, e assim condicionando a que as normas estaduais se subordinem aos preceitos superiores de uso adequados dos recursos.

Já existem, no entanto, alguma dessas regras expedidas pela União Federal, às quais deverão se submeter os Estados na formulação de seus próprios regulamentos pertinente às várzeas.

Relembre-se, em primeiro lugar, a norma constitucional relativa à Floresta Amazônica, cuja utilização deverá ser necessariamente precedida de cuidados especiais quanto à preservação e uso racional de seus recurso, como se vê do art. 224
, § 4.°:

“Art. 225 - ...
§ 4°. – A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.”

Outras normas de caráter geral, antes examinadas em maior profundidade, encontram-se também no Código de Águas. O inciso I do art. 2°, da Lei 6.938/81, estabelece o princípio de que a ação governamental dever manter o “equilíbrio ecológico considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado a protegido, tendo em vista o uso coletivo”, e, o seu art. 4°, discrimina os objetivos da política nacional do meio ambiente (definição de áreas prioritárias de ação governamental, estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental, etc.).

Impõe-se, agora, sob a orientação das Leis maiores, a introdução de regulamentos mais específicos e pormenorizados, visando à correção de problemas com os usos atuais, a antecipação e a preservação de procedimentos inadequados, e orientar a preservação da vegetação sujeita à inundação, para que se assegure que, nas várzeas, os cursos d’água, a vegetação, o solo, e a fauna aquática e terrestre, não venham a ser ameaçados em seu equilíbrio, a favor, inclusive, do bem-estar das populações da região.

Conclusões

Avulta a necessidade de se indicar como regulamento, o roteiro para utilização das várzeas amazônica, nos quais fique claramente determinado o regime de seu uso, para que este não termine pela sua destruição ou diminuição da sua capacidade de melhoria da vida humana na região.

De outra sorte, as várzeas se afiguram, devido principalmente às qualidades antes mencionados, como uma das evidentes e desejáveis áreas de desenvolvimento da Amazônia, pois os demais solos da região são bastante pobres quimicamente, e estão, na maior parte, cobertos por densas florestas que precisariam ser removidas para fins agrícolas ou pastoris.

Por enquanto na ausência de regulamentos mais específicos, recomenda-se que sejam exigidos que visem ocupar área muito grande das várzeas, através de determinação legal a ser adotada em todos os Estados da Amazônia. A dimensão da área a ser ocupada, a partir da qual seriam requeridos tais estudos, poderia ser obtida mediante consulta aos órgão de ciência e tecnologia da região.

Como se viu, em são Paulo o estado prévio de impacto ambiental é exigido para empreendimentos destinados a utilizar mais do que 5 hectares. Na Amazônia, essas áreas poderiam ser menores.

Os estados prévios de impacto ambiental deverão conter, no mínimo, o diagnóstico ambiental da área, a descrição da ação proposta e suas alternativas, e a identificação e análise, bem como a previsão, dos impactos significativos – positivos e negativos.

Impõe-se, no entanto, que regulamentos protetores específicos venham a ser adotados. Algumas sugestões de caráter mais geral foram apresentadas ao longo deste estudo. Outras, mas completas certamente poderão se originar das pesquisas sobre os sistemas de ocupação das áreas de várzeas do Médio Rio Amazonas, ora em realização pelo INPA, Universidade do Amazonas e Instituto Max-Planck de Limnologia. As contribuições geradas por essa pesquisa poderão ser incorporadas em normas legais e procedimentos administrativos, tão logo disponíveis.

(*) Nossa homenagem e reconhecimento ao professor, ex-reitor da UFAM e um dos primeiros a promover os estudos sobre o meio ambiente amazônico, formando gerações no campo do Direito Ambiental. O texto apresentado faz parte de um estudo mais denso “Várzeas Amazônicas e a Legislação Ambiental Brasileira”, agosto, 1992. A publicação é pertinente no momento em que o Congresso Nacional discute a votação do novo Código Florestal e os parlamentares do Amazonas encontram-se ausentes das discussões por ignorância ou omissão política.

Foto: Catalão de Valter Calheiros.

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